Gestão

Ataque velado

de Ricardo Porto* em 7 de janeiro de 2010

O comentário pode parecer inócuo, as frases até podem gerar um leve sorriso nos lábios de quem presencia a cena. Mas o olhar de quem fala não esconde uma ponta de maldade. Assim é o deboche, uma arma capaz de minar o entusiasmo de um profissional, restringir o comprometimento e afetar uma equipe. Permitir que esse instrumento de ataque pessoal esteja presente na empresa é o mesmo que dar um tiro no pé da gestão.

Consulto o Aurélio e leio que deboche é o ato de zombar, escarnecer e desafiar com zombaria alguém. O autor do deboche é o debochador. Como não há uma palavra, pelo menos nesse dicionário, para definir quem sofre a ação desse indivíduo, vou usar o termo “debochado” com essa finalidade, ainda que, assim fazendo, possa suscitar alguma confusão porque quando se diz que “Aquele cara é um debochado” significa, normalmente, que ele debocha dos outros (e não o contrário).

Não há quem não tenha presenciado, ou mesmo vivido, uma situação de deboche na vida. O contexto pode mudar, assim como os participantes, mas seja lá qual for o cenário, haverá sempre pontos coincidentes em todas as situações. Então, vamos a eles.

Ataque disfarçado
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o deboche é um comportamento passivo-agressivo, já que se disfarça atrás de um tom jocoso, de uma gozação inocente. Mas que ninguém se iluda: o debochador quer mesmo é atacar o “debochado”. O deboche se desenvolve numa área cinzenta, que é a dúvida e a incerteza – “Ele está falando sério ou está brincando?”, podemos pensar sobre o autor do comentário. Essa falta de clareza é a grande arma do debochador para atacar de forma segura. Mas, para que sua estratégia dê certo, é necessário ter plateia para sua apresentação e, principalmente, para protegê-lo de um eventual revide do “debochado”. Por essa razão, o deboche dificilmente acontece a dois, e se acontecer não será deboche…

O “debochado” sente, ou até mesmo sabe, que está sendo atacado, mas a dissimulação do debochador deixa-o confuso, sem saber como proceder, e até mesmo paralisado. “Como responder?”, pensa o alvo: “Se revido, corro o risco de passar por grosseiro e ignorante; se me calar, é como aceitar a provocação desse cretino…” Claro que algumas vezes o “debochado” encontra uma forma de revidar com elegância, mas na maioria dos casos não é o que acontece: ou a resposta sai atravessada ou ele se cala. Em qualquer uma dessas possibilidades, o que fica é a raiva reprimida, fermentando internamente à espreita de uma oportunidade para extravasar – ou, melhor dizendo, explodir.

É no ambiente corporativo que o deboche ocorre com mais frequência. A crítica, o ataque disfarçado em provocação inocente e bem-humorada, é dirigida contra opositores e desafetos. Nas empresas, o debochador sente-se mais seguro para realizar seu intento, protegido que está pela crença generalizada de que “perder a cabeça” é sinal de falta de controle emocional – algo inadmissível e que depõe, negativamente, contra qualquer executivo. É exatamente essa crença que paralisa o “debochado”, temeroso de que uma reação possa ser interpretada como destempero ou falta de equilíbrio emocional.

Então, qual a solução? Bem, já que o que está em curso durante o deboche é um ataque, ainda que velado, mas subentendido, a saída está em torná-lo claro, explícito, escancarado para todos. Como? O “debochado” deve, simplesmente, dizer ao debochador como se sente com a atitude dele, com a falta de clareza, com a dissimulação. Em outras palavras: peça esclarecimento sobre as intenções do debochador, o que ele está realmente querendo dizer. Essa atitude tende a desarmar essa pessoa, que é pega no contrapé de sua estratégia. A verdade, sempre, é o melhor remédio contra a dissimulação, contra a confusão e os mal-entendidos. É uma arma infalível.

Código de conduta
Reconhecer que se sente confuso com a atitude de alguém é uma grande prova de coragem, sinceridade e honestidade consigo mesmo, e para com os outros. É mostrar integridade e não significa, em absoluto, fraqueza ou falta de equilíbrio emocional. Muito ao contrário.

