A distância, mas nem tanto

de Jacqueline Sobral em 17 de agosto de 2009
Reis Neto:linguagem corporal e confiança gerada frente a frente reforçam um modelo blended de coaching. (Foto: Gustavo Morita)

Para responder à pressão cada vez maior por resultados e com um orçamento cada vez mais restrito por causa da crise econômica, alguns profissionais e empresas começam a recorrer às facilidades proporcionadas pela internet para obter uma orientação personalizada, individualizada e direcionada às suas necessidades de desenvolvimento. É o chamado coaching on-line ou coaching virtual. A forma de usar essa prática – se 100% a distância ou mesclada com encontros presenciais, se via escrita ou canal de voz – é que varia de acordo com a empresa ou o profissional.

“A figura do coach era usada, no passado, apenas com funcionários que apresentavam problemas, mas isso mudou. Nosso papel como líderes mudou tanto que precisamos oferecer às nossas equipes uma pessoa que oriente, que dê feedback”, afirma Nick vam Dam, diretor global de aprendizado, inovações e soluções de e-learning da Deloitte Touche Tohmasu. “Mas manter profissionais com essa função sai caro. Então, como fazer? Com coaching on-line. Com o orientador virtual, o colaborador discute os seus desafios, o seu desenvolvimento e as características de seu perfil”, diz.

A experiência da Deloitte virou um case de sucesso. Uma das maiores empresas de consultoria e auditoria do mundo, mantém um portal, chamado Deloitte Career Connections , dedicado ao coaching virtual, que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, e no qual trabalham 30 coaches altamente qualificados. Cerca de 6 mil profissionais da consultoria já participaram do programa, que dura de três a nove meses. 

A Deloitte começou a investir em coaching virtual em outubro de 2001, logo após os ataques de 11 de setembro, responsáveis pela destruição da sede da empresa, que ficava no World Trade Center, em Nova York. Na época, 80% de seus funcionários tiveram de ser realocados em outras cidades americanas e foi então que a companhia decidiu construir uma cultura de troca de experiências e de investimento em orientações individuais e personalizadas, acelerando o desenvolvimento profissional de suas equipes.

“Feito de forma apropriada, o coaching tem um impacto estratégico tangível em nossos negócios”, afirmou o CEO da Deloitte, Barry Salzburg, em relatório interno da empresa. “De fato, nossos colaboradores, principalmente os da geração Y, preferem fortemente ser orientados por coaches, em vez de simplesmente ouvirem o que devem fazer. Eles querem entender como o seu trabalho pode agregar valor e como eles podem aumentar esse valor.”

O modelo adotado pela Deloitte é o chamado blended, que mescla sessões presenciais e virtuais – no entanto, a parte on-line já representa 80% do programa, que pode ser realizado individualmente ou em grupo. Entre os temas abordados estão liderança, estratégia de carreira, transferência de função dentro da empresa, ou fora dela, e o desenvolvimento da própria habilidade de coach (direcionado aos gestores e líderes).

Tête-à-tête
No Brasil, a prática de coaching continua sendo em sua maioria presencial, mas, desde o início da crise econômica, em 2008, a demanda pelo processo virtual começou a ganhar força. Na Sociedade Latino Americana de Coaching (SLAC), entidade que oferece formação a profissionais e serviços a empresas, a procura pelo coaching virtual já representa 30% das solicitações de companhias e 40% do atendimento a pessoas. 

“Esta prática é muito comum principalmente em grandes cidades como São Paulo. É uma comodidade muito utilizada por executivos e profissionais que têm uma agenda muito apertada, com horários cada vez mais escassos”, comenta Sulivan França, presidente da SLAC.

Já Almiro dos Reis Neto, presidente da Franquality, observa um aumento do uso do coaching on-line, mas sempre associado a encontros presenciais. Para ele, é uma questão cultural. “Alguns executivos já apresentam uma maior flexibilidade sobre o assunto, e incluem no programa algumas sessões de coaching via internet, mais por uma questão financeira. Tenho escritório em São Paulo e, até o ano passado, eu chegava a ir a Recife para uma única reunião de coaching. Hoje, já faço isso com muito menos frequência”, pondera Reis Neto. “Ainda não acompanhamos, no entanto, o imenso crescimento que ocorreu desse processo on-line no exterior. O coach virtual ainda não faz parte da cultura brasileira. Muitos executivos, que ainda são o grande público-alvo desse serviço, continuam preferindo o olho no olho.”

Reis Neto cita a importância da linguagem corporal e a confiança que pode ser conquistada durante um encontro frente a frente como diferenciais do coaching presencial em relação à sua versão virtual. “Recentemente, iniciei um processo com o diretor de uma empresa e a primeira sessão, em vez de durar uma hora e meia, como estava previsto em contrato, levou três horas. A conversa se estendeu porque houve momentos de descontração, que são fundamentais para o começo de um projeto que vai durar um ano”, ressalta. “Por isso, talvez o modelo blended, em vez de 100% on-line, seja o ideal.”

França concorda que a relação de proximidade entre coach e coachee (como é chamado o cliente) é muito importante. No entanto, afirma que esse tipo de relacionamento pode, sim, ser obtido a distância, desde que sejam utilizados apenas canais de voz, presentes em ferramentas como Skype e MSN, ou o telefone. “O que não pode ser feito de forma alguma são sessões de coaching por meio da forma escrita. Ele é um processo dinâmico. A sessão feita por canal de voz agiliza o processo e também minimiza a distância entre o coach e o cliente”, enfatiza o presidente da SLAC.

Comprometimento
Octavio Pitaluga, coach virtual desde 2005 e chief networking officer da Top Executive Net (TEN), rede social de negócios da internet, por sua vez, utiliza em seu trabalho os serviços de mensagem instantânea, fóruns e salas de chat, da mesma forma que as demais ferramentas da internet, e destaca que o coach on-line pode trazer os mesmos resultados que o modelo tradicional. “Na verdade, existe um ponto fundamental para o sucesso de um programa, seja ele virtual ou presencial: o comprometimento do cliente. No meu trabalho, vejo que muitos profissionais tentam adivinhar a resposta que eles acham que eu quero ouvir, em vez de pensar e refletir sobre o que é, de fato, importante para a vida, carreira e negócio deles, e esse comportamento acaba sabotando o processo.”

Como vantagens da versão on-line, Pitaluga cita a flexibilidade de horários; a eliminação de problemas de deslocamento, como os engarrafamentos de trânsito nas grandes cidades; e a redução do custo do programa, já que não há gastos com uso de espaço físico, contratação de secretárias e passagens aéreas.

Assim como as ferramentas, as metodologias variam de acordo com a empresa ou o profissional. Há coaching baseado em programação neurolinguística, no modelo socrático de conversação, em psicologia organizacional, entre outros. Pitaluga, por exemplo, usa o modelo de mapa mental, por intermédio de um software chamado Freemind. “Em uma primeira etapa, convido o cliente a preencher sozinho o mapa mental e, depois, debato as informações em conjunto com ele durante as sessões de coaching virtual. Uma vez definidas as tarefas, o cliente faz seu dever de casa, registra o trabalho no software de mapa mental e envia o arquivo 24 horas antes da próxima sessão”, diz.

O presidente da Sociedade Latino Americana de Coaching enfatiza que o processo virtual pode ser complementar a qualquer programa de desenvolvimento ou de ensino a distância, desde que não se faça confusão sobre o papel do coach. “Este, em momento algum, vai dizer o que deve ser feito. Ele parte de técnicas e ferramentas para causar reflexão no cliente e fazer com que ele busque suas próprias soluções”, explica França. “Se em algum momento o coach disser o que deve ser feito, isso não é coaching. Esses são pontos muito importantes.”

A exemplo da Deloitte, existem diversos temas que podem ser trabalhados pelo coaching virtual, da mesma forma que ocorre no presencial. O fundamental é ter os objetivos do programa muito bem definidos. “No passado, o coaching era visto como um serviço que devia ser oferecido para ´consertar´ algo errado na performance de alguém. Isso, hoje, já não existe mais”, comenta vam Dam. “O grande desafio de sustentação do coaching presencial é o seu alto custo, além do fato de que ele não é flexível e nem escalável. Já o on-line permite alcançar pessoas que estão em diferentes lugares, no horário em que é conveniente para elas, sem que haja gastos com viagem para essa atividade. Além disso, o coaching on-line pode ser bem eficiente, uma vez que muitos profissionais se sentem mais abertos para discutir temas pelo computador do que pessoalmente.”

Fazer bem feito

Para adotar o coaching virtual, é importante que as empresas determinem:

> O perfil dos coaches a serem contratados (Eles são formados e certificados? Há quanto tempo? Têm experiência?). Atenção: um coach não dá conselhos, ele ajuda o cliente a chegar as suas próprias conclusões.

> As áreas (temas) da empresa a serem trabalhadas pelo coaching.

> O público-alvo ou participantes do programa

> Os critérios para a inscrição no coaching.

> O período máximo de duração do programa.

> Os horários das sessões. Eles devem ser “sagrados” e respeitados pelos gestores, sem que haja interrupções. Lembre-se de que é um processo que tem começo, meio e fim.

> As tecnologias que serão utilizadas para comunicação.

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