Saúde

Dar a volta por cima

de Fabíola Tarapanoff em 11 de fevereiro de 2009
Mara Gabrilli: depois de um grave acidente que a deixou tetraplégica, a recuperação e os desafios para ajudar outras pessoas com deficiência

Não conseguia respirar sozinha, nem me mexer. Mas nunca fiquei mal com o que tinha ocorrido e procurei me cercar de pensamentos que pudessem diminuir o sofrimento.” O depoimento da vereadora paulistana Mara Gabrilli (PSDB) revela uma característica que está cada vez mais valorizada no mundo corporativo: a resiliência. O termo foi inicialmente utilizado na Física para definir a capacidade de um corpo físico voltar ao seu estado normal depois de ter sofrido uma pressão, e passou a ser utilizado para descrever a capacidade de um indivíduo, mesmo num ambiente desfavorável, de construir ou se reconstruir frente às adversidades. E Mara é um exemplo disso.

Ela sofreu um acidente de carro em agosto de 1994, quando passou um fim de semana em Paraty (RJ) com um amigo e seu ex-namorado, Paulo. Na subida da Serra de Taubaté, Paulo, que conduzia o veículo, perdeu o controle do carro, que capotou numa curva, caindo 15 metros barranco abaixo. Ela quebrou a quarta e a quinta vértebras cervicais e teve uma lesão medular na altura da terceira vértebra. Ficou tetraplégica e nos seis primeiros meses precisou da ajuda de aparelhos para respirar.

“Quando pude respirar sozinha, a sensação foi de muita liberdade, mas o fato de não andar mais pesou muito”, lembra. Mesmo diante das dificuldades, Mara seguiu em frente e fundou, em 1997, a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), hoje chamada de Instituto Mara Gabrilli, que visa melhorar a qualidade de vida e promover o esporte para pessoas com deficiência física e fomentar pesquisas científicas para a cura de paralisias. Além disso, em 2005, foi convidada pelo então prefeito de São Paulo José Serra para organizar a recém-criada Secretaria de Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (Seped) e encarou o desafio.

No ano de criação da secretaria havia 300 ônibus adaptados para pessoas com deficiência física na capital paulista. Hoje, são 1,6 mil. Mara criou, ainda, projetos culturais, esportivos e educativos e aprovou, junto às subprefeituras, as reformas de calçadas com acesso universal: rampas, piso tátil e espaços para circulação. Conseguiu, também, instituir uma central de intérpretes de Libras, linguagem de sinais específica para portadores de deficiência auditiva. “O importante é não desistir; a religiosidade e meu temperamento me ajudaram a buscar saídas”, conta Mara.

A experiência da vereadora mostra que é possível superar as barreiras e ir de um extremo ao outro dos seus limites, sem se romper. E a característica presente em Mara, a resiliência, pode ser desenvolvida e vem chamando a atenção de gestores de recursos humanos de muitas companhias. E esse interesse não é difícil de ser explicado: com a necessidade de manter a empregabilidade num mercado de trabalho extremamente concorrido e em meio à atual crise que assola o mundo, é cada vez mais necessário contar com profissionais que saibam lidar com pressão, prazos curtos e outras adversidades.

Claudia, do grupo Quantum: importância do coaching no processo de autoconhecimento

Reconfiguração
Segundo especialistas, uma pessoa que possui resiliência é capaz de recuperar-se e moldar-se novamente a cada obstáculo e a cada desafio superado. A vice-coordenadora do MBA Gestão Estratégica da Tecnologia da Fundação de Apoio ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (FIPT), Lisete Barlach, explica que a resiliência pode ser definida como uma reconfiguração interna, de sua própria percepção e atitude diante da adversidade ou trauma. “Trata-se de uma adaptação do indivíduo frente a uma situação excepcionalmente adversa, ou mesmo traumática, caracterizada por alto potencial destrutivo ou desintegrador das estruturas e recursos pessoais”, acrescenta.

E adversidades são cada vez mais frequentes, como mostra um estudo realizado por Lisete, que analisou o cotidiano de 32 executivos e gerentes com idades entre 25 e 40 anos e salário médio superior a 5 mil reais. De acordo com a pesquisa, os profissionais encontram dificuldades para conciliar as demandas do trabalho, dos estudos e da vida pessoal. “A maioria dos executivos sofre com a grande carga de trabalho e com a pressão de ter uma educação continuada. E quando tem um tempo livre, sente-se culpada”, relata Lisete. Ela lembra de um executivo que participou do estudo e que confessou ficar “paralisado” no fim de semana e, quando se aproximava o fim de domingo, passava a ficar desesperado por não ter conseguido estudar o suficiente.

Para a especialista, esse tipo de atitude é um dos traços que revela a dificuldade dos profissionais em resistir a pressões e apresentar resultados positivos. Em sua pesquisa, ela identificou que a maioria não possuía recursos para ser mais resiliente e apresentava sinais de estresse e desentendimentos com seus parceiros. “O único executivo que desenvolveu a resiliência foi um rapaz que, em seu tempo livre, retomou o hobby de construir miniaturas de carros. Isso recarregava suas baterias e o ajudava a lidar com as pressões do dia a dia e crescer profissionalmente”, explica.

Papel estratégico
Mas como o RH pode contribuir no desenvolvimento da resiliência? O primeiro passo, como explica a psicoterapeuta Claudia Riecken, autora do livro SobreViver – Instinto de vencedor – Os 12 portais da resiliência e a personalidade dos sobreviventes (Editora Saraiva), é identificar essa característica nos funcionários. E isso pode ser feito por meio de um teste, como o do Método Quantum, criado há 10 anos por Claudia, que hoje preside o Grupo Quantum Assessment no Brasil.

