Gestão

Bons conselhos

de Gumae Carvalho em 22 de março de 2010


Theunis Marinho, hoje conselheiro: área de RH forte contribuiu para maior discussão sobre o tema nos conselhos

Ninguém pode culpar o RH pelos problemas da atual crise de confiança. De forma clara, maçãs podres, com incentivo para fazer coisas ruins, sob controles inadequados e trabalhando num sistema imperfeito, promoveram os problemas que vemos hoje. O RH não os causou; entretanto, isso não o absolve de responsabilidade. Muitas das peças desse quebra-cabeça parecem óbvias depois dos escândalos. (…) Agora, com o quebra-cabeça resolvido, podemos apenas esperar que novas peças sejam adicionadas. O RH deve ser diligente para identificar essas outras peças e criar a solução do quebra-cabeça antes que a próxima crise apareça. Isso irá requerer uma grande proatividade, diligência e coragem.”

 

As palavras acima fazem parte de um paper produzido pelo professor da Cornell University e diretor do Center for Advanced Human Resource Studies (Carhs), Patrick Wright. Com o título Restoring trust: the role of HR in corporate governance (algo como Restaurando a confiança: o papel do RH na governança corporativa), o texto parece bem atual. No entanto, foi escrito em 2003, logo depois dos escândalos de empresas como Enron, Worldcom & cia.

De lá para cá, o conceito e as práticas de governança ganharam o mercado em todo o mundo, embora tenhamos passado por outros momentos complicados que também envolveram a questão da confiança, como a crise originada pela farra dos créditos imobiliários nos EUA.

Situações como essas nos fazem pensar se nas instâncias mais altas da gestão de uma empresa – os conselhos de administração – não fizeram falta profissionais com experiência em RH capazes de identificar tais maçãs podres e de contribuir com uma visão diferente na deliberação dos rumos da companhia. Esse tema, aliás, foi muito bem levantado na edição passada de MELHOR pelo colunista Marcos Nascimento, que alertava para a baixa quantidade de conselheiros vindos da área de RH nos boards.
Observando os resultados de uma pesquisa feita em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) juntamente com a Booz & Company, percebemos que não apenas não encontramos muitos profissionais de RH nessas instâncias como o tema fator humano é pouco tratado nos conselhos. O estudo foi feito em duas etapas: na primeira, 117 participantes (entre presidentes do conselho de administração, conselheiros de administração e fiscais, diretores-presidentes e diretores de RI) de 85 empresas responderam a um questionário; na segunda, foram realizadas mais de 20 entrevistas presenciais com um grupo desses profissionais para discutir com mais profundidade os principais resultados obtidos na etapa anterior. Os resultados, então, foram comparados com os obtidos em um levantamento feito em 2003.

Pessoas são riscos
Segundo Adriane de Almeida, coordenadora do centro de conhecimento do IBGC, de fato são muito poucos os conselheiros vindos de RH. Geralmente, eles vêm da área de finanças, afinal, existe uma forte preocupação com a última linha dos balanços. Esse perfil é confirmado na pesquisa da entidade: ao analisar o conjunto de competências valorizadas nos conselheiros, percebemos que, em 2003, elas eram (além de integridade pessoal, independência e motivação, itens presentes nas duas edições do estudo) o conhecimento das melhores práticas de governança corporativa e dos interesses dos acionistas. Em 2009, esses últimos itens saíram de campo e entraram no jogo “visão de longo prazo” e “entendimento contábil e financeiro”. Mas vale a pergunta: pensar a longo prazo não deveria incluir pensar a gestão de pessoas?
Não apenas “pensar em longo prazo” deve incluir “fator humano”. Vejamos: Adriane conta que os quatro principais temas que devem fazer parte da agenda de um conselho são: estratégia; talentos; estrutura de capital; e riscos. E “pessoas” pode ser um enorme risco para a empresa, como lembra Marcos Morales, consultor da Towers Watson.
 
Para compreender melhor, ele propõe pensarmos em duas companhias. Uma delas depende quase que exclusivamente do conhecimento de seus funcionários. Nesse caso, ela deve se preocupar com os incentivos que garantam a retenção de seus profissionais, pois, se eles saírem, adeus produtividade e inovação. A outra empresa é mais ligada à manufatura. Neste caso, uma das preocupações é saber se alguns dos programas de gestão de pessoas (como os planos de saúde e os de pensão) estão gerando um passivo mais adiante. “Ou seja, temos riscos ligados a pessoas que devem ser gerenciados”, diz Morales. Eles deveriam fazer parte das discussões do board? Sim, bem como outros com a ajuda de RH.

