Gestão

Crise impacta RH, pero no mucho

de Vanderlei Abreu em 21 de setembro de 2009
Mondelli, da Mercer: empresas estão focando investimentos nas pessoas que desejam reter e desenvolver

A crise financeira mundial afetou dramaticamente os investimentos em gestão de pessoas nos EUA e em países da Europa, regiões mais atingidas pelo colapso originado a partir dos subprime americanos. Já na América Latina o cenário é diferente: uma espécie de otimismo manteve o curso das ações de RH, puxadas, principalmente, pela boa condição econômica do Brasil. Essas são as principais impressões de um levantamento global realizado pela
Mercer, recentemente.

Segundo Ilya Bonic, líder global de pesquisas da consultoria, o estudo tomou por base alguns segmentos de negócios que foram impactados pela crise de diferentes formas e agrupados em três categorias (ver tabela na página 80). A primeira reuniu as empresas que foram mais afetadas e que estão lutando pela sobrevivência. A segunda é composta por organizações que tiveram um impacto moderado; e a terceira agrupa as companhias que se mantiveram estáveis. Os setores que mais sofreram foram o de serviços financeiros, a indústria automobilística e as companhias aéreas.

Bonic afirma que essas empresas (as que mais sentiram o baque) encaram os desafios como oportunidades. No entanto, como acrescenta o consultor, vale destacar que as condições de mercado mudam rapidamente. Ou seja, essas organizações que lutam pela sobrevivência tomam diferentes tipos de ações sob condições adversas para reagir, dependendo da saúde do negócio.

Em alguns casos, essas reações podem ser mais moderadas. Por exemplo: as empresas, em vez de cortar pessoal, podem propor ações com base numa composição de custos, como redução de carga horária e remuneração. “Mas as decisões sobre os salários para todos os empregados têm sido estendidas muito mais para o alto escalão”, reconhece Bonic.
O coordenador geral da pesquisa ressalta, ainda, as ações de redução de pessoal feitas nos países do chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e ao redor do mundo. Bonic destaca a alta rotatividade na China e na Índia, com movimentação entre 20% e 25% ao ano, em média. Por outro lado, ele conta que os trabalhadores indianos terão, em 2009, um aumento salarial entre 12% e 15%. No geral, ele considera que as empresas globais já fizeram os maiores ajustes em seus quadros, mas não descartam fazer mais alguns cortes até o final do ano.

Ele acrescenta que em companhias globais há, geograficamente, diferentes níveis de performance e pelo fato de a América Latina, especialmente o Brasil, ter unidades de negócio de alto desempenho, elas acabam priorizando ações mais moderadas nos negócios locais.

Na opinião de Alberto Mondelli, diretor-geral da Mercer no Brasil, apesar de, lá fora, as indústrias automobilísticas estarem imersas em problemas financeiros, por aqui elas estão indo muito bem, tanto que o melhor mês da história para esse segmento foi junho deste ano. Ainda comparando com os setores mais afetados nos mercados americano e europeu, vale lembrar que, no de serviços financeiros, dos dez bancos que mais cresceram no primeiro semestre em todo o mundo, quatro são brasileiros.

E por falar nessas instituições, Mondelli afirma que os bancos brasileiros, ao contrário dos estrangeiros, estão mantendo suas políticas de investimentos em RH devido à sua autonomia, ou melhor, descolamento maior do foco da crise. “Eles não têm uma matriz que está em uma situação difícil e que está tentando tirar todo o lucro que têm aqui para financiar as operações lá de fora”, explica.
 
Contradição
O estudo apontou certa contradição das companhias pesquisadas, especialmente entre as que foram mais impactadas: elas buscam reter seus talentos, mas cortam investimentos em treinamento e desenvolvimento. Mondelli justifica esse paradoxo pelo fato de as empresas estarem segmentando seus investimentos em gestão de pessoas. “Apesar de as organizações reduzirem os investimentos em treinamento, elas estão focando as pessoas que desejam reter e desenvolver. É isso que está fazendo a diferença na América Latina e nos segmentos menos afetados”, considera.

Esses ajustes também valem para as políticas de remuneração e benefícios. O consultor explica que, em geral, as empresas estão evitando conceder aumentos além dos tradicionais dissídios e trabalhando mais o conceito de meritocracia. “Elas também estão considerando as mesmas ações para os programas de remuneração variável, bem como para os bônus de curto e longo prazos”, acrescenta.

Sobre os planos de benefícios, o executivo informa que as organizações estão mantendo as mesmas políticas de controle de custos, independentemente da crise. “O que está sendo feito é uma maior preocupação, por parte das empresas, em entender por que os custos de assistência médica estão excedendo e como fazer para controlar esse crescimento, por exemplo, com algum programa de qualidade de vida”, analisa. “As companhias preferiram negociar com as seguradoras e estão tentando fazer com que a experiência do plano seja melhor ou controlando as variáveis dos empregados que estão impactando os custos”, completa.

Prova dessa política é a operadora de TV por assinatura SKY, que trocou recentemente sua operadora de saúde, mantendo o mesmo nível de qualidade do plano anterior, mas com melhor relação custo-benefício. “É uma gestão de custos permanente que faz parte da nossa dinâmica de negócio”, afirma Roseli Parrella, diretora de capital humano.
A executiva ainda afirma que a empresa continua firme em seu investimento em treinamento, com foco no desenvolvimento de lideranças. “Num momento em que o mercado retrai os investimentos, nós estamos seguindo adiante com eles porque acreditamos que as pessoas têm memória e é exatamente nesse momento que precisamos nos fortalecer para um crescimento vindouro”, avalia.

Esse treinamento, chamado Líderes HD (Human Development), em uma analogia ao novo produto da SKY, a TV HD (High Definition), é aplicado a profissionais que tenham sido recém-promovidos a cargos de gerência, além de promover uma reciclagem aos demais funcionários em posições de liderança. A SKY, que tem 1,3 mil funcionários diretos e mais de 20 mil indiretos, também não efetuou nenhum corte de funcionários, muito pelo contrário; vem mantendo o ritmo de contratações dentro das demandas da organização.
 
Setor elétrico segue tendência global
Assim como foi apresentado no estudo da Mercer, o setor de energia está entre os que mantiveram a estabilidade nos negócios. Particularmente no Brasil, pelo fato de se tratar de um setor que é regulado pelo governo, as distribuidoras de eletricidade não enfrentam concorrência, mas sentiram um impacto gerado pela redução no consumo, especialmente o empresarial.

Na opinião de Pérsio Asprino Pinheiro, diretor de remuneração, benefícios, expatriados e orçamento de RH do Grupo AES Brasil, o setor de energia elétrica costuma fazer um monitoramento constante das práticas de RH, independentemente de crise econômica, tanto em relação à competitividade quanto aos custos.

Por outro lado, o executivo considera que, embora o segmento tenha práticas consideradas agressivas no que se refere à atração e retenção de talentos, ainda se faz necessário um refinamento das práticas de gestão de pessoas que já estão implantadas. “Apesar de ser um mercado ainda novo, por ter pouco tempo de privatização, cerca de 10 anos, temos um grande desenvolvimento de práticas e políticas de RH que vem acelerando o patamar de gestão dessas empresas que, durante muito tempo, foram estatais e agora são privadas. Em minha opinião, a velocidade de implementação de políticas de recursos humanos é bem interessante”, atesta.

E é justamente essa mudança de status das empresas que faz com que Pinheiro reforce a necessidade de um refinamento dessas práticas: não se consegue mudar a cultura de uma empresa que foi estatal durante 100 anos de uma hora para outra. “Seria um choque cultural muito grande. O refino busca melhorar as práticas de gestão e vislumbrar oportunidades de melhoria e de implementação de estratégias e políticas”, conceitua.

Altenativa inteligente
Em linhas gerais, tanto Pinheiro quanto Roseli acreditam que as empresas estão tomando decisões mais inteligentes, como negociar com os funcionários, pois eles estão mais sensíveis e dispostos a colaborar com ações como, por exemplo, redução de jornada com proporcional redução de salários. “Em vez de optarem, como no passado, por cortar pessoal, congelar salários e investimentos em pessoas, elas [companhias] estão tentando tomar medidas mais inteligentes e em consenso com os colaboradores para não machucar a organização e evitar, depois, um momento de retomada mais longo e lento”, alega a executiva. “Em minha opinião, a grande aprendizagem é perceber como as empresas estão tratando essas questões e de forma menos imediatista. Elas estão avaliando os principais reflexos que o cenário mundial está trazendo para as unidades locais, mas estão mais cautelosas nas suas ações”, finaliza.

Forte impacto

Impacto moderado Estabilidade
Empresas Empresas Empresas
> Serviços financeiros
> Indústria automobilística
> Companhias aéreas
> Bens de consumo
> Indústria farmacêutica
> Comércio varejista
> Energia
> Educação profissional
Ações tomadas sobre
a força de trabalho
Ações tomadas sobre
a força de trabalho
Ações tomadas sobre
a força de trabalho
> Significativos cortes e
limites na contratação de
prestadores de serviços
> Congelamento
de salários de todos
os empregados
> Eliminação de bônus
Foco na retenção para
seleção de líderes-chave
> Redução de níveis
hierárquicos Implementação
de plano de
benefício único
> Congelamento de
salários para algumas
categorias de empregados
> Redução no pagamento de
bônus (objetivos
restritos e fixação de metas)
> Cancelamento de aumentos
por mérito e adiamento na
contratação de serviços não essenciais
> Ajustes de trabalhadores de
baixo desempenho
> Garantia de trabalho aos colaboradores de alto desempenho que estejam alinhados às oportunidades de negócio
> Observação constante dos talentos
> Investimentos no planejamento de pessoal
> Limite aos aumentos de salários
> Incremento do uso de remuneração variável
> Substituição de empregos
por prestadores de serviços de baixo custo
> Redução de custos de treinamento
> Substituição de investimentos de alto risco por empregados

Veja também:
Ajustes necessários

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