As próximas aulas

de em 17 de dezembro de 2010
Coletto, da Business School: ninguém quer mais conteúdo requentado, as empresas buscam novidades para levar os executivos a outro nível

Já não há mais dúvidas sobre a importância de investir na capacitação dos colaboradores para o sucesso das empresas – sejam elas de pequeno ou grande porte. A prática já se disseminou e faz parte da gestão da maioria das companhias. E a gama de opções é vasta: programas de capacitação interna (presencial ou a distância), parcerias com instituições de ensino para a criação de cursos específicos, palestras educativas, ações de treinamento que usam a culinária como mote, entre outras opções. Isso sem falar nas empresas que possuem universidade corporativa própria que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), está presente em cerca de 400 companhias, o que corresponde a 1,5% das grandes empresas brasileiras. Mas o que esperar do próximo ano? Quais são as perspectivas da educação corporativa? De acordo com pesquisa realizada pela consultoria Deloitte com 130 empresas, 83% das companhias devem investir em formação técnica no nível operacional, devido à falta de profissionais especializados.

E esses dados podem ser confirmados com alguns especialistas do mercado. O líder da prática de gestão de talentos e remuneração no Brasil e na América Latina da consultoria Aon Hewitt, Willian Bull, prevê para o próximo ano um grande investimento na formação de mão de obra técnica, com foco na reciclagem de profissionais de nível superior. “O RH deverá ser mais cuidadoso tanto na formação específica de cada área quanto nos temas relacionados a negócios. Aqui se encaixam aspectos vinculados às transformações corporativas, envolvendo fusões e aquisições, especialmente no tema da gestão cultural”, afirma Bull.

Ele explica que para atender às necessidades do mundo atual, as apostas das empresas continuarão em cursos como os de liderança, carreira e respeito à diversidade. “Os programas de desenvolvimento de líderes preferidos são aqueles que permitem uma aprendizagem ativa e vinculada à estratégia empresarial para os executivos seniores”, complementa Bull, ressaltando que cursos in company costumam trazer boa relação custo/beneficio para empresas com um grande número de profissionais. “Necessidades pontuais são quase sempre tratadas com especializações e os cursos de qualificação técnica têm sido utilizados em um misto de formação interna e externa, por meio de escolas especializadas”, especifica.

Mas o consultor reforça que o investimento em educação corporativa é uma necessidade permanente não só para profissionais da base, como também para todos os níveis da organização. Isso porque, devido ao apagão de talentos, o investimento em qualificação técnica e em desenvolvimento de lideranças é estratégico. “Essas ações desempenham um papel importante na motivação, pois asseguram ao profissional a melhora de suas condições de trabalho e autoestima, ampliando seus horizontes profissionais”, explica Bull.

De acordo com a demanda
A diretora adjunta do FGV in company, Goret Pereira Paulo, acredita que a maior demanda continuará sendo por programas que ofereçam aos participantes uma visão abrangente da organização, como cursos em gestão de negócios. Corroborando a opinião de Bull, ela ressalta que têm crescido os investimentos em cursos customizados na área de gestão de pessoas, com destaque para liderança. “Hoje, as organizações querem que seus colaboradores desenvolvam novos conceitos que possam ser aplicados imediatamente ao seu dia a dia. Isso explica a grande procura por programas desenvolvidos de acordo com a estratégia das empresas, aumentando, assim, a produtividade e a competitividade”, destaca Goret, que está otimista em relação ao crescimento da área de educação corporativa no país em 2011. “A necessidade de ganhos de produtividade e competitividade das empresas é crescente, o que significa demanda constante por qualificação profissional”, finaliza.

O diretor acadêmico da Business School São Paulo (BSP), Armando Dal Coletto, concorda com Goret sobre a tendência de as empresas buscarem treinamentos com foco em gestão de pessoas e negócios, mas ele chama a atenção para outras disciplinas. Segundo ele, ainda é grande a demanda por uma formação mais abrangente e completa em negócios, típica dos MBAs, mas o desenvolvimento de talentos exige mais competências, sendo preciso preparar os executivos sobre assuntos relativos à gestão sustentável de negócios; inovação e criatividade; e autoconhecimento. Isso porque, explica o diretor, quando se especializa em uma determinada área, perde-se a visão do todo, o que não é bom para executivos nesse nível. “Eles precisam de uma visão múltipla, maior capacidade de análise, além de desenvolver pensamento crítico e saber usar as ferramentas adequadas”, explica. É o momento de olhar com mais atenção para temas como empreendedorismo, inovação, sustentabilidade, comunicação, criatividade, e também saber explorar toda a tecnologia disponível (como as redes sociais). “Isso assusta as pessoas, mas são competências essenciais para o desenvolvimento de talentos”, ressalta.

