Gestão

Cidadãs do mundo

de Thais Gebrim em 17 de julho de 2009
Motomura, da Amana-Key: o líder do futuro será, acima de tudo, um estadista

Qual a contribuição de uma empresa na construção de um futuro melhor? Para quem acredita que promover programas de responsabilidade social, ações ecologicamente corretas ou adequar produtos e serviços a um contexto maior é a melhor resposta a essa pergunta, um aviso: ainda é preciso mais. É necessário um tipo refinado de cidadania empresarial e, cada vez mais, de cidadania global, conforme explica Oscar Motomura, diretor-presidente do Grupo Amana-Key e um dos mais criativos especialistas da área de gestão e inovação corporativa, nesta entrevista. O problema, na criação de um mundo promissor, está na disposição de empresas e, também, de pessoas
nesse propósito.

De um lado, algumas organizações despendem mais energia na busca louca por resultados em curto prazo do que em estratégias sustentáveis de longo prazo. “O paradoxal é que as empresas normalmente acham que, se investirem demais na construção desse todo, seus acionistas perderão resultados. Mas, na medida em que o todo vá muito melhor, todos os agentes também irão, inclusive os acionistas”, destaca Motomura. De outro, nas pessoas, está “o egoísmo que leva à ganância, ao desrespeito, à quebra de confiança entre todos. “Assim, ficamos presos numa economia da escassez, que leva à competição predatória e até às guerras”, diz. Mas há uma luz no fim do túnel, como deixa transparecer Motomura, que estará no CONARH 2009 – 35º Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas, com a palestra O futuro
das organizações: certezas e incertezas.
 
MELHOR – Qual é o futuro que as organizações, hoje, devem buscar?
Oscar Motomura – Deve ser um mundo em que todos honrem a vida em todas as suas formas, busquem um equilíbrio ecológico maior no planeta, em que haja justiça econômica e social e paz, não guerras. Esse estado só será alcançado se estivermos todos integrados, como em um grande mutirão. Ou seja, cada um trabalhando para o seu próprio bem-estar, cuidando muito bem de si, mas também do todo: das pessoas e dos seres vivos próximos e daqueles que nem sequer conhecemos.
 
E onde estamos pecando?
Na fragmentação. Estamos separados em vários sentidos, principalmente quando buscamos o melhor para nós e ignoramos o resto. Mesmo quando pensamos de forma coletiva, muitas vezes estamos presos a um tipo de egoísmo: “Minha família, minha organização, meu país é o que importam; o resto que se dane”. Isso leva à violação dos valores essenciais para a construção de um futuro cada vez melhor. O egoísmo leva à ganância, ao desrespeito, à quebra de confiança, à “desotimização” de tudo o que a humanidade tem. Assim, ficamos presos numa economia da escassez, que leva à competição predatória e até às guerras.
 
E como as empresas devem atuar para o futuro ser melhor do que a realidade atual?
Há muito tempo as empresas são a instituição mais poderosa do planeta, mais até do que o governo. Na medida em que reconhecerem esse poder, também perceberão que, por causa dele, têm muitas condições de fazer – ou não – bem à sociedade. Se elevarem o seu nível de consciência, terão um papel fundamental na construção desse futuro.
 
Qual é esse papel?
A contribuição das empresas vai além da responsabilidade social e ecológica ou da adequação dos produtos e serviços ao contexto maior. Reside muito mais no exercício de um tipo refinado de cidadania empresarial e, cada vez mais, de cidadania global. Mas elas parecem estar o tempo todo economizando energia para manter foco em seus negócios e ganhos. Resta pouca energia para investir na realização de benefícios maiores para o todo, para exercer o seu papel de cidadãs do mundo. O paradoxal é que as empresas normalmente acham que, se investirem demais na construção desse todo, seus acionistas perderão resultados. Mas, na medida em que o todo vá muito melhor, todos os agentes também irão, inclusive os acionistas.
 
Como a cultura de uma empresa pode influenciar essas transformações?
A cultura define a intensidade da contribuição. É só comparar a empresa que tem uma cultura agressiva de busca de resultados para si e de curto prazo, sem se importar se está até destruindo a natureza, com a que tem uma cultura baseada em valores nobres, que faz com que seus colaboradores estejam trabalhando o tempo todo na construção de um futuro melhor para todos. E essa diferença pode acontecer até dentro de uma mesma organização em virtude das diferentes subculturas.
 
Qual é a cultura predominante hoje nas organizações brasileiras?
Como em todo o mundo, podemos ir de A a Z. Existem organizações muito éticas, assim como ainda há aquelas que não hesitam em desprezar a ética na busca de seus objetivos. Mas acho que as organizações no Brasil estão ficando cada vez mais conscientes em relação a esses valores. Estamos numa curva de evolução.
 
Qual é o futuro das lideranças e quem será o líder do futuro?
O que deve merecer mais atenção é a visão do todo e a capacidade de enxergar a empresa dentro de um contexto maior, postura típica de líderes estadistas. O líder do futuro será, acima de tudo, um estadista. Até porque a consciência do poder das empresas continuará a crescer nas próximas décadas. Porém, não basta ser um estadista na cabeça, de forma conceitual. É preciso que a forma ampla de ver as coisas seja tangibilizada em ações concretas. Vejo muitos líderes estadistas que têm discursos excepcionais, mas perdem fantásticas oportunidades de fazer diferença simplesmente porque não têm a coragem de se manifestar de forma mais clara em todos os foros da sociedade, inclusive o governo.
 
Que mensagem o senhor pretende deixar no CONARH?

Nunca planejo minhas apresentações, mas uma coisa é certa: estarei dando o meu melhor para impulsionar os participantes a ações corajosas na direção de um futuro melhor para todos. Em todos esses anos de trabalho com organizações, sinto que falta ousadia no processo de encarar as equações aparentemente impossíveis de serem resolvidas. Se não enfrentarmos esses desafios como parte central do jogo da vida, estaremos na dimensão da não-vida.
 
Não-vida?
Por mais confortável que possa parecer, nenhum ser humano se sente plenamente vivo em ambientes mornos, sem estímulos, repletos de rotinas e onde todos parecem atuar no piloto automático. É a intensidade da vida em cada um de nós que estará construindo o futuro com o qual sonhamos. Quando a cada momento conseguirmos expressar a melhor
versão de nós mesmos, o futuro ideal estará sendo tangibilizado e não haverá certezas ou incertezas.

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