Gestão

A difícil conta de saída

de Natalia Gómez em 12 de agosto de 2011
Getty Images

Quando um funcionário opta por se desligar de uma empresa, comunica a decisão ao seu gestor, que pode ou não tentar convencê-lo a ficar. Se estiver mesmo insatisfeito, uma contraproposta não será suficiente. Ele deixará o cargo, e em algumas semanas será substituído por outro profissional. A vida segue porque, afinal, isso faz parte do mundo corporativo. Certo? Nem sempre. Apesar de muitas empresas adotarem essa filosofia, uma alta rotatividade é  sintoma de que o negócio está sangrando. Além dos custos trabalhistas envolvidos, existem outros, tangíveis e intangíveis, que afetam o resultado final dos negócios.

Conhecido como turnover, esse índice de rotatividade tem o poder de corroer a receita das companhias quando fica alto demais. Os sintomas mais aparentes são os custos diretos do desligamento, como a indenização, nos casos de demissão involuntária. Mas existem muitos outros, como o custo de procurar, selecionar e contratar um novo profissional, o que consome horas de trabalho da equipe de recursos humanos e desvia seu foco de atenção. “No lugar de treinar, aculturar e encantar as equipes, o RH acaba perdendo energia na busca de novos profissionais”, afirma Rugenia Maria Pomi, cofundadora e diretora executiva da Sextante Brasil e Genesis Desenvolvimento e Potencialização Humana.

Os custos de integração, aculturação e treinamento do novo profissional também pesam nas contas, já que existe uma curva de aprendizagem até que ele atinja seu pleno desempenho. A receita per capita, gerada por empregado, fica prejudicada durante esse período. Para quem ficou na empresa, os resultados também são negativos, pois a equipe tende a ficar sobrecarregada fazendo o trabalho de quem partiu. Isso prejudica o clima e abala a confiança interna. No front externo, clientes e fornecedores poderão ter sua confiança na empresa reduzida.  A informação também corre nas redes sociais, nos cursos, nos almoços de negócios, e pode afetar a imagem da companhia.

Para evitar tantas consequências nocivas, o primeiro passo é fazer um estudo detalhado para entender o turnover atual da empresa, separando demissões voluntárias das involuntárias e a identificar quais áreas de negócio, níveis hierárquicos ou regiões são mais afetadas. Também é indicado comparar com empresas do mesmo mercado, já que o índice costuma variar de acordo com o setor de atuação das companhias.  “Nem sempre o turnover é o grande vilão, desde que seja compreendido e comparado ao seu mercado”, diz Rugenia. O setor de serviços, por exemplo, costuma ter um turnover maior do que a indústria.

Na Ticket, a rotatividade é constantemente monitorada pela equipe de recursos humanos. Segundo a gerente de desenvolvimento de RH da empresa, Edna Rodrigues Bedani, esse acompanhamento é importante para prevenir problemas. “Não se pode esperar perder pessoas para fazer alguma coisa”, afirma. Segundo ela, programas de desenvolvimento, alinhamento da liderança, bons salários e um clima saudável são itens fundamentais para garantir a retenção de talentos. Antes de demitir qualquer funcionário, os gestores da Ticket são orientados a identificar os problemas que seus liderados enfrentam e a buscar soluções, que podem incluir uma transferência interna ou uma promoção. “O desligamento é sempre a última opção”, afirma. Quando a decisão de sair é do empregado, a causa mais comum é o relacionamento com o gestor.  Para melhorar o relacionamento entre as duas partes, a empresa realiza avaliações por competência uma vez ao ano. O objetivo é conhecer melhor os anseios e dificuldades de cada colaborador, evitando que ele fique insatisfeito.

#Q#

A companhia não revela seu índice de rotatividade, mas diz que ele tem variado pouco nos últimos cinco anos. Na visão de Edna, o número é saudável e está na média do mercado. Os índices mais elevados se concentram nos profissionais com menos de 30 anos de idade. “Os jovens ficam menos tempo nas organizações porque querem experimentar mais. Eles costumam ficar menos de dois anos na empresa”, afirma.

Uma iniciativa fundamental para gerir o turnover é o mapeamento dos sucessores, para garantir a perenidade do negócio. Para isso, é preciso adotar avaliações para identificar quais são os profissionais com potencial para assumir cargos mais altos no futuro. Estes devem ser recompensados por sua performance, mas também pelo seu potencial, segundo a diretora da Sextante. As companhias devem ainda entender quais são os maiores motivadores para suas equipes, além de oferecer programas que melhorem a qualidade de vida das pessoas.