O método, utilizado por cerca de duas mil pessoas no país e aplicado por empresas como Serasa e Unilever na América Latina, foi elaborado quando a psicoterapeuta enfrentou um dos períodos de maior adversidade em sua vida. Na época, ela atuava como professora universitária e autônoma, havia tido sua terceira filha e passava por enormes dificuldades financeiras. Sua carreira oscilava entre altos e baixos. Começou, então, a se dedicar à criação de uma ferramenta, com base em pesquisa científica, que permitisse alta acuidade na avaliação do comportamento de profissionais.

Para Claudia, a área de RH deve trabalhar diretamente com a diretoria da companhia para ajudar no desenvolvimento de competências como a resiliência em seus funcionários. “O gestor de recursos humanos precisa participar das decisões de uma maneira mais estratégica, trabalhando de forma intensiva em comunicação interna, em todas as áreas, para mudar aspectos comportamentais que podem invalidar profissionais com grande potencial”, diz, destacando que um dos pontos principais do desenvolvimento dessa competência capaz de fortalecer o colaborador é o autoconhecimento. “Na minha opinião, trata-se de uma questão de saúde pública”, ressalta.

Lisete, da FIPT: cada vez mais os profissionais encontram dificuldades para conciliar as demandas do trabalho, dos estudos e da vida pessoal

Nesse sentido, ela destaca o papel do coaching como ferramenta eficaz para aprimorar esse autoconhecimento e, consequentemente, desenvolver a resiliência. Isso porque o coaching ajuda na identificação de forças e fraquezas e no desenvolvimento de competências desejadas pela organização – o que fortalece o indivíduo, seus resultados e ajuda a sobreviver no mercado. E como acrescenta a especialista em carreiras e diretora da Choice Consulting, Maria Lucia Pettinelli, num mercado competitivo como o atual, possui mais chances de sobreviver quem é capaz de enfrentar dificuldades de todo tipo e continua firme no propósito de levar à frente suas metas de crescimento, com otimismo e autocontrole.

Faca de dois gumes
Proporcionar uma boa investigação da performance de um funcionário ajuda a aumentar o grau de conhecimento que ele tem de si, auxiliando-o a lidar melhor com a pressão do dia a dia. “Ninguém entra numa sala e ensina as pessoas a terem mais resiliência. Essa competência aprende-se na vida”, ressalta Maria Lucia. No entanto, com o auxílio do coaching é possível criar um diálogo estruturado que possibilita que o indivíduo veja a sua trajetória sob outro ponto de vista. Mas, para que esse processo tenha resultado, é preciso que o colaborador deseje essa mudança. “Assim, a resiliência pode ser desenvolvida quando a pessoa vivencia situações difíceis e possui um acompanhamento para entender o que pode aprender com situação”, comenta a diretora.

Falar em capacidade de enfrentar adversidades ou questões extremamente traumáticas e ainda sair “pouco chamuscado” pode levar alguns gestores a imaginar estarem na pele de super-heróis ou diante deles. Tal percepção não daria margem a aumentar a sobrecarga de trabalho ou de responsabilidades a um profissional? Maria Lucia lembra que alguns críticos indicam que essa nova competência pode ser uma faca de dois gumes, na medida em que, às vezes, é usada como pretexto para demandar mais do que as pessoas podem entregar com consequências penosas para a saúde física e mental. “Mas, assim como materiais distintos apresentam graus diferenciados de elasticidade, os profissionais precisam avaliar seus limites ao estresse ou a ambientes hostis, procurando encontrar o ponto interno de equilíbrio, que é quase como impressão digital, cada um tem a sua. Qualquer comportamento em exagero pode ser nocivo como qualquer atitude levada ao extremo.”

Mais uma vez destaca-se a importância do autoconhecimento: é imprescindível considerar as suas próprias características, valores, experiência acumulada, tolerância à frustração.

“Resistir ao seu superior, que insiste em dizer que você não é bom chefe porque ouve seus subordinados, pode ser de extrema importância se você julgar que para atingir os excelentes resultados que vêm obtendo precisa se relacionar bem com a sua equipe”, comenta Maria Lucia.

Ela lembra, ainda, que é preciso ter cuidado com os clichês do tipo “Tem sucesso quem deixa de lado as emoções” ou coisas do gênero. “Resiliência não é deixar de ter emoção; é estar envolvido a ponto de poder avaliar com tranquilidade todas as circunstâncias e tomar as decisões certas sem sofrimento”, finaliza.

Ponto de partida
A seguir, algumas dicas que podem ajudá-lo a se tornar mais resiliente:

– Mantenha-se em contato com os seus recursos internos.
– Reconheça que existe um problema e que uma nova solução é necessária.
– Tenha flexibilidade e jogo de cintura.
– Aceite os “altos” e “baixos”.
– Reconheça o seu valor, suas fraquezas e seus erros.
– Fale abertamente a outra pessoa sobre a adversidade que o incomoda. Uma nova forma de observar o problema pode ajudar a resolvê-lo.
– Divida o plano de superação em etapas.
– Perceba o outro, preste atenção e avalie.
– Desenvolva a sua criatividade.
– Enfrente, supere, restaure e prospere.
– Tenha confiança de que irá superar a adversidade.

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