Carreira e Educação

Cabo de guerra?

de Camila Mendonça em 17 de dezembro de 2015

Há 13 anos, a rotina de Marcelo Camarozano, de 44 anos, mudou. Com formação especializada, o profissional atuava como gerente contábil, focado em legislação e preocupado em atender ao Fisco. Pelas demandas do seu mercado, fez uma especialização em controladoria e viu, a partir de então, o rumo da sua carreira caminhar para um lado que ele não conhecia. “Esse foi o passo inicial para eu ter uma visão mais ampla de negócio, foi o divisor de águas, porque como controller comecei a participar de todo o planejamento da empresa”, conta. “A partir desse momento, minha visão sobre minha carreira evoluiu e comecei a ampliar minha atuação”, afirma. É que se antes o profissional se limitava a resolver problemas pontuais da área contábil-fiscal, agora ele começava a ter uma visão mais estratégica da empresa em que trabalhava na época, a circular mais, a conversar com todas as áreas e a entender processos que iam além dos números com os quais ele costumava lidar.

Ele poderia ter parado por aí, cumprido apenas uma agenda específica da companhia, mas gostou do que viu, e seguiu em frente. “Isso fez com que eu passasse a participar das decisões junto com os acionistas e a contribuir mais com a empresa”, avalia. Camarozano passou, assim, de um profissional especialista para um perfil mais generalista. E a decisão foi consciente e calcada nas oportunidades que via naquele momento. “Eu queria mudar, queria sair da posição de contador fiscal para uma posição mais gerencial e isso me levou a ser um profissional generalista”, conta. “Vi essa mudança como uma expectativa de crescimento profissional, porque se eu ficasse como um contador ou controller, eu não teria condições de crescer e ganhar mais”, avalia. A visão de Camarozano foi ganhando sentido ao longo da sua trajetória. E o resultado do esforço veio logo. “A partir do momento em que eu abri meu perfil, senti o mercado mais receptivo e comecei a participar de decisões de que antes eu não participava”, afirma.

Por conta do perfil mais generalista que conquistou na última década, o profissional foi contratado há dois meses pela Crowe Horwath, empresa de auditoria e consultoria. Cada decisão de Camarozano sobre sua trilha de carreira estava alinhada de alguma forma ao ritmo do mercado. Há uma década, ele percebeu que só cresceria caso saísse do seu quadrado. Esse feeling era resultado de um cenário que começou a se formar nos anos 2000, quando as empresas começaram a passar por processos profundos de mudanças – muitas delas provocadas pelo impacto da internet e da tecnologia. Naturalmente, quando há uma alteração forte na lógica dos negócios, o mercado de trabalho sente primeiro e o perfil do profissional mais demandado muda. “A fórmula matemática das empresas é outra. As variáveis mudaram”, afirma Célio Pinto, sócio da consultoria Search RH. “Antes, você conseguia trabalhar com um especialista que sabia fazer uma única coisa. Agora, a demanda maior tem sido pelo cara que consegue jogar em todas as pontas”, afirma. É que as empresas ficaram mais complexas e precisam de profissionais que consigam acompanhar bem as mudanças do mercado.

Em cenários recessivos, como os de hoje, essa demanda por profissionais com uma visão mais ampla e holística dos negócios segue em alta. “Nos momentos de crise, principalmente, a visão generalista acaba sendo interessante, porque dois postos de trabalho podem ser ocupados por uma única pessoa, desde que ela tenha uma visão mais ampla e conhecimento”, afirma Celso Bazzola, diretor da Bazz Estratégia e Operação de RH. Célio concorda com essa visão, mas alerta: quando a busca por profissionais generalistas tem razões apenas financeiras, a empresa pode estar criando um problema para o futuro. “Acontece que, hoje, o mercado quer um generalista para diminuir custos e sobreviver. As empresas acabam contratando uma pessoa para fazer o papel de duas, ainda que ela faça ‘meia-boca’ – isso vai dar problema mais à frente”, diz.

Diante desse cenário, então, não há espaço para especialistas? Não é bem assim. O jogo não está ganho para os profissionais com perfil mais generalista. Ao contrário: o mercado de trabalho está cada vez mais complexo e o surgimento de novas lógicas de estrutura, como é o caso das start-ups, cria demandas específicas, em que profissionais especialistas ganham espaço. “Não podemos esquecer da variável comportamento do mercado e também a própria natureza dos negócios”, afirma Bazzola. “Se a empresa não tem uma estrutura tão grande e precisa aproveitar os profissionais que tem, ela deve escolher um perfil mais generalista. A variável principal é o mercado e a estratégia da empresa”, atesta.

“O generalista tem o conhecimento de um oceano Atlântico, mas com a profundidade de um pires. Ao passo que o especialista detém conhecimentos específicos que podem solucionar problemas e resolvem demandas específicas”, completa Célio. Dessa forma, mercados específicos, mais técnicos, demandam mais especialistas, independentemente de cenários. É o caso de áreas de importação e exportação, indústrias como automobilística, têxtil, química, de petróleo; e principalmente mercados que utilizam tecnologia, como logística e tecnologia da informação. Já mercados mais humanos, como empresas que prestam serviços de maneira geral, de atendimento, varejo, precisam de profissionais com visão mais generalista dos negócios.  

No topo da pirâmide

Em um ponto o mercado concorda: no cabo de guerra entre os dois perfis, quando o assunto é liderança, os generalistas puxam mais forte. “Ao assumir uma posição de gestão, já não vale mais provar-se como um bom técnico ou bom executor. A grande habilidade está em saber lidar com pessoas”, afirma Elton Moraes, gerente do Hay Group. “Se considerarmos que lidar com pessoas envolve atuar sobre conflitos, oferecer feedbacks, comunicar-se de maneira fluente, lidar com expectativas diferentes, fazer com que os outros façam o seu melhor, então estamos falando em ser generalista. Esse acaba sendo o perfil que melhor se adapta às situações de liderança e pelos nossos estudos conseguem trazer 30% mais resultados das pessoas em longo prazo”, avalia.

Bazzola, da Bazz: entender as variáveis do mercado

“Para níveis estratégicos, o generalista é fundamental, porque é ele que conhece a visão como um todo do funcionamento da organização. Quanto maior o cargo, quanto mais se sobe na escala hierárquica, menor a visão técnica e maior a visão estratégica do negócio”, avalia Bazzola. Ele pondera, porém: “Especialistas podem ser ótimos líderes de área e serem tão reconhecidos e recompensados quanto um executivo. É importante lembrar que liderança tem mais a ver com perfis comportamentais”. Além disso, nada impede um especialista de transitar para o perfil mais generalista a fim de conquistar posições de liderança mais abrangentes, assim como fez Camarozano, citado no início do texto. Lucas Franco, de 26 anos, formado em marketing e propaganda, por outro lado, não abriu mão da formação mais técnica, mesmo direcionando a carreira para uma trilha mais generalista. “No começo era especialista em comunicação visual, mas notei que precisava ter visão ampla para crescer e assumir riscos. Comecei a treinar principalmente a oratória e o tratamento com equipes de trabalho”, afirma.

“Entendo que o mercado e a maneira de fazer negócios estão evoluindo de forma muito rápida. É muito difícil acompanhar todas essas transformações”, conta. “Em minha área, por exemplo, dificilmente se conseguem bons resultados com uma visão generalista. Quanto maior a capacidade de se especializar e entender determinados nichos, maior o sucesso dos projetos. Em contrapartida, quanto mais alto se está na hierarquia, maior a necessidade de entender e acompanhar tudo sobre seu departamento e empresa. Isso garante melhores resultados”, afirma.

Para transitar entre um perfil mais especialista, para ganhar mercado, e um mais generalista, para crescer, o profissional fez MBA em economia empresarial e cursa uma especialização em marketing digital. “O cenário exige uma grande versatilidade. É preciso se especializar dentro da profissão que escolheu, mas sem abrir mão de acompanhar tudo o que está ocorrendo nos mercados mais desenvolvidos”, avalia. “Ter um perfil especialista é a porta de entrada para uma empresa. Mas considero difícil o crescimento em uma empresa apenas com uma visão especialista”, diz o profissional, há pouco mais de dois anos como coordenador de marketing da Linea Brasil.

O ponto de virada

Embora o mercado entenda que um generalista tem um perfil mais adequado para uma posição de liderança, há ainda uma grande dificuldade de se colocar o profissional certo na cadeira certa. “Primeiro porque não há uma preparação para o bom analista ou o bom funcionário virar um gestor. Ele vira porque é um bom executor”, afirma Moraes. O resultado é conhecido: ao colocar o bom especialista em uma cadeira de liderança, é possível que a empresa perca o especialista e ganhe um péssimo gestor. A companhia que tem a paciência de colocar o perfil certo na posição correta, porém, sai ganhando. Segundo Moraes, do Hay Group, os gestores que são desenvolvidos e treinados com novas competências têm um desempenho até 45% maior do que os demais e, claro, em longo prazo, geram mais resultados em equipe.

