Ação e reação

de Vanderlei Abreu em 17 de março de 2009
Marisa, do Mattos Filho: a comunicação é um dos pontos fortes do processo

Como reflexo do crescente processo de terceirização da área jurídica e do aumento das fusões e aquisições de empresas verificado nos últimos anos, que demandam inúmeras análises de questões legais, os grandes e médios escritórios de advocacia têm investido cada vez mais em suas estruturas de gestão de pessoas. Muitos passaram a implantar ações e políticas de RH que, muitas vezes, são de fazer inveja a muitas companhias de grande porte em busca de objetivos que não fogem dos das demais organizações de outros segmentos, como atrair e reter os melhores talentos na área do direito e melhorar a prestação de serviços. Mas essa atração está indo além.

Em outras palavras, essas ações de valorização do capital humano têm chamado a atenção, também, do próprio RH: o mercado no qual as bancas se inserem acaba se transformando num belo desafio para executivos de gestão de pessoas de outros setores. Tanto que boa parte das executivas que comandam a área nos escritórios – a maioria dos profissionais que ocupam cargos de gerência e diretoria é mulher – foi atraída da indústria e do setor de serviços.

A diretora de desenvolvimento humano e organizacional do TozziniFreire Advogados, Claudia Meirelles, é um exemplo. Oriunda do setor farmacêutico, onde atuou por mais de cinco anos na Merck, Sharp & Dohme, Claudia foi atraída pelo desafio de reorganizar a área de RH do TozziniFreire implantada em 2000. “O escritório de advocacia vive num mercado muito dinâmico, pois num dia você tem a equipe toda redondinha, e, no outro, quando entra um cliente novo, é preciso contratar 20 pessoas, desenvolvê-las e avaliá-las. É uma rotina que não para”, conta.

Segundo ela, a área de recursos humanos do TozziniFreire, passou por dois momentos. Entre sua implantação, que ocorreu de 2000 a 2003, o escritório teve uma gerente e uma diretora para esse departamento. Com a saída dessa executiva, a gestão de pessoas ficou, até fevereiro de 2005, sendo tocada por Ricardo Ariani, sócio-administrador do escritório, até Claudia ser contratada. Hoje, a área de desenvolvimento humano e organizacional (DHO) conta com 17 profissionais responsáveis pelas atividades de RH, comunicação interna, responsabilidade social e atendimento ao cliente. Essa estrutura atende a um quadro de 1.257 funcionários e 55 sócios.

Em alguns casos, os desafios que esse setor coloca diante do gestor de RH não são diferentes de outros segmentos, o que pode tornar a transição mais tranquila. Essa parece ter sido a experiência vivida pela diretora de gente do escritório Mattos Filho, Marisa Daumichen, que não sentiu tanta diferença ao passar do setor hoteleiro para o jurídico, já que eles se assemelham pelo emprego de mão-de-obra e de prestação de serviços.

No Mattos Filho, banca que tem 640 colaboradores e 38 sócios, a diretoria de gente conta com uma coordenadora, quatro analistas e dois estagiários, que respondem pelas atividades de recrutamento e seleção, treinamento, avaliação de desempenho, pesquisa de clima e remuneração, além de uma gerente responsável por comunicação interna e responsabilidade socioambiental. Marisa explica que a comunicação é um dos pontos fortes do processo de gestão de pessoas no escritório. “A questão principal é a clareza nas regras, que estão todas dispostas em nossa intranet, além de discussões permanentes para programas como PPR, ações de voluntariado e incentivo à continuidade da formação de nossos profissionais”, completa.

Na prática
Um dos pontos que merece atenção dos profissionais de RH que migram para os escritórios de advocacia é a estrutura societária, que é completamente diferente da de uma empresa tradicional, pois representa uma oportunidade de crescimento por meio da compra de cotas da banca. A carreira de um advogado geralmente começa pelo programa de estágio, depois pela efetivação em nível júnior, passando pelos níveis pleno e sênior até chegar a sócio. No TozziniFreire, como conta Claudia, toda a gestão é feita por Ricardo Ariani, sócio-administrador da empresa. “Gerenciar esse grupo de pessoas é uma questão delicada; por isso, Ariani centraliza essa gestão, com suporte do RH.”

Para ela, o apoio do RH aos sócios é essencial, especialmente para os que são responsáveis por unidades em outras cidades. “São muitas as competências exigidas desses advogados – eles têm de vender, administrar o escritório e, ainda, gerar resultado”, destaca. Por isso, uma das atribuições da área de DHO é auxiliar na elaboração do plano de carreira para os sócios do escritório, mostrando as regras, direitos e deveres, competências e metas – enfim, contribuir para o crescimento da empresa.