De acordo com o diretor, instituições que estão olhando para o mercado e conversando com as empresas percebem seu papel no desenvolvimento profissional. “Ninguém quer mais conteúdo requentado, as empresas buscam novidades para levar os executivos a outro nível. E para isso, vai faltar escola e professor”, avalia.

Por outro lado, ele ressalta que os best sellers ainda são cursos voltados para negociação, que normalmente visam repor alguma deficiência das empresas, mas os temas voltados para liderança também são bastante procurados. “Programas que explorem a capacidade de gerir e motivar pessoas, e os voltados ao desenvolvimento de carreiras e de competências não técnicas, como resiliência e liderança – os chamados soft skills -, são muito bem-vindos às empresas e têm apresentado ótimos resultados”, afirma.

Duas demandas

Bull, da Aon Hewitt: o RH deve ter cuidado na
formação específica de cada área e nos temas relacionados a negócios

Avaliando 2010 e as perspectivas para o próximo ano, percebem-se dois perfis diferentes de demanda. Em um deles, estão empresas que já realizam programas contínuos para desenvolvimento executivo. De outro lado, estão aquelas que não pensavam nisso, porque eram menores ou não possuíam orçamento para investir em programas de estudo, mas que estão expandindo e começaram a se preocupar com o tema. Nos dois casos, as perspectivas para o futuro são muito positivas. “Com a melhora na economia, a abertura internacional do país e a ascensão das classes sociais, o cenário torna-se positivo, mas estimula a competição. Com isso, também aumentam as oportunidades de emprego e a busca por profissionais mais qualificados”, analisa Coletto. Assim, as empresas precisam de ações que fidelizem os profissionais, e cursos em uma instituição de renome acabam cumprindo este papel, além de preparar os profissionais para o mercado.

E enquanto nos últimos dois anos houve um aumento na procura por cursos in company, nos dias de hoje algumas empresas já estão revendo suas políticas e priorizando programas que tenham maior participação (inclusive financeira) do funcionário. Dessa forma, a tendência é que o subsídio das companhias continue, mas não fique nos 100% do valor do curso. “As empresas têm percebido que quando o funcionário investe em sua formação, seja com uma porcentagem do valor ou por completo, ele se preocupa mais, falta menos às aulas e valoriza mais o programa”, explica o diretor da BSP. Ele acredita que os RHs estão muito atentos a isso, e sabem a necessidade de desenvolver pessoas.

Por isso, os gestores estão buscando alternativas mais viáveis, como parcerias com instituições de ensino em que, muitas vezes, não há subsídio algum por parte da companhia, mas sim condições especiais para os alunos, por conta de um pacote de funcionários envolvidos. “O que não deixa de ser um benefício, embora indireto”, complementa.

E as universidades corporativas? Como prepará-las para os desafios de 2011? Segundo a coordenadora da Motorola University no Brasil, Helena Costa, trata-se de algo simples. “Deve-se agregar valor aos diversos assuntos abordados pela companhia”, resume.  Criada em 1986 nos EUA por Bill Smith, engenheiro que desejava treinar sua equipe, a Motorola University chegou ao Brasil em 1997 e, até hoje, utiliza o método criado por Smith para detectar defeitos nos processos de fabricação, conhecido como Six Sigma, aplicado em organizações em todo o mundo. Segundo Helena, ao implementar a universidade, os fundadores buscavam suprir as demandas por capacitação e conhecimento tecnológico que possibilitassem à empresa manter-se competitiva. “Com sua expansão, houve a criação de uma série de cursos em áreas como tecnologia e desenvolvimento de gerentes, além dos que disseminam a cultura da empresa, como ética e respeito às pessoas”, afirma a executiva, ressaltando que o papel da universidade no Brasil é introduzir nos colaboradores o respeito à cultura do país e difundir a filosofia da empresa.