Ao ver sua estratégia desmascarada, restará ao debochador reconhecer sua atitude passivo-agressiva (se é que já não sabia) e escolher mudar conscientemente. E ao mudar, ganham os relacionamentos, beneficiados por um diálogo mais verdadeiro e honesto.

Entretanto, é preciso reconhecer que colocar em prática uma atitude objetiva como essa não é uma tarefa fácil, pois exige autoconhecimento e autocontrole, coisas que só adquirimos com o tempo e com a prática. No ambiente corporativo, essas situações são ainda mais difíceis, especialmente quando o debochador está um nível hierárquico acima do “debochado”.

Não se pode confundir uma brincadeira, uma descontração, um comentário bem-humorado que tem o objetivo de descontrair, reduzir a tensão e o estresse, com uma atitude de deboche. Normalmente, é possível distinguir uma situação da outra, seja pelo contexto em que ocorre, seja pelo conteúdo e forma, ou até mesmo pela expressão verbal de quem brinca ou de quem debocha. Mas, ainda assim, é preciso tomar muito cuidado, pois nunca se sabe como, ou de que maneira, as pessoas podem receber ou interpretar um comentário pessoal dirigido a elas, ainda que esse seja feito da forma mais inocente ou com a melhor das intenções.

Isso é especialmente verdade nos tempos atuais, quando o risco de uma ação trabalhista motivada por assédio moral vem se tornando cada vez maior e, consequentemente, exigindo uma atenção e cuidado redobrados por parte da área de recursos humanos para a questão. Muitas empresas, inclusive, já elaboraram manuais internos, os chamados código de conduta, com o objetivo de alertar, instruir e prevenir seus supervisores, gerentes e mesmo diretores para comportamentos e atitudes entre níveis hierárquicos diferentes, que possam levar ou caracterizar uma situação de assédio moral. Muitas companhias chegam a estimular seus funcionários a delatar atitudes inconvenientes dos chefes ou mesmo de colegas, via “caixa de sugestões”, como meio de reduzir riscos trabalhistas e identificar “lideranças” perniciosas.

Evidentemente, o custo financeiro decorrente de uma ação trabalhista por assédio moral, que segundo levantamentos realizados pode variar de 3 mil reais a 500 mil reais, é apenas o lado mais visível que decorre de um comportamento inadequado. A principal consequência (e custo) fica por conta do clima que se estabelece nas organizações. Como avaliar o desconforto, o estresse, a frustração e a desconfiança que se estabelece e que contamina os relacionamentos interpessoais, corrói a motivação e desestimula o trabalho cooperativo? Ou então, qual é o preço que a empresa paga por perder um colaborador talentoso, promissor, ou mesmo outro com experiência e pleno conhecimento do negócio e dos processos graças a um comentário dessa natureza? Quanto uma empresa perde em termos de produtividade e competitividade em função de ações como essa?

Bullying
Ainda que mal comparando, essas situações se assemelham a casos que muitos testemunharam, quando ainda na escola, de bullying – ou têm conhecimento disso (via mídia ou por meio de relatos de filhos, quando não são essas crianças ou jovens o alvo de tais ações). Por essa razão, sabem o efeito devastador que esse comportamento acarreta nas vítimas e os efeitos desastrosos no desempenho escolar. A dor, a insegurança, o verdadeiro terror que acarreta nos jovens, não raro, repercute até à idade adulta.

As frases são antigas e bastante conhecidas, mas nem por isso, ou por isso mesmo, continuam muito atuais e verdadeiras: “As pessoas não se demitem da empresa, mas sim dos seus chefes”. Ou, mudando-se o foco da ação do empregado para o empregador: “As pessoas são admitidas pela sua experiência e conhecimentos técnicos, mas são demitidas pela maneira como se comportam e se relacionam”. Para finalizar, vale somar a essas uma outra, mais antiga e conhecida, mas que resume bem esta situação: “A ordem dos fatores não altera o produto”.

*Ricardo Porto é sócio da Phoenix Consultoria e conselheiro para gestão de pessoas

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