Adriane, do IBGC: governança corporativa é um processo feito nos detalhes

A lista é grande, conforme conta Theunis Marinho: desde discutir a atração e retenção da nova geração de talentos até cuidar para que os profissionais-chave tenham seus sucessores preparados, passando por criar um código de conduta para todos os funcionários, fazer com que a sustentabilidade faça parte do dia a dia de todos e evitar problemas como assédio moral e sexual no trabalho, por exemplo.

Nascido na pequena Alto do Rio Doce, em Minas Gerais, Marinho chegou ao alto do Rio Reno, na Alemanha. Melhor dizendo: há alguns anos, quando ainda era executivo de RH da Bayer, ele manifestou interesse em sair da empresa. Por ser um talento, acabou recebendo um convite do presidente para participar de um job rotation em outras unidades do grupo alemão na Europa.

Depois de assumir a gerência de produtos herbicidas e, na sequência, a de vendas de óxido de ferro (primeiro para a Europa e depois para todo o mundo), Marinho voltou ao Brasil no comando da diretoria de finanças e administração do grupo Bayer. Pouco tempo depois, assumia a presidência da Bayer Polímeros.
Com essa trajetória, não é difícil pensar que um dia ele fosse convidado a participar de um conselho. Nas reuniões de que participa, ele nunca deixa de lado temas que envolvem o capital humano, embora afirme que, pelo fato de a empresa da qual é conselheiro ter uma visão mais aguçada sobre a importância desses assuntos, o trabalho fica mais fácil. Pena que isso não seja comum no mercado.

É o que diz a pesquisa do IBGC: quando o assunto é a agenda do fator humano, 69% dos respondentes afirmaram que pouco ou raramente discutem sobre desempenho dos executivos, e 78% disseram que, na mesma frequência, discutem sobre sucessão. Vale lembrar que algumas das melhores práticas indicadas pelo IBGC para o conselho são: manter atualizado um plano de sucessão do diretor-presidente e assegurar que este o faça para todas as pessoas-chave da organização; e discutir, aprovar e monitorar as decisões envolvendo contratação, dispensa, avaliação e remuneração do diretor-presidente e dos demais executivos, a partir da proposta apresentada pelo diretor-presidente.

Quando questionados sobre quais eram as principais responsabilidades do conselho, as mais indicadas pelos respondentes foram: estratégia (item apontado por 77% dos entrevistados em 2009 e por 64% em 2003); gestão do desempenho (71%, ante 73% em 2003); gestão de riscos (50% ante 41% em 2003); fator humano (29% ante 30% em 2003); e estrutura de capital (item que surgiu na edição de 2009 do estudo, sendo apontado por 28% dos respondentes).

Formação em estratégia
Com uma queda de um ponto percentual, o índice sobre fator humano reforça a necessidade de alguém fortalecê-lo nos conselhos. Quem pode assumir essa tarefa é o RH, desde que ele mude sua postura, como explica Betania Tanure, professora da Fundação Dom Cabral e da PUC/MG. Para ela, a presença dos profissionais “clássicos” da área nos conselhos não ajudaria muito; poderia até aumentar a distância em relação ao assunto. Esse profissional ideal deve ter uma formação robusta em estratégia e deve saber integrar as perspectivas de negócio e de gestão. “Aí sim, trazemos uma contribuição verdadeira para a empresa e para o seu conselho”, afirma Betania.

Na verdade, diz a professora, a temática “gente” deve ser indicada não apenas pelo RH, mas por todos os conselheiros. “Veja bem: como conselheiro, você não precisa ser da área financeira para entender e discutir os resultados financeiros de uma organização. Por que deveria ser diferente em RH? Esse é um tema que faz parte da agenda estratégica e não da agenda de especialistas”, diz.

Para ajudar as empresas a contar com profissionais com essa visão mais estratégica, o IBGC criou, há pouco mais de um ano, um programa de certificação de conselheiros. “Propiciamos uma visão mais abrangente sobre todos os pontos de interesse e a capacidade de relacionar esses conhecimentos entre os conselheiros”, comenta Marcos Jacobina, coordenador do grupo de certificação e banco de conselheiros da entidade. Ele conta que, cerca de 200 pessoas já foram certificadas – sendo que delas, muito poucas eram de RH.

Jacobina, do IBGC: programa para certificar conselheiros e alinhar conhecimentos

Ter conselheiros com formações distintas e competências variadas, entre elas a de gestão de pessoas, é um dos pontos aconselhados pelo IBGC. “Diversidade é fonte de riqueza, desde que bem gerenciada”, destaca Betania. Com a experiência de também ser conselheira, ela acrescenta que o fio condutor das discussões no board deve ser o equilíbrio entre estratégia de negócio e de gestão. O que nem sempre é fácil. O primeiro tema predomina, pois é a principal experiência dos conselheiros e as pessoas tendem a discutir o que conhecem. “O desafio, além desse equilíbrio, é discutir qual será o futuro da empresa, e não ficar tempo demasiado na análise do que já aconteceu. Ou melhor, na informação especialmente no campo econômico e financeiro”, opina.