Além dos programas mundiais, a instituição trabalha alinhada às estratégias dos negócios, de maneira a detectar soluções locais para os desafios do país, buscando capacitação e desenvolvimento da cultura de conhecimento contínuo. E os números mostram como a empresa leva a sério esse compromisso: só em 2009, a universidade treinou 1.131 funcionários, totalizando mais de 800 horas de treinamentos e 61 cursos ministrados. Para o próximo ano, Helena adianta que a Motorola University trará cursos alinhados à estratégia da empresa, mas que também sirvam ao desenvolvimento do país.

Aprendizagem contínua
Outra empresa que aposta no modelo de universidade corporativa é a Brasilprev Seguros e Previdência. Mas, segundo Carlos Alberto Madi, superintendente de governança e controles internos da instituição, a companhia utiliza esse conceito com uma roupagem customizada. “Em 2006, lançamos o Núcleo de Desenvolvimento, com o objetivo de criar e sustentar uma dinâmica de aprendizagem contínua na qual os colaboradores compartilham experiências e assumem desafios de autodesenvolvimento”, explica Madi.

As atividades do núcleo trabalham com todos os níveis da estrutura de cargos da organização, por meio de quatro eixos de aprendizagem: negócio, técnico, atitude e gestão e liderança. O primeiro é focado na apresentação de todos os produtos e seus diferenciais. Já o técnico desenvolve habilidades técnicas relacionadas à apresentação, comunicação, matemática financeira e pacote Office.

“No terceiro eixo, trabalham-se habilidades comportamentais, e, no último, o foco é a utilização de ferramentas de gestão de pessoas, contribuindo para o desenvolvimento dos gestores”, explica a coordenadora de clima organizacional e educação corporativa da Brasilprev, Daniela Risso.

De acordo com ela, o núcleo é um “guarda-chuva” de ações de aprendizagem com a intenção de promover a cultura da gestão do conhecimento. “Percebemos uma evolução na qualidade das avaliações de performance, principalmente em relação às competências corporativas. Os bons resultados também são reflexo da qualidade da atuação da equipe, considerada hoje de alta performance”, ressalta.

Anualmente, a companhia lança uma nova grade de programas, construída com base em informações obtidas na pesquisa de clima, reuniões de acompanhamento aos gestores, ciclo de desempenho, resultados das avaliações de performance e construção de Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). “Para 2011 temos o desafio de incrementar a grade de cursos a distância”, adianta. (Com reportagem de Cristina Morgato e Fabíola Tarapanoff)

Formar para atrair talentos
Como parte de sua estratégia global para multiplicar e reter talentos e diante da necessidade das empresas de TI em encontrar mão de obra qualificada, a Resource investirá cerca de 1,5 milhão de reais em capacitação nos próximos 12 meses com o Programa de Formação Resource. Dividida em três etapas, a ação será contínua e envolverá conteúdos técnicos relacionados às linguagens Java, Net e Cobol, além do treinamento comportamental, baseado em três pilares: comunicação, relacionamento interpessoal e atendimento ao cliente. “Estamos formando profissionais com capacidade para multiplicar o conhecimento e formar outros”, explica a gerente corporativa da Resource e idealizadora do programa, Fabiana Batistela. Segundo ela, a ação é focada em alunos do primeiro ao terceiro ano de cursos voltados para a área de TI em faculdades na região da empresa.

Dos 300 currículos recebidos inicialmente, foram selecionados 24 candidatos que já ingressaram no primeiro ciclo do programa, que terá duração de três meses, com quatro horas diárias de aula, além do horário normal da faculdade. Durante esse período, os 24 estudantes receberão uma ajuda de custo e, ao término do primeiro módulo, os aprovados ingressarão na próxima fase, que durará mais 90 dias. “Nesse tempo, ficarão dentro da Resource como aprendizes por seis horas diárias, com remuneração reajustada e supervisão de mentores. Depois, na terceira e última etapa, começarão a participar de alguns projetos, já com maior responsabilidade, até que possam alcançar a efetivação.” Ao final de cada nova turma, todos os que permanecerem serão efetivados com o cargo de programador júnior, como explica Gilmar Batistela, presidente da Resource. “Não queremos profissionais do tipo ´plug and play´, que não permanecem muito tempo em lugar nenhum. A ideia é que fiquem na empresa, tenham um plano de carreira e se sintam valorizados”, conclui Batistela ressaltando que os investimentos continuarão no próximo ano.

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