Gestão

A quântica e a mecânica de RH

de Helena Bonetti em 5 de outubro de 2015

A área de RH deveria deixar de perseguir planos, estruturas, métodos e estratégias em oceanos antigos para buscar os
chamados oceanos azuis

Se você escolheu a área de humanas por não gostar muito de física ou de matemática, talvez tenha cometido um equívoco. Mas se trata de um erro que ainda dá tempo de reverter, se você souber quebrar seus modelos mentais e entender sua organização, sua área de RH como um universo composto de estruturas físicas estáticas ou dinâmicas, atômicas, mecânicas ou quânticas, interligadas e vivas. E que o entendimento desse cenário e seus novos agentes depende unicamente de uma ressignificação de seu pensamento sobre estrutura de gestão, RH e mudança.

As questões de recursos humanos ou de gestão de qualquer ativo (ou área) da empresa se iniciam com a premissa básica do pensamento que as gera. Mas, se observarmos como verdadeira essa premissa, qual é o pensamento de RH?

Talvez a proposta aqui não seja apontar fórmulas prontas para o RH se organizar, mas como o RH poderia pensar ou deveria não pensar mais. A forma como gestores e profissionais da área de recursos humanos percebem, organizam, julgam e decidem a realidade organizacional e seus cenários é o ponto central, o fenômeno cognitivo da gestão de RH.  

Por fenômeno cognitivo de gestão entendemos o conjunto de habilidades de pensamento sobre como a organização e seus gestores percebem, apreendem, pensam e ajuízam toda a informação captada, todos os cenários evidenciados e decisões possíveis, que fazem com que eles atuem desta forma e não de outra diferente.

Não se trata de conhecimentos formais ou informais de processos ou subprocessos de RH, mas de como o RH se percebe, se posiciona e como age. O nome disso, na íntegra, é estratégia. É aquilo que o RH tem buscado externamente, fora de si, em processos, planos ou anseios com demais parceiros organizacionais, que vivem também o “viver formal mecânico” de suas áreas.

O sistema formal mecânico

A estratégia formal e linear de RH que conhecemos e habitamos é o chamado sistema formal mecânico, no qual o RH se representa como uma área responsável por um conjunto de processos delimitados em sua especialidade e que deverá dar suporte às outras áreas, processos e pessoas.

Nesse sistema, a sua característica de gestão – fechada, doutrinária e de base especialista – leva a uma distinção generalizada na comunhão com o todo organizacional, por meio do maior ativo organizacional: o capital humano. Este, por sua vez, refém dessa área e de seus especialistas, experimenta no confronto com as demais áreas e líderes momentos de ingestão, em que as práticas de saberes, vocábulos e valores se prestam inconformes e inauguram um mundo de natureza linear e mecânico, regido por políticas e regras e longe de cenários cambiantes, estratégicos ou de natureza quântica.

Especialistas apontam que uma das formas de o RH manter esse “poder benéfico” está na circunstância de sua área e na manutenção de suas políticas e regras. Se, de um lado, isso garante segurança e regularidade social, gera também engessamento e falta de mobilidade evolutiva, transformadora, principalmente em sistemas mais inovadores e adhocráticos (caracterizados pela autonomia de seus indivíduos, com forte viés na cocriação e na geração de mudanças).

Uma área de RH mecanicista e funcional deve agir de acordo com as ideias de uma organização eficaz e formal, segundo Mintzberg, um dos maiores especialistas em estratégia organizacional: “Não importam os meios de formalização – por posição, fluxo do trabalho ou regras –, o efeito sobre a pessoa que executa o trabalho é o mesmo: seu comportamento é regulamentado”.

Mas não se trata apenas de um processo de formalização de comportamentos, de unificação de pensamentos. É importante, mesmo com treinamento e doutrinação, que seja observado algum nível de disruptura com o design  organizacional, com a realidade cognitiva vigente. A esse processo, de um novo design de RH, com tendências a propósitos, descentralização, inovação e transferência de cenários, a esse design adhocrático, horizontal, chamamos de sistema quântico de RH.

O sistema quântico

Ao contrário das estruturas formais e básicas de uma organização, um sistema quântico de gestão – aqui, um sistema quântico de RH – pretende ocupar um tamanho menor no espaço organizacional. Os agentes que compõem uma estrutura quântica de RH não estão concentrados em grandes quantidades (ou partículas) numa área, divisão, departamento ou estrutura funcional, mas num universo de partículas macroscópicas, de pequenas equipes separadas fisicamente, alojadas em outras estruturas (ou corpos) exercendo suas forças na mesma direção, no mesmo sentido, porém descentralizados.

Parece ficção científica? Talvez. Mas uma coisa é certa: um sistema adhocrático e descentralizado de RH só é cabível se um sistema adaptável a ponto de ser reducionista for ao mesmo tempo cognitivamente capaz de gerar esses cenários.

Como disse Einstein: “os problemas que existem no mundo não podem ser
resolvidos a partir dos modelos de pensamento que deram origem a eles”

Quando discorremos sobre gestão de pessoas, cenário de negócios e estratégia de capital humano, pensamos na área de RH. Mas se a área de RH se transformou numa estrutura descentralizada, quântica e operada cognitivamente por agentes distantes e alojados em áreas afins, perguntamos: ela acabou?

