A digestão de pessoas

de Gumae Carvalho* em 16 de fevereiro de 2011

O que mais me preocupa quando se fala de gerenciamento de talentos não é o caso das empresas que sequer sabem o que é isso – seja o conceito, seja identificar quem possui esse perfil. Infelizmente são muitas as companhias que sofrem desse mal, embora em muitas a gestão de pessoas seja honesta e eficiente. O mais grave dessa história é quando a organização sabe quais são suas peças-chave, sabe quem faz a diferença, mas as ignora e conspira contra.

Trata-se de uma espécie de gestão ao contrário. Para quem gosta de histórias em quadrinhos, é como se fosse a gestão no mundo do Super Homem Bizarro. Explico melhor: um planeta simetricamente oposto ao nosso, colonizado por um clone defeituoso de nosso herói, onde crime é fazer as coisas certas.

E o que as motiva a adotar essa conduta? Algumas razões até soam lógicas, como não deixar que um profissional “suba no salto alto” ao saber que é um talento e acabe se complicando por isso. Mas o que justifica massacrar esses profissionais, fazendo-os pensar que são pessoas medíocres? Medo. Não há outra razão que não seja o receio de perder esse profissional.

Para não ter a dor de ver alguém sair pela porta da frente, algumas empresas acabam por fazer uma digestão de talentos. Elas conhecem quem são, mas não os reconhecem. Eles serão sempre a turma do “quase”: quase bom; quase perfeito. E vêm as políticas na mesma linha: benefícios quase bons; salário quase alto… E os resultados, quase sempre não muito bons.

Felizmente, o mercado sabe identificar quanto valem essas pessoas. Um exemplo radical vem de fora: as ações da Apple negociadas em Frankfurt recuaram 6,5% logo após o diretor-presidente da empresa, Steve Jobs, anunciar que tiraria uma licença médica por dois anos.

Sei que é um exemplo bem peculiar. Não existem steves jobs a torto e a direito. Mas também sabemos que há muitos outros talentos abaixo dele, na própria Apple, que sequer aparecem na mídia de calça jeans e cacharrel preta. Mas sem eles, a empresa que vem revolucionando o mercado em que atua não seria nada.

Ignorar esse pessoal, virar as costas para eles ou fazer com que pensem que valem menos para evitar que busquem outras oportunidades (ou que sejam buscados) é um bom exemplo de digestão de pessoas. E quando alguém fura esse bloqueio, começam-se a ouvir pelos corredores frases como “Saiu para ganhar menos!” ou “Saiu só porque vai ganhar 100 reais a mais”. Depois dessa indignação corporativa vem a mágoa em relação ao filho ingrato, que deixou a empresa que o acolhera tão bem, apesar de ele não ser um talento.

Para evitar esse tipo de azia, vale a pena propor a cada gestor um desafio diário. Na verdade, a proposta vale para todos os âmbitos da vida e consiste em perguntar se estamos tratando os demais como gostaríamos que fôssemos tratados. Simples e eficiente. Se realizado com honestidade, muitas coisas podem mudar nas empresas. È uma das bases da confiança, item tão caro nos dias de hoje. E será dessa forma que o quase vai deixar de existir. E os melhores resultados virão, com certeza.

*Gumae Carvalho é editor da revista Melhor RH

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