Aprender fora de casa

de Patrícia Teixeira em 15 de setembro de 2014
Miguel Devoto
Devoto, da Danone: intercâmbio de boas práticas / Crédito: Divulgação

Em dezembro de 2013, o argentino Miguel Devoto recebeu um novo desafio para o novo ano: morar no Brasil e assumir a presidência da divisão de Nutrição Especializada da Danone, posição que já ocupava na Argentina. Desembarcou por aqui em janeiro de 2014, e com ele, além da experiência e a gana de conquistar mais mercado, vieram quatro filhos e a esposa. Demorou em torno de um mês até encontrar o bairro seguro, arborizado e com clima familiar para deixá-los, como também a escola certa para a melhor adaptação das crianças.

Ao contrário de muitos executivos que estão querendo deixar o país, por motivos econômicos, políticos e sociais, Devoto possui um lado mais verde e amarelo que muitos brasileiros. Consegue ver esperança no Brasil, o crescimento da economia, da indústria, do consumo a partir de comparações do nosso país com outros em viagens que fez pela Europa e EUA. “Vejo, aqui, um país a pleno vapor e com amplo espaço para desenvolvimento. Além disso, há um povo caloroso, alegre e divertido. Aqui, as pessoas estão sempre dispostas a me ajudar e brincam comigo quando o assunto é futebol – o que deixa o clima mais amigável.” O executivo não tem data para ir embora, está aprendendo português com um professor particular e já ousa usar gírias brasileiras (como “legal” e “caramba”) para deixar sua equipe mais próxima.

Para deixá-lo mais próximo da realidade argentina, Devoto, que é torcedor do Boca Juniors, tinha outra missão: procurar um time de futebol com o qual se identificasse. No primeiro jogo na Arena Corinthians (em maio), na zona leste da capital paulista, não poupou esforços em ir de metrô conferir o jogo e se encantou com a torcida. Em quatro meses de Brasil, já era um convicto corintiano. E também já descobriu outros prazeres, como caipirinha e brigadeiro. Outro cuidado de Devoto ao vir morar no Brasil foi estudar a cultura local. Apesar da proximidade geográfica com os “hermanos”, Brasil e Argentina têm suas peculiaridades que precisam ser estudadas e analisadas, pois cada um possui seus próprios hábitos, comportamentos e crenças tanto no ambiente de trabalho com os colegas quanto em relação ao consumidor.

Devoto faz parte do programa de intercâmbio de executivos do Grupo Danone. Com muito critério, a empresa faz uma troca de executivos para ensinar à unidade local novas formas de gestão e, ao mesmo tempo, permite que o executivo enfrente novos desafios e se desenvolva. Enquanto Devoto desembarcava por aqui, o ex-diretor de marketing, Edson Higo, chegava para assumir a presidência de Nutrição Especializada na Argentina.

Nacionalidades
Faz parte da política da Danone estimular o intercâmbio de conhecimento entre os profissionais de diferentes nacionalidades. “As duas maiores vantagens são o aceleramento do desenvolvimento de executivos expostos a mercados diferentes e o intercâmbio de boas práticas entre as organizações envolvidas. O desenvolvimento dos executivos a partir da exposição a novos mercados é inigualável. O Brasil, por sua vez, é considerado um mercado bastante complexo, de grande aprendizado e de alta contribuição para os resultados do grupo”, conta Devoto.

O processo da troca de executivos na Danone é avaliado criteriosamente, chegando a levar meses ou um ano, pois depende do histórico do profissional, interesses pessoais e momento da companhia e do mercado. Os talentos precisam estar prontos em termos de evolução profissional e maturidade para encararem a complexidade do mercado em que atuam. Além disso, é feita uma análise de cenário para justificar o investimento de que o profissional escolhido fará a diferença na oportunidade. Esse mapeamento é realizado com o auxílio de times de mobilidade internacional do grupo e com os departamentos de recursos humanos de destino e de origem.

Nos departamentos de gestão de pessoas da Danone, o Brasil é um dos países mais procurados, junto com China, Rússia, Turquia e Índia. “O Brasil possui resultados de grande representatividade para as empresas e está cada vez mais estruturado para acolher executivos de toda parte do mundo e suas famílias. São Paulo, por exemplo, é uma cidade muito internacional”, afirma Devoto.

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Luciana Camargo/ Crédito: Divulgação
Luciana, da IBM: Cobrir gaps de habilidades e liderança / Crédito: Divulgação

O processo
A IBM possui um programa de mobilidade internacional estruturado, com uma equipe dedicada para cuidar da imigração, impostos e toda a entrega de um plano de mobilidade, que integram processos e garantem apoio ao funcionário durante sua designação. Hoje, segundo a diretora de RH, Luciana Camargo, há mais de cinco mil funcionários participando de algum tipo de plano de mobilidade internacional, sendo ele curto, longo ou mesmo uma relocalização em caráter permanente. Na IBM Brasil, são mais de 50 profissionais (metade deles é constituída de executivos e gerentes seniores) que vieram de outras unidades distribuídas pelo mundo.

“A vinda de outros executivos é vista como uma prática saudável de promovermos a diversidade cultural, compartilhar e aprender com experiências, cobrir gaps de habilidades e liderança, bem como trazer visões e perspectivas diferentes. Essa prática também é considerada quando queremos promover o desenvolvimento de executivos”, explica Luciana.

Na IBM, o processo tem início com planejamento e estratégia de curto, médio e longo prazo; define-se a necessidade do negócio: desenvolvimento de líderes ou mesmo quando há necessidade de desenvolvimento do país que irá receber o expatriado.