Momento de risco
O atual cenário econômico, com crescente demanda por profissionais em diversas áreas, requer ainda mais cautela por parte das empresas. O consultor sênior da Mercer, Christian Pereira, explica que existe uma tendência natural de aumento de turnover neste momento. Outro fator importante é que a nova geração que está no mercado de trabalho tem mais dificuldades para se vincular com uma empresa. “É a geração do video-game, que precisa ter muita clareza sobre qual será a próxima fase no emprego para poder se vincular”, explica. Segundo ele, as empresas precisam conhecer bem o seu público interno para poder moldar-se a suas expectativas.  “O indivíduo precisa saber que tem chances reais de se desenvolver e crescer.”

Pesquisa realizada pela DBM Brasil, consultoria especializada na gestão de capital humano, aponta que 45% dos executivos entrevistados pretendem se manter em suas posições atuais por, no máximo, mais três anos. A análise foi feita com base em respostas de 770 executivos de empresas de diferentes portes e idades. Os jovens, com menos de 34 anos, são os que pretendem permanecer por menos tempo nos cargos. Apenas 20% dos entrevistados entre 28 e 34 anos querem ficar mais de cinco anos na organização, enquanto nas idades superiores essa fatia é maior que 35%. “Diferentemente das gerações que a precederam, ela convive com a influência de uma quantidade maior de opções em muitas perspectivas de suas vidas. A internet como fonte de informação é um exemplo”, diz o presidente da DBM, Cláudio Garcia.

Isso indica que as demissões voluntárias tendem a aumentar à medida que os jovens executivos ocuparem as posições mais relevantes ou tarefas das gerações mais antigas.  Essa realidade não está tão distante. De acordo com a DBM, 2010 foi possivelmente o primeiro ano em que o turnover voluntário foi maior que o forçado no mercado brasileiro. Mas apesar das perdas envolvidas com a alta rotatividade, o executivo defende que também é preciso aprender a conviver com o turnover e não apenas tentar reter talentos. Se as empresas vissem o desligamento com mais naturalidade, os profissionais poderiam comunicar seu desejo de sair do cargo com meses de antecedência, com tempo suficiente para preparar um sucessor. Porém, o que ocorre é o inverso: tanto o funcionário quanto a empresa só comunicam esse tipo de decisão em cima da hora. Ele defende que o vínculo entre empresa e empregado pode ser passageiro, desde que a relação entre as partes seja positiva até no final, pois isso influencia a imagem da companhia no mercado e porque a mesma pessoa pode voltar a trabalhar na organização no futuro. Em sua visão, a falta de maturidade nessa relação é a maior origem de problemas, e não o turnover em si. “A entrada de uma pessoa na empresa ocorre baseada em questões concretas, como salário e cargo. Mas a saída, tanto voluntária quanto involuntária, ocorre por questões humanas, como problemas com a liderança.”

#Q#

Custos trabalhistas
Em relação aos custos trabalhistas envolvidos na demissão, não existe nenhuma mágica que possa ser feita pelas empresas. No entanto, é possível tomar alguns cuidados para evitar ações trabalhistas que podem trazer custos adicionais. Segundo a coordenadora da área trabalhista do escritório Campos Mello Advogados, Patrícia Medeiros Barboza, as empresas devem ter muito cuidado na hora de desligar seus funcionários. “Um escorregão pode azedar uma relação inteira e causar muitos custos com uma ação trabalhista”, afirma. Ela recomenda que a demissão seja comunicada com discrição e profissionalismo, tomando cuidado para não ferir a pessoa que naquele momento está fragilizada. A especialista conta que muitos profissionais sentem-se mal quando a demissão é feita de forma brusca ou indelicada, e buscam uma compensação na justiça, aproveitando para cobrar desde horas extras não pagas até dano moral. De acordo com a advogada, parte das ações não é movida pelo dinheiro, mas sim por um desejo de receber um pedido de desculpas e ver que a empresa reconhece o seu erro. “Existe um componente psicológico muito importante.” Outra sugestão para as empresas é desligar o profissional assim que a decisão for tomada, evitando deixá-lo na “geladeira” ou desautorizá-lo.

Durante a crise de 2008 e 2009, algumas empresas conseguiram evitar os tradicionais custos envolvidos com demissões, ao propor acordos para interrupção de contratos ou para reduzir a jornada de trabalho dos funcionários. A advogada Cristiane Fátima Grano Haik, sócia da PLKC Advogados, especialista em direito tributário e trabalhista, explica que essas iniciativas são até bem vistas em tempos de crise, pois evitam o desemprego. Em situações normais, como hoje, não são válidas. Elas tampouco se aplicam a profissionais de alto escalão.

Como gerir o turnover
1
Mapear a demanda futura por profissionais e os potenciais sucessores
2 Adotar estratégias para desenvolvimento de competências
3 Recompensar profissionais de destaque por desempenho e também pelo potencial
4 Entender o que engaja cada pessoa da equipe
5 Oferecer programas que aumentem a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar
6 Adotar práticas de governança corporativa e sustentabilidade, começando de dentro para fora da empresa
7 Monitorar turnover comparativamente
ao mercado 

 
Leia também:

> Mais caro do que parece

 

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail