Carreira e Educação

A hora da retomada

de Felipe Faletti em 16 de dezembro de 2009

Quando o banco americano Lehman Brothers virou suco em setembro de 2008, desencadeando a crise financeira global, a reação imediata das grandes companhias internacionais foi colocar os dois pés nos freios, suspendendo projetos, demitindo funcionários e comprometendo todo tipo de investimento, inclusive os mais estratégicos, como os programas de treinamento e qualificação.

Almiro dos Reis Neto, presidente da fornecedora de treinamentos Franquality, conta que o último trimestre de 2008 e o início de 2009 foram marcados por fortes reduções nesse mercado. “”Entre nossos clientes exportadores, e mais conectados com a economia internacional, houve um decréscimo muito forte nas encomendas. Mesmo registrando bons resultados no Brasil, as companhias globalizadas adotaram uma postura muito cautelosa com qualquer novo investimento””, conta Almiro, que atende clientes como Votorantim, Petrobras e Gerdau.

Ricardo Franco, diretor de relacionamento da Take 5, empresa especializada em comunicação empresarial e treinamentos, diz que no momento mais agudo da crise perdeu vários projetos de educação e qualificação. “”As empresas multinacionais cortaram todos os novos programas””, diz Franco, com nomes como Samsung, Unilever e Intel na carteira de clientes.

A maré baixa, no entanto, parece inverter seu curso desde o início do segundo semestre deste ano, quando a retomada no crescimento econômico no Brasil e em parte do mundo está puxando os investimentos privados. “”Há dois movimentos em curso: um para retomar o tempo que foi perdido com os meses de crise, e outro para adequar as lideranças e gerentes das empresas para um novo cenário econômico””, conta Ricardo Franco.

Almiro dos Reis explica que já possui 50% de sua força de trabalho totalmente comprometida com treinamentos acordados para 2010. Na opinião do presidente da Franquality, as mudanças geradas pelas turbulências no mercado tornam o ano de 2010 um período aquecido no setor de treinamentos. “”O chacoalhão da crise acelerou demissões, fusões, contratações e todo tipo de mudança dentro das empresas. Quando o momento difícil passa, as companhias precisam treinar seus funcionários e gestores para lidar com o novo quadro, adaptar as pessoas aos novos chefes e práticas, o que está impulsionando todo o setor””, diz Almiro.

As mudanças organizacionais geradas pela crise e a alteração no cenário econômico para um mundo pós-crise também vão exigir que as companhias mudem o conteúdo de seus treinamentos. “”Os projetos que foram suspensos em 2008 não podem ser feitos agora, pois muita coisa mudou no mercado e dentro das empresas. As demandas por treinamentos em 2010 são voltadas para ajustar o relacionamento dentro das novas equipes, melhorar a produtividade nos departamentos e integrar os contratados pós-crise mais rapidamente Í cultura da empresa””, diz Ricardo Franco, da Take 5.


Eunice, da Embraer: a tecnologia de que a empresa precisa deve ser criada a cada dia

Um exemplo da retomada nos treinamentos corporativos pode ser vista na Embraer. A companhia foi uma das empresas brasileiras mais afetadas pela crise nos países ricos, viu encomendas de dezenas de aeronaves derreterem e, no auge das dificuldades, demitiu 4,2 mil trabalhadores. Para 2010, no entanto, a companhia projeta um investimento recorde em programas de treinamento em vários setores, desde seus engenheiros aeronáuticos até as equipes de venda, que precisam negociar com clientes estrangeiros em novos mercados.

A crise global fez a fabricante de aviões perder funcionários qualificados e os que ficaram precisam lidar não mais com os agora em dificuldade americanos e europeus, mas um número crescente de clientes na China e Oriente Médio.

“”A Embraer é uma companhia que construiu sua história baseada no conhecimento. Essa característica está no DNA da empresa e os investimentos em educação são não só um fator estratégico para nós, mas também uma condição essencial de sobrevivência para a empresa. Afinal, a tecnologia que precisamos não existe por aí no mercado, nós temos de inventá-la a cada dia e, por isso, precisamos de excelência em nossos escritórios e centros de pesquisa””, diz Eunice Rios, diretora de RH da fabricante brasileira de aviões.

Quem também vai pisar no acelerador em 2010 será a operadora móvel Claro. Segundo o diretor de RH da telecom, Sérgio Piza, o volume de investimentos para 2010 será recorde na empresa, superando os gastos efetuados em 2007, 2008 e 2009. “”Quando a crise estourou, nós percebemos que ela seria passageira e que aquele era o momento para trazer até a Claro os melhores profissionais em cada área. Isso, evidentemente, demandou mais treinamento e adequação dos contratados Í forma de trabalhar da companhia “”, diz.

Segundo Piza, quando 2009 terminar, a Claro terá feito 77% mais treinamentos do que no ano anterior, ritmo que deve aumentar em 2010. “”Como somos uma empresa de tecnologia, não podemos parar nunca de investir em qualificação. As redes móveis e as tecnologias de gerenciamento de dados mudam continuamente e nossos engenheiros e corpo técnico não podem ficar sem atualização. Do mesmo modo, a força de vendas precisa conhecer a cada semana os novos celulares que são lançados no mercado, suas funcionalidades e características””, exemplifica Piza.

Está no DNA de cada uma

Se você trabalha em frente a um computador, provavelmente não consegue passar um único dia sem recorrer a algum serviço do Google. No Brasil, 89% das pesquisas na web são feitas por meio do buscador inventado por Sergey Brin e Larry Page nos bancos da Universidade de Stanford. Nessa mesma instituição nasceu o Facebook, a rede social mais popular do planeta com 300 milhões de usuários. Antes de virar um negócio bilionário, o Facebook foi um projeto universitário apresentado por um certo Mark Zuckerberg, hoje o mais jovem bilionário do mundo, segundo ranking da Forbes.

Também foi no pátio de uma faculdade, no caso a prestigiosa Universidade de Harvard, que os alunos Bill Gates e Paul Allen fundaram a Microsoft, companhia responsável por forjar o patrimônio do homem mais rico do planeta e fornecer a plataforma de software usada em 9 de cada 10 computadores pessoais no mundo. As três histórias de empreendimentos bilionários compartilham a origem universitária e a decisão de seus fundadores de investir em educação de excelência e inovação para superar os competidores e criar empresas altamente lucrativas.

Não por acaso, no Brasil, as empresas que se tornaram referência internacional em inovação, qualidade e avanços tecnológicos são também as que mais investem em educação. Um caso simbólico é a fabricante de aviões Embraer. Em meio Í pauta de exportações brasileira dominada por produtos agrícolas e minérios, os jatos da Embraer figuram como exemplo bem- -sucedido de inserção comercial do Brasil como país exportador de produtos industrializados com alta tecnologia embarcada.

Na mesma trilha, outras companhias brasileiras como as estatais Embrapa e Petrobras aplicam até 10% de seu faturamento líquido (após o recolhimento de impostos) em pesquisa científica e qualificação de mão de obra. Ao lado da Embraer, essas duas companhias formam uma tríplice brasileira de exportação de tecnologia, aérea, agropecuária (em especial no segmento de biocombustíveis) e energética.

Além do consagrado trio da “”velha economia””, o Brasil tem seus próprios universitários empreendedores. Um exemplo de destaque é o surgimento do Buscapé, empresa criada no início dos anos 90 por quatro estudantes da Universidade de São Paulo que se transformou no maior comparador de preços do Brasil e, em setembro deste ano, foi vendida pela fábula de 360 milhões de dólares para o grupo sul-africano Naspers.

Atrás de ideias como o Buscapé, o grupo de venture capital Ideiasnet, por exemplo, ganhou fama no Brasil pela agressiva estratégia de compra e venda de empresas nas áreas de mídia, tecnologia e telecom. Presidente da companhia, Luis Alberto Reátegui conta que grupos que investem mais em educação têm melhores perspectivas de lucros e ganho de mercado. Para Reátegui, na hora de decidir a compra de uma empresa, a formação e o talento dos profissionais que a conduzem são um fator decisivo para perceber se aquela start-up vai longe ou não no mercado. “”O preparo
da mão de obra é, sem dúvida, o item mais importante””, diz Reátegui.

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