Criar um futuro promissor

de Fernando Teixeira em 17 de março de 2011

  Ao lado da carga tributária e dos juros altos, a taxa de câmbio tem sido apontada pela maioria dos empresários brasileiros como um dos principais entraves nos últimos tempos ao desenvolvimento de suas companhias. Isso porque a combinação entre dólar baixo e real valorizado prejudica as exportações e favorece as importações. Na prática, essa realidade gera uma competição desigual entre a produção doméstica e a internacional. Enquanto aguardam por parte do governo o anúncio de medidas macroeconômicas que tenham capacidade de tornar o mercado mais equilibrado, empresas investem na qualificação de seus profissionais como uma alternativa para driblar a concorrência, sobretudo dos produtos e serviços asiáticos. Trata-se de uma política antiga, mas com resultados concretos.

O professor Paulo Lemos, superintendente regional do Instituto de Desenvolvimento Educacional/Programa FGV Management São Paulo, observa que aumenta a cada ano, na instituição em que ele trabalha, o número de alunos patrocinados por suas empresas para cursos de pós-graduação e MBA. Segundo Lemos, ter um quadro de funcionários apenas com a formação básica, ou seja, o ensino superior completo, não é suficiente, hoje, para fazer com que a companhia se torne mais competitiva. “A gradual abertura da economia fez a concorrência ficar mais acirrada. As empresas nacionais precisam se tornar mais competitivas para não morrer e dependem cada vez mais dos funcionários para produzir melhor. É a lei da selva. Você tem de ser melhor do que seu concorrente”, afirma.

Ajuda da empresa
A Fundação Getulio Vargas (FGV) conta hoje com oito mil alunos matriculados em todas as suas unidades em cursos de especialização. Desse total, conforme Lemos relata, cerca de 10% recebem ajuda da companhia com a despesa. As bolsas costumam variar de 50% até 100%. Já no Insper, esse percentual oscila mais entre 60% e 70%. Poucos casos chegam a 100%. A instituição tem 3,5 mi alunos em cursos de pós-graduação, sendo que aproximadamente 2/3 contam com algum tipo de auxílio com as mensalidades. Assim como Lemos, Irineu Gianesi, diretor de pós-graduação lato sensu do Insper, acredita que o capital intelectual representa o principal recurso da empresa para enfrentar a concorrência externa. Na opinião dele, ao pagar um curso de especialização para o seu funcionário, a corporação realiza um investimento com alto nível de retorno.

“Na medida em que surge um problema interno na companhia, o profissional pode utilizar o que aprendeu no curso, seja na sala com o professor ou mesmo em contato com outros alunos, para gerar soluções pragmáticas. Se isso for feito, o benefício para a empresa será muito maior, inclusive em termos financeiros, do que o investimento que ela teve para custear o curso para o seu funcionário”, explica Gianesi. A prática também serve, argumenta o diretor do Insper, para evitar a ameaça de falta de mão de obra qualificada, problema que já atinge muitas empresas brasileiras, principalmente de setores ligados a geologia e engenharia. “É importante enxergar esse perigo com antecedência, pois reverter essa situação será no futuro mais custoso e difícil. Por outro lado, garantir o investimento é a segurança do sucesso da empresa”, acrescenta.

Quem compartilha a opinião de que investir nos profissionais é um dos pontos de sucesso da empresa é o escritório de advocacia Mattos Filho. Para aprimorar a formação técnica dos seus profissionais, o escritório se propõe a pagar diversos cursos de capacitação, seja de idiomas ou mesmo de especialização. No começo deste ano, aproximadamente 70 advogados estão sendo beneficiados com bolsas que variam entre 50% e 60%. “Faz parte da cultura do escritório. Acreditamos que, ao investir na formação técnica dos nossos advogados, garantimos a eles uma vivência maior que no futuro será importante para aproximá-los dos clientes”, diz Marisa Gullo Daumichen, diretora de gente do Mattos Filho. “É um investimento de longo prazo com excelente retorno, uma vez que traz uma enorme maturidade ao profissional”, acrescenta.

Dos 70 advogados beneficiados com a política, cerca de 10 estão fora do país, fazendo um mestrado em alguma universidade no exterior. Com uma carga horária extensa, o curso exige dedicação exclusiva. Para isso, o escritório concede uma licença ao funcionário, além de uma verba auxiliar para custear as despesas durante os noves meses de duração do curso.

Retenção
Com objetivo de manter um elevado nível em sala de aula, representantes da Fundação Dom Cabral (FDC) participam da montagem da turma que irá cursar o MBA na modalidade consórcio, voltada para executivos que buscam um aperfeiçoamento em sua carreira. “Esse trabalho tem como foco evitar que sejam matriculados alunos que não possam acompanhar as discussões em sala”, afirma Cristina Martins, gerente de projetos da FDC. Segundo ela, 99% dos profissionais que optaram pela modalidade consórcio têm o curso custeado parcialmente pela empresa. Hoje, são duas turmas por ano com 45 alunos. Além disso, a FDC também oferece cursos de pós-graduação para profissionais em início de carreira. “Agora, nesse caso específico não sabemos de companhias que bancam esse tipo de benefício. O contrato é estabelecido com o próprio participante. Mas pode ser que haja um reembolso”, frisou.

#Q#

Incentivo a mais
A preocupação com a concorrência e a melhor qualificação dos colaboradores, entretanto, não são os únicos motivos que levam uma empresa a pagar um curso de pós-graduação ou MBA para o seu empregado. Por trás da iniciativa, também existe o interesse da própria companhia em reter um funcionário, cujo futuro promete ser promissor. “A prática é percebida como um incentivo que se torna mais tarde uma medida de retenção”, avalia Renato Gutierrez, consultor sênior da Mercer. As corporações costumam ter as regras bem definidas para conceder o benefício. O subsídio deve atender às estratégias de negócios das empresas e às qualificações necessárias às funções. Em outros casos, a demanda pode vir do colaborador. Em contrapartida, a falta de uma política definida poderá afetar de forma negativa o clima organizacional da companhia. Isto é, com regras, diminuem as chances de disputas internas.

“Em linhas gerais, é preciso ter políticas claras e bem definidas para esse tema. Adotar critérios para os elegíveis, tais como boas avaliações de desempenho e de potencial, identificação de talentos, além de vincular o programa ao desenvolvimento de carreira, entre outras medidas”, diz Gutierrez. Na outra ponta, os empregados também devem assegurar que o benefício seja um investimento seguro da empresa. Por isso é obrigatório ter um limite mínimo de frequência nas aulas e notas acima da média. Em alguns casos, ainda se estabelece um contrato que vincula o funcionário na companhia até um determinado período após a conclusão do curso. Para Gutierrez, todas as condições são positivas na medida em que fazem com que o funcionário se sinta responsável, não se acomode e tenha noção do investimento que está sendo realizado.

Sócia da área de People & Change da KPMG no Brasil, Patrícia Molino, lembra dos riscos inerentes ao processo. Ao ingressar no curso, o empregado terá contato com outros profissionais de grandes empresas, especialmente no caso de pós-graduação e MBA, considerados um celeiro para o network e a troca de experiências. “É lógico que serão discutidas questões salariais e condições de trabalho. O funcionário, que estará atento às novidades do mercado, pode se sentir inferiorizado. Isso pode levá-lo a procurar outro emprego dentro daquele universo. Em suma, o sujeito se esquece de que a companhia pagou o curso para ele e, para piorar, não transforma o investimento em um retorno”, afirma Patrícia. Para não correr esses riscos, algumas empresas oferecem cursos de MBA exclusivos para determinadas áreas internas. “São formadas turmas, por exemplo, só com gerentes de uma mesma corporação”, explica.

Gutierrez ressalta que, às vezes, o assédio parte de outras companhias. “Mas desde que a empresa que oferece essa qualificação gerencie remuneração, clima e carreira, esse risco torna-se bem menor”, diz o consultor sênior da Mercer. A Estáter, que concebe e executa processos de reestruturação acionária de grupos empresariais, não teve esse problema quando o analista Alexandre Braga de Andrade iniciou, em 2007, um MBA no Insper. “No curso, você tem contato com muita gente do mercado. É um network interessante. Apesar disso, não apareceu uma oportunidade e eu também não tive o interesse de procurar. A perspectiva era e continua sendo boa na minha empresa. Aliado a isso se soma o ambiente de trabalho que é muito favorável”, afirma Andrade. A Estáter, que tem 35 empregados, não tem uma política oficial de bancar a qualificação de seus profissionais. Agora, se fizer sentido para a empresa, o benefício pode ser concedido.

Problema moral
“Não esperava receber nenhum incentivo. Fui avisá-los sobre a carga horária, uma vez que teria de adequar minhas horas de trabalho com as aulas. Eles gostaram da iniciativa, perceberam que agregaria para companhia e decidiram pagar 50%. Me senti identificado com a empresa, além de valorizado”, afirma Andrade, que entrou na Estáter, em 2005, como trainee. “Se saísse da empresa no meio do MBA, apenas teria de pagar o restante do curso. O único problema seria moral”, admite. De olho na qualificação de seus empregados, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) começou, em 2002, a custear cursos de graduação, técnicos, de pós-graduação e MBA. Atualmente, 59 dos 482 funcionários recebem um subsídio que varia entre 50% e 90%. “Foi uma forma encontrada para fidelizar nossos talentos, que deixavam a entidade para atuar em outras companhias”, recorda Regina Santana, chefe de responsabilidade social da ACSP. Sem revelar valores, ela diz que a associação dispõe de um orçamento anual para essa finalidade. “Quem não estuda, aqui, não faz por opção mesmo”, complementa.

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