Talvez a resposta seja: não, ela apenas se quantificou, tornou-se resultado de seu resultado cognitivo, já que é por meio dessa competência que sua existência e seus resultados deveriam ser garantidos. Mas como era enxergada a área de RH? Como um corpo ou como um átomo no universo organizacional? Como um agente tradutor de cenários ou um agente gerador de cenários? Esses questionamentos são importantes, porque o RH quântico somente é possível quando é garantido por sua capacidade cognitiva de transferir cenários ou recriá-los a partir de outros preexistentes.

Quando inauguramos um novo cenário, o transportamos ou o recriamos, uma nova ordem ou realidade se estabelece e um novo conjunto de possibilidades surge à vista dos agentes de RH para tomada de decisão ou influência no todo organizacional. Isso talvez justifique por que muitas vezes um RH funcional ou mecânico fique debruçado por anos diante da mesma problemática ou não consiga vencer pequenos problemas processuais como, por exemplo, implantar um programa sucessório, reorganizar um sistema de remuneração ou liderança. Após dezenas de tentativas, consultorias e energias desperdiçadas apostam na cultura ou a cultura da liderança como grande responsável pelo não alcance do êxito.

Recriar um cenário, transferir uma realidade de conceitos e ideias é também uma mudança de modelos mentais apoiada por uma resolução sistemática de que seus agentes não trabalham mais de forma linear, centralizada e mecânica, mas como macropartículas – pulverizam a estrutura organizacional de forma quântica, descentralizada, seletiva e com ênfase na mudança constante e não na manutenção dos sistemas e do status quo.

Pensar num RH quântico é ressignificá-lo, não como área de suporte, mas como mecanismo presente e constante (atômico) na estrutura adhocrática organizacional, em todas as áreas e segmentos do negócio, transferindo seus cenários regularizadores e normativos para cenários de atuação inovadores e transformacionais. Mas como a área de RH pode iniciar um processo de transferência como esse?

A quântica de RH: um oceano azul a ser navegado

Se a base de um processo de gestão é o pensamento, podemos dizer que o inimigo que o RH pode ter é a forma como ele pensa, como ele enxerga a si mesmo, o negócio e os objetivos organizacionais. Isso porque não podemos imaginar um inimigo comum ao RH maior que sua própria dificuldade de ressignificar e reconstruir seus cenários e modelos mentais.

Digo isso porque penso na obra A estratégia do oceano azul, cujos autores, W. Chan Kim e R. Mauborgne, oferecem a seguinte teoria: para fugirmos da forte concorrência dos mercados (os chamados oceanos vermelhos), devemos investir em pensamentos inovadores, construindo uma nova percepção, um olhar diferente para a realidade, o mercado e suas oportunidades.

Para fugirmos da forte concorrência dos mercados, devemos investir em pensamentos
inovadores

Seguindo essa teoria, a área de recursos humanos deveria deixar de perseguir planos, estruturas, métodos e estratégias em oceanos antigos, cada vez mais “vermelhos” (difíceis, competitivos e com poucos resultados), para buscar os chamados oceanos azuis, espaços organizacionais livres da concorrência de modelos mentais pouco inovadores e cheios de oportunidades.

Buscar oceanos azuis significa não perder muita energia com a concorrência interna de processos e estruturas ineficazes da área de recursos humanos ou da organização e mover cenários para o domínio quântico, recriando oportunidades de resultado e atuação diferenciada para a área, gerando resultados transformacionais na cultura e no negócio organizacional.

A insistência em métodos, padrões e regras de seus subsistemas, mais do que manter uma estrutura mecânica de RH no “atendimento” às áreas, gera um ciclo vicioso de perda de tempo com o que chamamos de “subestruturas de pensamento”, não antevendo novos cenários, novos oceanos azuis. Com isso, diariamente, na tentativa de atender ou vencer a estratégia, a área de recursos humanos acaba se dedicando a manter seus padrões de pensamento e conduta.

O deslocar quântico do pensamento gerencial de RH está em não mais enxergar os oceanos vermelhos da organização e inaugurar um olhar descobridor sobre lugares novos de oportunidades, os oceanos azuis, onde terão completo domínio. Mas, para isso, um self-assessment de seus medos, suas barreiras, resistências e conflitos seria essencial e, em seguida, desdobrar e vencer a barreira cognitiva para viver esses espaços quânticos. E mudar o pensamento é essencial – afinal, como disse Einstein, “os problemas que existem no mundo não podem ser resolvidos a partir dos modelos de pensamento que deram origem a eles”.

Quais são os nossos modelos de pensamento atuais? Como enxergamos nossos modelos de gestão de RH? E como poderíamos deslocá-los para um universo mais amplo que sua área, que seu processo e que sua mera ideia? Refletir a respeito pode ser a melhor maneira de dar espaço para as respostas emergirem — afinal, são as perguntas que abrem as possibilidades quânticas.


Helena Bonetti é filósofa, administradora, pesquisadora, sócia-diretora da WePeople – Desenvolvimento Humano e Organizacional, membro da SOL (Society for Organizational Learning)

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