Gestão

Aprender com o vinho

de Claudio Felisoni de Angelo em 22 de junho de 2012
Susan Fan-Brown / Getty Images

O vinho é uma bebida que acompanha a existência humana desde há muito. Sua história está inequivocamente ligada à saga das civilizações, libertando os instintos para os prazeres temporais e, ao mesmo tempo, em outras situações, estimulando o espírito para o sagrado. O vinho é, portanto, uma bebida complexa, repleta de nuances e detalhes.  É exatamente essa pluralidade de condições que torna o vinho tão desafiador ao paladar. A adstringência, acidez, doçura, coloração e equilíbrio do vinho só podem ser adequadamente percebidos por quem tem os sentidos preparados para tanto. A percepção de tais características e suas diferenças não é, entretanto, trivial, ou ainda resultante de um processo natural que propicia meramente uma decorrência. Exige esforço, requer que se envide empenho para que se possa captar a mensagem vinda das cores e da fragrância contida em cada copo. Somente olhar atento, olfato aguçado e paladar treinado podem distinguir os elementos essenciais, separando-os e classificando-os como faz alguém ao juntar notas musicais em um único  traço melódico.

Coloca-se essa imagem com o propósito de estabelecer uma breve discussão sobre o papel dos seres humanos no processo de produção organizacional. Claramente vê-se uma mudança nítida nesse movimento ao longo dos anos, isto é, passou-se de uma visão eminentemente compartimentada e processual, embalada pelas ideias de uma suposta administração científica, para assumir crescentemente a valorização da capacidade que o intelecto humano pode produzir. O tempo e os recursos científicos que dignificaram o vinho, retirando as características mais rudes da bebida, também paulatinamente foram aprimorando a consciência e as habilidades do homem para o trabalho. Em 1991, Gary Stanley Becker, economista da Universidade de Chicago, ganha o Prêmio Nobel de Economia. A premiação foi devida aos trabalhos realizados por ele em áreas anteriormente antes privativas aos sociólogos: crime, organização familiar etc. É Becker que primeiro se vale do termo capital humano, como a expressão do conjunto de experiências, conhecimentos, competências e habilidades capazes de gerar valor econômico.

Conhecimento
Na verdade, o ato de conhecer sempre se constituiu em algo valioso. Os custos de informação separam os que têm acesso ao conhecimento daqueles que não têm. Ao longo dos anos, entretanto, os custos de informação vêm declinando significativamente. Embora persistam diferenças grandes, não há como negar que nos dias de hoje obtêm-se dados e elementos em geral com muito mais facilidade e profusão que algumas décadas atrás. A mudança, portanto, característica fundamental desse fluxo de informação, é que o processo se tornou claramente mais disseminado. Um exemplo emblemático pode ser observado na área da tecnologia de informação. Até final da década de 70, imperavam os computadores de grande porte. Ao lado de tais equipamentos havia uma elite de técnicos que dominava a alimentação e providenciava as devolutivas. Os microcomputadores espalharam-se pelas mesas, a partir de meados dos anos 80, ampliando enormemente as possibilidades de interação.

Ou seja, o trabalho criativo antes da responsabilidade de um grupo reduzido passa a ser assumido por muitos espalhados diante dos monitores das máquinas cada vez menores e paradoxalmente mais potentes. Aquilo que requeria espera de dias ou horas e seria entregue pelo grupo especializado e talvez distante, agora, em uma fração de segundos é providenciado com um simples toque do dedo, ou até mesmo um simples comando de voz. A atividade maçante desaparece substituída pela velocidade de processamento da máquina. O tempo, portanto, outrora ocupado com a repetição, dá lugar para os voos cada vez mais ousados da mente humana.

A importância da capacidade de pensar pode ser ilustrada pela história. A Alemanha foi destruída por dois conflitos, a primeira e a segunda guerras mundiais. O Japão igualmente foi arrasado pelos efeitos de duas bombas nucleares. Tanto Alemanha como Japão emergiram já no século 20 como duas grandes potências econômicas, uma na Europa e outra na Ásia. Certamente, as bombas que arrasaram esses dois países destruíram prédios, instalações, equipamentos, enfim os ativos físicos, mas felizmente não atingiram o que permaneceu subjacente, ou seja, o capital humano. Este permaneceu preservado no caldo cultural que fez reflorescer o pensamento inovador e criativo dessas duas civilizações.

As possibilidades de diferenciar-se estão cada vez mais dependentes da combinação de indivíduos que constituem uma determinada organização. Pessoas com talentos distintos, interagindo, criando, em contínuo movimento de aprendizado produtivo, são em essência o verdadeiro ativo organizacional. É esse o capital humano, ativo intangível resultante da oxigenação do pensamento analítico.

Robôs
Nesse cenário, as pessoas não devem ser treinadas como se fossem robôs comandados por impulsos advindos do meio. Situações como essa caracterizam o chamado comportamento operante de Skinner. Longe disso, hoje os estímulos devem exatamente provocar aquilo que não se repete. Tudo que pode ser programado, padronizado, estabelecido pode ser providenciado com muito mais eficiência, eficácia pela própria máquina. A empresa precisa estar atenta à essência de seu valor, ou seja, o capital humano que ela própria aglutina e consolida. Por exemplo, na área do varejo, onde a competição é muito acirrada, a dependência dessa política constituiu-se ao mesmo tempo em elemento de sucesso ou de retumbante fracasso. Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar) mostra que as empresas varejistas perdem nada menos que 1,75% do faturamento anual, ou seja, aproximadamente 17,5 bilhões de reais. Desse total, aproximadamente 7 bilhões de reais correspondem a furtos e roubos realizados por clientes, os outros 7 bilhões de reais decorrem de prejuízos produzidos por desvios promovidos por funcionários isoladamente ou em conluio com fornecedores.

Em síntese, só se percebem as características diferenciadoras do vinho degustando-o atentamente. A qualidade do paladar também vai sendo aprimorada à medida que se aprende. Padrões mais elevados de exigência só são requeridos quando outros inferiores são ultrapassados. Deixando de lado os vinhos de qualidade inferior, pode-se dizer que há vinhos bons para paladares apurados assim como há vinhos bons para células gustativas despreparadas. Novos tempos requerem novos padrões de pensar e agir. Empresas criativas precisam ser como copos apropriados para acomodar o vinho. Só em ambientes próprios o vinho pode revelar de fato toda sua personalidade. Se assim for seu valor, mais cedo ou mais tarde será reconhecido no mercado.

 
Claudio Felisoni de Angelo é presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar)

 

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