Anorexia corporativa

de Eliana Frade em 16 de maio de 2012
Robin Heighway-Bury / Getty Images

Nesse quadro inédito que vivemos, com os países desenvolvidos em crise e o Brasil crescendo, nossos executivos certamente estão calculando o quanto devem investir e onde podem cortar custos para aumentar seus ganhos. Essa tarefa nada fácil está nas mãos de pessoas que têm a missão de entregar os melhores resultados no curto prazo e de pavimentar a perpetuação do negócio. O desafio é promover o equilíbrio entre as partes desse conjunto complexo e conectado, formado pelo mercado, organizações, pessoas e comunidades. Como fazer essa lição de casa?

Não é novidade que ainda existe uma grande distância entre discurso e prática em boa parte das organizações brasileiras. Declarar que “as pessoas são o nosso maior patrimônio” virou um mantra tão batido quanto outro do passado que dizia “somos todos uma família”. Quando a reengenharia chegou, na década de 1990, reduzindo os quadros em nome de mais eficiência, os funcionários perceberam a diferença: ninguém expulsa um filho de casa para ter mais dinheiro ou se adequar a um orçamento menor. E o que mudou nesses 20 anos?

Fazer por merecer
O vínculo entre as pessoas e as empresas certamente evoluiu para um patamar de troca profissional, e menos paternal. Mas as organizações necessitam, mais do que nunca, reter os seus talentos. Afinal, estamos na era do conhecimento, em que cada indivíduo vale o que sabe, e não mais o volume que produz. E, especialmente nos mercados em expansão e com novos projetos, contar com pessoas competentes é o grande desafio. As empresas evoluíram e, hoje, têm investido no desenvolvimento das capacitações e em diferenciados pacotes de remuneração e bem-estar. Essas e outras práticas, quando articuladas de forma coerente, atestam que os investimentos compensam. Além disso, partimos do princípio de que os funcionários mantidos pela empresa recebem esse tratamento porque fazem por merecer. Então, por que, ao menor sinal de crise ou diante de uma “oportunidade” de melhorar seu desempenho financeiro, tantas organizações ainda cortam pessoas com o mesmo critério com que cortam coisas?

Isso acontece mesmo em empresas saudáveis financeiramente, onde gestores enxergam gorduras mesmo onde elas não existem mais. E se justificam com uma crença, que pode até ser sincera, de que estão viabilizando o futuro da companhia. Mas estão mesmo? Quando executivos determinam um corte linear de 10% nos custos da empresa, seja para aumentar a lucratividade desta ou simplesmente para mostrar números que garantam prestígio e vantagens, onde fica o valor das pessoas, da inteligência organizacional, da cultura?

Organizações com executivos competentes, diretrizes claras, azeitadas em termos de processos e estrutura, dificilmente ficam acima do peso ou com muita gordura para cortar. Mas, mesmo assim, algumas delas se sentem “gordas”. Essa crise de autoimagem distorcida segue a mesma lógica da anorexia. E, infelizmente, pode ter também o mesmo destino. O corpo continua emagrecendo até perder a musculatura, que o sustenta, e a vitalidade. Se esse processo não é revertido, pode ser tarde demais para reagir, e o desfecho é a morte.

Mesmo aqueles que correm o risco calculado de trabalhar muito “enxutos” em períodos de menor demanda podem não ter a agilidade suficiente para reagir quando o mercado se aquece. Porque a formação de bons profissionais leva tempo. E para os que ficam na empresa depois desses cortes, o impacto é drástico. Pior que a desmotivação é o engajamento simulado. É muito simples parecer empenhado, mas sem confiar na organização, apenas esperando a primeira chance de sair dali.

Quando chega a esse estágio, a empresa põe a perder todos os seus investimentos em pessoas. Experimente consultar um termômetro que dá os primeiros sinais da insatisfação e da falta de engajamento dos colaboradores: o departamento médico. As pessoas adoecem (e outras simulam estar doentes) quando a organização passa por crises de credibilidade. O ambiente organizacional e as relações se deterioram. Em vez de colaborar, as pessoas se preocupam em disputar, ficam inseguras, não sentem mais prazer e descuidam das relações com os colegas, clientes, fornecedores. Isso é altamente prejudicial para toda a cadeia produtiva e tem um custo incalculável.

Ouvir equipes
Uma forma de evitar comportamentos anoréxicos é “desembaçar as lentes” dos executivos. Eles devem olhar de maneira clara, ampla e honesta não só para o curto prazo e sempre considerando o conjunto (empresa, mercado, pessoas e comunidade) e suas relações de interdependência. Se realmente precisam reduzir ainda mais os custos, é importante que também ouçam mais as equipes, envolvendo-as na busca de soluções.  Geralmente nos surpreendemos com as boas ideias, com a disposição e engajamento da base. Afinal, são essas pessoas que vão gerar não apenas um ambiente saudável, mas principalmente o que chamamos de resultados empresariais.  Estes vão muito além dos resultados financeiros, porque levam em conta todos os aspectos de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.


Eliana Frade
é  consultora da Betania Tanure Associados

 

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail