Conceitos claros

de Heitor Chagas de Oliveira* em 8 de agosto de 2012






É absolutamente importante, e urgente, apresentar um breve conjunto de comentários, quando ainda assistimos ao processo de tentativas de aproveitar as ideias apresentadas no Plano Brasil Maior. Trata-se de uma iniciativa de indiscutível oportunidade e que contém a ênfase cabível para o momento que nosso país vive: razoavelmente protegido, porém atento Í  maré de dúvidas e incertezas que assustam a comunidade internacional. De fato, é hora de os dirigentes, nos setores público e privado, comprometerem-se como nunca com as diretrizes emanadas do governo. Há, porém, de se destacar alguns conceitos que precisam ser esclarecidos e repensados. Antes mesmo de serem vistas como ferramentas de competitividade (que são, sem dúvida), é preciso reconhecer e apontar as invenções como essenciais para a própria sobrevivência e crescimento das empresas. Isso seria igualmente verdade ainda que a economia internacional não estivesse ameaçada por mais uma crise.

No título deste texto estão palavras que, se não compreendidas em seu mais correto significado, podem tornar-se as causas de imensas e lastimáveis frustrações. E antes de comentar sobre as relações que há entre aqueles dois primeiros conceitos, vale conhecer o significado de cada um, na medida em que se pretende, agora e para a frente, tratá-los com uma visão integradora e atualizada. 


Palavra conhecida
Inovação é palavra conhecida. Tem tudo a ver com a criação do novo, a introdução de uma novidade em algo que já existe, embora seja acrescentado de uma dimensão nova, ou de detalhe, que modifica sua operacionalidade, sua aparência ou utilidade. Entretanto, não se inovam apenas coisas ou objetos. É muito possível que um dos leitores, ou alguém de suas relações, tenha estado recentemente em algum evento ou tenha ouvido dizer de uma ou outra feira que mostrava relevantes resultados de programas educacionais, ou de entidades voltadas Í  pesquisa aplicada, e que, de fato, tenham presenciado mostras de verdadeiras criações de inventores, algumas consideradas merecidamente como invenções geniais. Terá sido algo, sem dúvida, muito sério e importante, rotulado de inovação.

As brilhantes ideias, transformadas em importantes objetos inventados, induziram a leitura possivelmente equivocada de uma falsa sinonímia entre as duas palavras: inovação e invenção. É claro que as invenções são ideias, fatos e objetos que, a cada vez que foram surgindo, entregaram Í s pessoas novidades importantes e alterações que “inovaram” suas vidas. Nada de desmerecê-las! São maravilhas criadas pela conjugação de genialidade e de capacidade de realização, exigidas pelo sentido prático e que inovam, de fato, tornando melhor a vida das pessoas.  É, entretanto, um rigor absolutamente necessário, distinguir inovação de invenção. Em especial quando o segundo termo se refere principalmente a máquinas, objetos, processos mecanizáveis ou não, mas restringidos a algo mensurável, material e, mais que tudo, mecânico ou repetitivo, ainda que com base em suportes eletrônicos ou informáticos.

Há outras inovações necessárias no contexto das relações interpessoais, nos processos organizacionais, nos conceitos e valores que regem o mundo dos negócios. Afinal, a inovação nem sempre, ou muito poucas vezes, será suficientemente traduzida apenas em máquinas, processos de trabalho automatizados, objetos ou tecnologias materializadas no sentido mais industrial da expressão. Claro que mudanças de tecnologia, quando esta significa mais metodologia que mecanismos novos, podem e devem ser denominadas invenções, obviamente dentro de um contexto de inovação. Mas teremos de ter cuidado para não cair no equívoco de pensar que tudo se dará por adoção de uma determinada engenharia absolutamente quantificável e calculável, inclusive porque se pode formular uma equação matemática para representá-la. Vale lembrar o que sempre me repetia um mestre: “Nem tudo que é lógico é psicológico”. A inovação, em seu mais completo e correto sentido, abrange os níveis psicológico e sociológico. Restringir a ideia de inovação a um contexto do estritamente lógico (enquanto o peso do racional se esgote nos termos quantitativos e de operacionalidade repetitiva e mecanizável) é, com certeza, insuficiente.


#Q#


Ideias mais ricas
As organizações precisam de uma renovação em seus processos. Carecem de uma “idade da inovação”, a começar pela capacidade que tenham seus dirigentes de entender, por exemplo, que sinergia não é apenas a conjugação harmonizada de processos industriais, sejam mecânicos ou químicos, que se completem, por exemplo. Sinergia é mais amplo. O mesmo é preciso entender na significação diferenciada de inovação e invenção. Inovação e sinergia são ideias mais ricas e, entretanto, muito mais acessíveis, compreensíveis e lucrativas quando tomadas em uma acepção mais lúcida e atual, sem a empobrecida conotação restritiva. Tratar esse assunto sem uma hipócrita reverência aos que retardam os movimentos do mundo, com maneiras antiquadas de perceber e analisar, já é um primeiro passo desejável em um verdadeiro programa de inovação. Essa coragem, antes que um ato de arrogância, é um gesto de sedução. É assim que devem tentar percebê-la todos aqueles que encontrem dificuldades para aderir. Ao menos, arriscando imaginar uma alternativa… Esse é o verdadeiro convite que pretendemos que seja percebido e que se encontra inserido nesses conceitos.

É claro que muitos inventos patenteados, que atendam a novas demandas, novas utilizações, novas maneiras, são urgentemente necessários de forma a aumentar o potencial competitivo de nossas empresas, e de nossa economia, em busca dos mercados. E do desejável faturamento lucrativo. Mesmo em organizações que vão continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento, e que por isso mesmo vão incrementar seu elenco de patentes, a cultura organizacional também vai precisar estar no compromisso inovador. Não são raros os casos de visões muito heterogêneas das diversas culturas dentro de uma mesma organização. Muito mais graves ainda são os casos de organizações que resultaram maiores e mais complexas após uma fusão ou uma série de incorporações. Valores, práticas e políticas internas, de origens diferentes, precisam conviver, até mesmo, em condições conflituosas. Sabe-se, inclusive, dos casos de políticas de remuneração diferentes convivendo por algum tempo numa empresa que alterou recentemente sua composição acionária. Programas de integração funcional terão de ser aplicados para criar e incrementar um diálogo das culturas internas, as novas e as anteriores, e garantir avanços mais consistentes.


Gestão integrada
Não se pode arriscar um investimento incompleto na renovação das organizações. Exemplo disso foi o fato de que, no auge da aplicação dos conceitos e técnicas da qualidade, foram enfatizados apenas a qualidade do produto final e o cliente externo. Ficaram completamente esquecidos o cliente interno e os processos de relacionamento voltados para uma ênfase em cooperação, característicos de uma gestão integrada. Faltaram a descoberta das interdependências e as urgentes medidas gerenciais que semeassem a consciência de inovação no convívio e no processo produtivo. Daí resultaria a adoção da gestão integrada, que faz muita falta até hoje. O investimento será sempre mais completo e de efeitos mais consistentes se feito em inovação na gestão. Inovação para uma cultura organizacional que, incluindo esses valores, vai acordar para a sinergia. Sinergia que vai assegurar, antes e acima de tudo, a colaboração entre pares, ainda que em áreas não aparentemente afins.

Como aconteceu em vários momentos de mudança e inovação na história da humanidade, na implantação de uma cultura de sinergia estaremos produzindo previamente a liberdade essencial para a comunicação entre sábios e leigos, entre técnicos e vendedores, entre marqueteiros e financistas, entre pessoas que não deixarão de ser o que são, mas vão se tornar interlocutores que se ouvem e se buscam para garantir, de forma absolutamente metódica e produtiva, uma verdadeira malha viva de relações de interdependência aprendida no dia a dia. Faço uma pergunta essencial: quando foi que o fígado deixou de ser fígado e o estômago deixou de ser estômago pela falta de uma parede que os mantivesse isolados? Cada um tem sua função, mas elas são absolutamente complementares. Há sinergia entre eles! ́reas hoje compartimentadas poderão contribuir muito para melhores resultados quando começarem a se falar. Pode-se chamar isso de aposta. Mas é a sinergia.


Conjunto harmonizado
O lógico e o racional não se esgotam no exato e no quantificado. O potencial de contribuição do novo, tomado isoladamente do seu contexto, será restringido, a ponto de tornar-se insustentável. A inovação será um conjunto harmonizado de novos processos de gestão que vão gerar e gerir novas relações produtivas entre áreas que, trocando entre si saberes, informações e ideias, vão assegurar invenções competitivas e conquistadoras de mercados e clientes. Estes, ou continuarão preferindo uma determinada marca vitoriosa ou vão optar pelos produtos que forem para o mercado com uma marca identificada com as características da inovação consistente. Mas isso não se dará sem busca sistemática e renovação de cultura que resulte em sinergia. Que fiquem, assim, mais claras as ideias e as palavras inovação, invenção e sinergia. O programa de inovação vai abranger a harmonia e o enriquecimento de que tanto precisam as empresas para alcançarem  a necessária contribuição para os resultados concretos que atendam e acrescentem dimensões mais competitivas aos objetivos do  Programa Brasil Maior.


* Heitor Chagas de Oliveira é membro da Academia Brasileira de Ciência da Administração

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