Não à toa, a empresa tem papel importante na transição de perfis – principalmente na escala do perfil mais especialista para o mais generalista, com o intuito de formar lideranças. “A empresa é importante nesse processo de decisão, quando define os perfis que quer e cria um plano de carreira, atividades e treinamentos que coloquem os perfis certos nos lugares certos”, afirma Bazzola. “Ela é fundamental quando cria um ambiente propício para a mudança”, avalia. Ter definidos os papéis também ajuda o profissional a enxergar as qualidades de seu perfil, como ele pode contribuir para a empresa, bem como ajuda a companhia a desenvolver aspectos importantes para a liderança do futuro, avalia Moraes. “Fazer um diagnóstico do que os seus melhores fazem de bom já é um caminho interessante. Não precisa ir atrás somente dos benchmarks, muitas vezes dentro da própria empresa você tem comportamentos diferenciais. O que precisa é identificá-los, descrevê-los e atuar em um plano de desenvolvimento que ajude as lideranças a formarem essas competências”, afirma.

Arregaçar as mangas

Esses aspectos ajudam os profissionais a se enxergarem e amenizam as dores de uma transição de perfil, principalmente de especialista para generalista, como fez Camarozano. “O profissional precisa estar aberto às mudanças e ser altamente resiliente”, afirma Bazzola. Querer fazer a mudança, como objetivo profissional e não apenas porque o mercado quer, também é importante. Querer aprender e sair do espaço de trabalho para olhar a empresa de forma mais estrategicamente, bem como buscar conhecimento e informação dentro e fora da empresa, é outro passo. Camarozano contou com o apoio dos colegas de trabalho que fez na última década para sair do seu nicho de atuação, bem como passava horas estudando fora da empresa para entender quais áreas eram as mais importantes para cada negócio. O caminho não foi fácil. “Tive de arregaçar as mangas e ir para outros departamentos que não dominava para entender o papel de cada um deles para a empresa”, conta. “O mais difícil foi sair do mundo do qual eu dominava 100% para um mundo com diversos desafios”, diz.

Moraes, do Hay Group: o perfil da liderança

Ainda, não se pode esquecer que as variáveis comportamento do mercado e cenário macroeconômico têm forçado profissionais, hoje considerados generalistas, a voltarem para sua formação original – muitas vezes especializada em alguma área – para conseguirem recolocação no mercado. E essa transição também não é fácil, pois exige uma nova adaptação do mercado, bem como um trabalho forte dos profissionais de atualização.

Os consultores reforçam, porém, que toda trajetória profissional é individual e que optar por um perfil ou outro é uma decisão que só os profissionais devem tomar. Além disso, as noções de crescimento e trilha de carreira estão ficando cada vez mais fluidas. Há quem prefira crescer dentro de uma especialidade a crescer dentro da uma grande companhia. Os consultores lembram, ainda, que, independentemente dessas mudanças do mercado, o que dificilmente vai mudar é a necessidade das empresas – de todas elas – de terem em seus quadros tanto especialistas quanto generalistas. Com o tempo, a lógica do cabo de guerra não será mais para qual lado ele vai pender mais, mas sim como mantê-lo no ponto de equilíbrio.

O perfil e a atuação dos generalistas e especialistas 
Especialistas

â–º Quem são: profissionais com formação dirigida, que atuam em nichos de mercado ou em áreas das empresas que exigem conhecimentos específicos para andar.

â–º Vantagens: toda empresa precisa de especialistas em todas as áreas. É o tipo de profissional que está ali para resolver um problema e atender a uma demanda, por isso sempre são buscados.

â–º Desvantagens: em tese, são profissionais que limitam sua atuação dentro de uma área da empresa.

â–º Possibilidades de crescimento: Existem. Especialistas conseguem crescer dentro da sua área de atuação, e podem ser reconhecidos e recompensados tanto quanto um executivo generalista.

â–º Para crescer precisam: se manter atualizados dentro da sua área de atuação. Quanto mais especializados forem, melhor.

Generalistas

â–º Quem são: profissionais que conquistaram conhecimentos gerais de processos de uma empresa. Sabem reconhecer as necessidades de cada área, têm visão estratégica do negócio, sabem circular bem em todos os departamentos e como lidar com pessoas.

â–º Vantagens: toda empresa precisa de generalistas. É o tipo de profissional que tem capacidade de olhar a empresa no médio e longo prazo e tem mais facilidade de tomar decisões, e por isso são muito buscados para ocupar cargos de liderança.

â–º Desvantagens: em tese, precisam ter uma vasta experiência de carreira para conseguir conquistar esse perfil. Ninguém sai da faculdade como generalista.

â–º Possibilidades de crescimento: Existem. Generalistas são o perfil mais buscado para cargos de liderança e também por mercados que atuam com equipes enxutas.

â–º Para crescer precisam: abrir o campo de conhecimento sobre o mercado, entender como funcionam as principais áreas de uma empresa, ter ferramentas de estratégias e inovação, e aprender a lidar com pessoas e times complexos.


*Os especialistas reforçam que as vantagens e desvantagens são relativas e que manter-se como especialista ou generalista é uma decisão individual.

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