“Muitos casos de mobilidade internacional dentro da IBM são feitos por necessidade de atender a um projeto de cliente externo específico, onde não há skills disponíveis localmente. Para a empresa, há inúmeras vantagens, dentre elas promover desenvolvimento de liderança, integração cultural, diversidade de ideias e promoção da inovação e desenvolvimento de conhecimento”, aponta a diretora da IBM.

A marca Bic Brasil, conhecida por suas canetas, também possui um programa de expatriação para desenvolvimento de talentos. O diretor de RH Henrique Gonzalez conta que a empresa identifica as posições globais nas quais o executivo pode desenvolver suas capacidades. A oportunidade é aberta para todos: é feita uma divulgação interna de oportunidades globais, os profissionais se candidatam à posição e passam pelo processo seletivo. “Para a Bic, que está em muitos países, a vantagem é que esse processo permite desenvolver executivos de países menores em ambientes mais complexos e maiores para desenvolver suas capacidades e permitir crescimento de carreira em níveis que não existem no país de origem. Permite, também, uma maior integração entre as equipes de diferentes países” , diz.

Plano individual de desenvolvimento
Na Holcim, fabricante de cimento, concreto e agregados, o intercâmbio de conhecimento entre diferentes escritórios pelo mundo também faz parte da cultura. O gerente de desenvolvimento humano e organizacional da Holcim Brasil, Thiago Sampaio, conta que o processo de expatriação se inicia no Plano Individual de Desenvolvimento (IDP), quando o funcionário mostra interesse em ter uma experiência internacional. “Todo ano é discutido um plano de sucessão, no qual esse interesse é registrado e o plano é levado para a diretoria de recursos humanos regional. A diretoria fica com esses registros e se surgir a oportunidade em outro país, o funcionário é comunicado. Não há uma regra de cargos, porém, como a expatriação custa caro, a empresa dá preferência para cargos mais estratégicos, como gerência, diretoria e presidência. Para os demais cargos, o funcionário pode se candidatar, mas ele vai com um contrato local e arca com os custos no outro país”, explica. O contrato de expatriação geralmente é de três anos, mas pode ser renovado.

Outra oportunidade na Holcim é o short term assigment, programa de curta duração, geralmente até seis meses, conforme a vaga aberta e a necessidade da organização. Apesar da burocracia brasileira e do alto custo, o Brasil é um dos países de interesse. No momento, há aproximadamente 11 expatriados no país, enquanto que sete executivos estão no exterior.

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A exemplo da Holcim, o Grupo L’Oréal também possui em sua cultura oferecer oportunidade de intercâmbio corporativo para diferentes níveis da organização. Hoje, são 13 profissionais no Brasil, 19 brasileiros fora. O Brasil está entre os cinco países mais procurados para executivos no mundo, entre os colaboradores da companhia. Para a L’Oréal, o país tem cada vez mais importância, já que representa o 6º lugar no ranking dentro do grupo. 

A mobilidade internacional no grupo é promovida a partir da combinação de dois interesses: o da organização, que quer promover o desenvolvimento das pessoas e transferir continuamente conhecimentos-chave, melhores práticas e tecnologias; e do indivíduo, que deseja ter uma experiência concreta de vivenciar outro ambiente de negócios, sendo desafiado e desafiando a organização a partir desse olhar sobre o novo.

Critérios para expatriação
Segundo a diretora de recrutamento e seleção da L’Oréal Brasil, Juliana Bonomo, os critérios para expatriação levam em consideração a avaliação de competências e a performance sustentada dos colaboradores que têm esse interesse em particular. “Anualmente, construímos e priorizamos uma lista de colaboradores que têm interesse em mobilidade internacional e de posições em que seria relevante termos um expatriado. Essa lista é compartilhada com outras regiões do grupo, que promove possíveis combinações”, explica. 

Com 27 colaboradores no programa de mobilidade internacional, a Kimberly-Clark Brasil mantém programas divididos em três fases: curto e longo prazos e permanente. Segundo a gerente de talent management Flávia Caroni, programas como esses fortalecem a diversidade e o desenvolvimento da liderança da empresa e a sustentabilidade do negócio. “Além disso, conseguimos manter um alto índice de engajamento entre os participantes dos programas e demais funcionários. Tem se tornado uma alternativa interessante de oportunidade de crescimento pessoal e profissional”, completa.

Destino: Brasil
De acordo com o último dado divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o número de documentação para estrangeiros aumentou 53% em 2013, gerando 41,4 mil carteiras de trabalho. Tais números demonstram claramente o interesse de trabalhar por aqui. Segundo a professora da disciplina de gestão de pessoas da Escola de Negócios Saint Paul, Lísia Prado, o Brasil, hoje, é uma oportunidade de mercado. Por conta da crise europeia, há uma escassez de trabalho por lá e os europeus têm aceitado trabalhar em outros países. Sem muitas opções, acabam optando pela mudança de país por salários e condições inferiores aos de que dispunham em tempos passados. Uma pesquisa, chamada Talent Mobility 2020, feita pela PwC, indica que até 2020 o número de expatriados vai crescer 20% e a cidade de São Paulo é uma das mais procuradas como destino. As organizações chamam de programa de expatriação quando um executivo é transferido de uma unidade para outra de um determinado país com o objetivo de contribuir com o crescimento da organização naquela região. Dos mais interessados pelo Brasil, 45% vêm da Europa, 32% da América do Sul e 7% entre América do Norte e Ásia, segundo estudos feitos pela Vagas Tecnologia. Em contrapartida, os brasileiros buscam mais EUA e Europa.

 

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