Gestão

Aposta nas pequenas

de Caroline de Freitas em 25 de janeiro de 2014

Desde que começou a despontar no Brasil, em meados dos anos 2000, o mercado de startups cresceu e se profissionalizou. Já está na mira de muitos empresários interessados em investir em novos negócios e de profissionais que, muitas vezes, estão insatisfeitos com os valores ou com o modo como o trabalho é conduzido nas grandes empresas. Uma soma interessante, já que há dois desafios para o empreendedor. O primeiro é conseguir dinheiro para investir. O segundo é conseguir gente. Mas como atrair pessoas quando o recrutamento começa, muitas vezes, antes mesmo de a empresa ter um nome e uma sede? Segundo Luana Bichuetti, consultora do escritório da Booz & Company, em Nova York (EUA), atrair pessoas na etapa inicial é mais uma arte do que um processo. Ela entrevistou dezenas de empresas desse tipo em 2012 e constatou que sem o pessoal certo, é impossível materializar as ideias e ter sucesso. O principal ingrediente é a atração e composição das equipes, com gente competente, engajada,  motivada e de espírito empreendedor. Esse cenário abre mais uma oportunidade para os profissionais de RH, que começam a ser demandados por essas empresas para consolidar e criar formas de atração e retenção de talentos. “Os empreendedores começam a se preocupar em adotar estruturas de pessoas condizentes para a consolidação do negócio”, diz. Na entrevista a seguir, Luana fala dos desafios e vantagens de o profissional de RH apostar a carreira nessas empresas.

Quais os desafios dos profissionais de RH em atuar nas startups? Os maiores desafios são flexibilidade, visão e agilidade. Grandes empresas tendem a ter um ambiente mais estruturado com processos definidos – o que não é o caso das startups. É importante que o profissional reconheça os desafios e o ambiente e esteja disposto a se adaptar. Ao mesmo tempo, é importante ter agilidade tanto para auxiliar em mudanças, uma realidade constante nessas empresas, quanto para identificar questões que devam ser debatidas com os fundadores, como entender que a empresa está em um novo momento e por isso pode precisar de um novo tipo de talento e novos projetos.

Vale a pena trocar uma carreira bem-sucedida em uma grande empresa pela experiência em uma startup?
Essa é uma análise muito pessoal. A resposta depende muito do perfil da pessoa e do que ela está buscando profissional e pessoalmente. Startups são empresas com sucesso ainda incerto – do mesmo modo que podem crescer, também podem fechar em poucos meses ou serem adquiridas por outras empresas. Portanto, o posto de trabalho pode ser menos estável do que numa grande empresa. Por outro lado, apresentam ambiente muito dinâmico e desafiador, com grandes oportunidades de crescimento profissional e pessoal, e potencial para altos retornos financeiros, em casos de sucesso. 

Mas quais são as vantagens?
As principais vantagens estão ligadas à habilidade de exercer criatividade e gerar impacto da formação da empresa, ajudando os fundadores a estruturar aspectos de gestão do negócio e de pessoas de forma holística. Se o profissional está cansado de operar processos estabelecidos por outras pessoas, a startup oferece a oportunidade de criar uma nova visão com base na sua experiência e interesse, lado a lado com o fundador. Outro ponto atrativo é a possibilidade de moldar a estratégia e não apenas os processos. Tendo em vista a natureza dinâmica da empresa, o empreendedor precisa de apoio constante para identificar as necessidades e desafios, equacioná-los e solucioná-los. Mais do que simplesmente usar o RH para atrair e contratar pessoas, o empreendedor precisa que a área o ajude a identificar de que tipo de talento e conhecimento ele necessita para que sua estratégia seja bem sucedida. Além disso, dependendo do nível e estrutura de remuneração, um profissional que tenha ações da empresa pode ter retorno atrativo no futuro em caso de sucesso. 