Grau de influência
Em 2005, na edição especial de MELHOR, o anuário O Melhor do RH, Morales, da Towers Watson, havia acabado de fazer uma pesquisa junto a 17 empresas que tinham conselhos de administração. Qual era a atividade que mais predominava entre os conselheiros? A avaliação e o acompanhamento do desenvolvimento econômico-financeiro da organização. Pouco se falava em gestão de pessoas, embora também fosse algo considerado importante.

Na época, uma das possíveis razões para essa “ausência” do tema “pessoas” era a falta de iniciativa do RH em provocar a discussão desse assunto com os conselheiros. “Mas isso depende muito mais de quem é o CEO; se for alguém preocupado [com esse assunto], seguramente ele será levado ao conselho. Agora, se o RH não consegue convencer nem o presidente de que isso é fundamental, a chance de convencer um conselheiro é ainda menor”, disse Morales, naquela ocasião.

De lá para cá, o consultor acredita ter havido alguns avanços em relação à importância do tema “pessoas” graças, também, à profissionalização dos conselhos – que passaram a contar com um número maior de conselheiros independentes. “Esses novos membros contribuíram para elevar o nível das discussões, levando novos pontos de vista”, destaca Morales. E entre esses conselheiros podemos encontrar alguns poucos com experiência em RH, como Marinho e Herbert Steinberg.

Steinberg é fundador da Mesa – Corporate Governance, consultoria em desenvolvimento humano e governança corporativa. Foi vice-presidente de RH do Grupo Santander Banespa, diretor corporativo de RH do Citibank e diretor de RH do McDonald´s. Autor de A dimensão humana da governança corporativa – Pessoas criam as melhores e as piores práticas (Editora Gente), hoje ele atua também como conselheiro independente.

Nos 13 anos de mercado, a Mesa acabou se transformando numa espécie de hunting de conselheiros independentes. A partir dessa atividade, Steinberg identifica os perfis mais solicitados pelo mercado. “A maior demanda é por quem foi CFO ou diretor financeiro. Depois, a preferência é por um perfil mais de gestão, como ex-CEO”, conta. Na sequência, vêm os profissionais com experiência no setor em que a empresa contratante atua. São poucos os RHs na lista. Esse baixo índice está ligado, segundo Steinberg, à própria atuação de muitos profissionais de recursos humanos. Isto é: sem uma atuação estratégica, colada ao negócio, ele não consegue ir muito longe.

Nesse ponto, Marinho recorda-se de uma entrevista concedida à MELHOR em 2004, numa reportagem sobre executivos de RH que chegaram à presidência de empresa. Ele lembra que um dos obstáculos para essa ascensão era a maneira como o RH era visto na companhia. “Um entrave é o fato de ele se especializar num assunto do qual todo mundo acha que entende. Assim, todas as vezes, numa reunião de diretoria, quando alguém da engenharia fala sobre um projeto, todo mundo ouve calado. A última palavra é a primeira. Mas, quando um homem de RH fala, todo mundo entende, todo mundo quer dar palpite.”

Porta de entrada
“O sujeito tem um desgaste político muito grande para impor ideias na empresa porque é um tema muito sensível”, disse na época. Já nas empresas em que isso não acontece, há uma área de RH forte e uma direção que compreende seu valor. E é esse perfil que tem mais chances de ocupar, num futuro próximo, a cadeira de conselheiro. Isso porque, em muitos conselhos, o profissional de RH tem assento, apenas, em comitês como de remuneração ou de gestão de pessoas. Embora importante, esse papel é o de assessoria.  Pode ser uma porta de entrada para avançar as discussões sobre o fator humano, sem dúvida, dependendo do perfil desse profissional, como vimos, e da própria organização.

Muitas empresas adotam o discurso de que o RH deve ser estratégico, mas, no fundo, deixam o tema “pessoas” fora da estratégia. E isso tem seu preço, se não no curto prazo, no longo. E é aqui que os conselheiros deveriam prestar mais atenção. Para que uma estratégia tenha os resultados esperados, é preciso que cada colaborador a incorpore no seu dia a dia. “Isso mostra que governança se faz nos detalhes”, diz Adriane. E se dizem que Deus, ou o diabo, mora nos detalhes, não custa prestar atenção neles. Ou nelas, as pessoas. Aqui vale citar uma frase de Steinberg, que, aliás é o subtítulo de seu livro. Lembrando que por trás de todo procedimento jurídico e financeiro estão a vontade e o sentimento do ser humano, de quem emana tudo o que é enaltecedor e tudo o que é condenável, ele diz: “Pessoas criam as melhores e as piores práticas”.

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