No Mattos Filho, assuntos relacionados à sociedade são tratados por um sócio que cuida especificamente da gestão de pessoas. “Mas as políticas gerais são definidas pela diretoria de gente, alinhadas às decisões do comitê diretivo do escritório, que é formado por três sócios eleitos entre os 38 que compõem a sociedade”, explica Marisa Daumichen.

Políticas
Avaliação de desempenho, pesquisa de clima, ações de qualidade de vida e gestão do PPR por meio de comissões eleitas são algumas das políticas de RH implantadas no setor, além de programas de inclusão social. Aliás, esse é um dos destaques no TozziniFreire.

Criado em 2005, o programa Portas Abertas permite a inclusão de portadores de necessidades especiais ao ambiente de trabalho. Hoje, o escritório conta com 35 deficientes como colaboradores, a maioria na área administrativa, como auxiliares e recepcionistas. Na área técnica, a banca trabalha com advogados com deficiência auditiva e visual.

Claudia conta que o maior desafio é fazer com que as pessoas esqueçam a deficiência para que a inclusão seja completa. “É uma questão que precisa ser controlada, pois nem todos os gestores estão sensibilizados da mesma forma”, reconhece a diretora, que lembra de um de seus desafios: preparar os colaboradores para receber um advogado com deficiência visual que contava com a ajuda de um cão-guia. “A principal questão foi sensibilizar os demais para conviver com o cachorro, já que o advogado iria trabalhar numa baia como todos os demais. Hoje, estão todos acostumados a ver o cão deitado embaixo da mesa daquele profissional”, relata.

Para auxiliar os funcionários em casos como esse, a área criou um fórum interno na intranet e passou a receber os líderes que mantêm pessoas com algum tipo de deficiência física em suas equipes para esclarecer dúvidas.

No Mattos Filho, a responsabilidade social e a sustentabilidade norteiam algumas das práticas de gestão de pessoas. O escritório incentiva o voluntariado, reservando cerca de 3 mil horas para esse tipo de atividade, que inclui assessoria jurídica gratuita com a cessão de advogados para auxiliar entidades assistenciais. Ao mesmo tempo, são promovidas ações de conscientização para a redução das emissões de carbono e coleta seletiva de lixo.

 

Melhorar as competências

Essa é uma das apostas para vencer no mercado

Se nos bons momentos do mercado a guerra por talentos é evidente, em períodos turbulentos como o que o mundo vive, a batalha é ainda mais intensa. Como lembra David Lingerfelt, diretor da Mariaca na área de recrutamento de executivos, momentos como esse fazem com que as empresas joguem com os melhores atletas e ofereçam melhores condições para evitar a perda dessas pessoas. “Os escritórios de advocacia, por exemplo, começam a se estruturar como empresas para enfrentar concorrência, e a solução tem sido oferecer atrativos para ter em seus quadros os melhores profissionais”.

Entre outros benefícios, as bancas oferecem bolsas de estudo para cursos de aprimoramento técnico – nos níveis de especialização, mestrado e doutorado -, políticas de premiação e de participação nos resultados.

Segundo o consultor, o mercado para advogados vive um momento bom, com novas especializações – incluindo novas ramificações do direito internacional e direito ambiental -, contribuindo para que os escritórios invistam em profissionais qualificados e diferenciados. “É importante que os profissionais lembrem-se de que, independentemente do mercado, as empresas valorizam as habilidades comportamentais. Portanto, ética, senso de trabalho em equipe e simpatia contam muitos pontos”, diz.

 

Casa de ferreiro…

Seguir à risca a legislação trabalhista para evitar problemas

Uma particularidade dos escritórios de advocacia é o cuidado que têm para seguir a legislação trabalhista. Todos os funcionários, inclusive os advogados, são registrados sob o regime da CLT. Assim, tanto o TozziniFreire quanto o Mattos Filho nunca sofreram ações trabalhistas de ex-colaboradores. “É importante garantir que todos os advogados e colaboradores da área administrativa tenham em mãos as informações de que precisam, além de mantermos tudo documentado”, frisa Marisa, do Mattos Filho.

Segundo Claudia, do TozziniFreire, os poucos casos que chegaram ao DHO foram relativos a reclamações por horas extras não pagas e problemas por esforço repetitivo. “Normalmente, a questão é resolvida mais na base do entendimento do que no Judiciário”, completa.

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