Definir as necessidades dos profissionais, atraí-los, selecioná-los, remunerá-los e mantê-los nas startups são desafios que vão muito além da criatividade. O que o profissional de RH deve fazer nesse contexto?
É importante que o profissional de RH reavalie a realidade da empresa de maneira periódica para identificar se elementos que atraíram os colaboradores no momento da contratação continuam sendo diferenciais oferecidos, como cultura da empresa, a natureza do trabalho e a clareza de oportunidades. Isso quer dizer que é importante que a proposta de valor seja mantida mesmo a empresa passando por diferentes estágios de evolução. O profissional de RH deve alinhar esses valores com os fundadores e ajudá-los a adaptar a empresa quando necessário, para manter essa visão. Diálogo periódico com os fundadores e os colaboradores é essencial. Criatividade é, sim, fator importante, mas também é necessário flexibilidade, disciplina, comunicação e liderança. É mais uma arte do que um processo.

Em sua pesquisa, foi identificado que essas empresas precisam de pessoas com conhecimentos e maturidade diversos e que estejam dispostos a aprender um jeito diferente de trabalhar. Qual seria esse jeito? 
O dia a dia de uma startup exige um jeito mais flexível e menos rigoroso ou processual de trabalhar. Muitas vezes, o funcionário precisa absorver tarefas e responsabilidades além daquelas específicas de sua função, e precisa executá-las em um ambiente incerto com processos ainda não definidos (muitas vezes trabalhando até altas horas e em fins de semana). Além disso, diversos fatos inesperados podem se apresentar durante o processo, como estagnação do crescimento, publicações negativas na mídia, problemas com fornecedores ou desenvolvedores de tecnologia. Esses fatores também são comuns em grandes empresas, a diferença é que muitas startups não estão preparadas para lidar com tais obstáculos, pois tendem a acreditar na perfeita execução do sonho. Recursos são escassos no início e, muitas vezes, o escritório da empresa nos primeiros meses é um quarto de hotel ou uma sala alugada. Por isso, é importante que os colaboradores adotem uma postura otimista, proativa e adaptável de trabalhar. É importante apreciar esses aspectos e ter vontade de formar uma cultura de sucesso desde o início. Ter a possibilidade de estar junto aos fundadores, na mesma sala, e fazer parte de um projeto que no futuro pode ser sucesso, proporciona um aprendizado e uma oportunidade como poucas no mercado. 

Você identificou seis fatores em comum na gestão de pessoas dessas empresas, que podem ditar o sucesso ou o fracasso do empreendimento. Quais seriam?
Imersão total dos fundadores:
 os fundadores desde o início devem se envolver, entrevistando pessoalmente todos os candidatos nos primeiros meses, orientando equipes, trabalhando lado a lado, e implantando sementes da cultura organizacional que querem fazer prevalecer na empresa. 
Equipes ecléticas e muito dedicadas: as equipes devem ser adaptáveis para atuar em diferentes funções ou auxiliar colegas de outras áreas, além de dedicadas aos fundadores e à empresa. Muitas vezes, por exemplo, devem estar dispostas a trabalhar até tarde e em fins de semana. 
Estruturação gradual: essas empresas devem, gradualmente, adaptar sua estrutura para melhor acomodar os diferentes estágios de evolução. No início, manter a estrutura informal ajuda na adaptação e na formação de cultura. Com o crescimento, processos e estruturação de uma área de RH, assim como das demais áreas, tornam-se necessários para gerenciar o crescimento. 
Motivação pelo sonho: um dos principais atrativos de uma startup é a proposta de valor na qual o colaborador é parte integral da formação de uma nova empresa. Portanto, fundadores devem articular esse sonho de modo constante, e sempre mantê-lo vivo entre os funcionários. 
Remuneração por desafio: uma combinação de remuneração fixa com componentes variáveis – dando oportunidade para altos retornos no caso do sucesso da empresa – deve ser estruturada para motivar os colaboradores a trabalhar juntos e superar desafios. 
Agilidade: os fundadores e colaboradores devem não apenas ser flexíveis para entender novas realidades, como também ágeis para adaptar-se a elas. 

É preciso perfil para atuar nessas empresas? Em sua opinião, há profissionais de RH que não se adaptam ao modelo de negócios das startups? 
Sim. Falamos sobre a natureza dinâmica dessas empresas e da necessidade de o indivíduo ser flexível, adaptável, dedicado, proativo, aberto e otimista. O profissional de RH, assim como os demais líderes de área da empresa, deve ter um alto espírito empreendedor. Profissionais que atuam melhor em ambientes estruturados, com alta hierarquia e processos definidos provavelmente não estarão preparados para se adaptar e ter sucesso nesse ambiente.

 

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