O direito de ser o que é

de Gumae Carvalho em 29 de janeiro de 2018

Profissionais falam da importância de serem reconhecidos, e respeitados,
pelo que eles são

* Matéria originalmente publicada na edição nº 348 (novembro/2016) da revista

Isabela: interesse pelas competências

Isabela: interesse pelas competências

Joy, Isabela, Bruna. Muito mais do que fontes para esta matéria, essas pessoas são exemplos de uma conquista concretizada no decreto nº 8.727, que trata da questão do nome social. O nome social foi a soma dos esforços de movimentos de direitos humanos e grupos LGBTs e é considerada uma alternativa para a falta de legislação, possibilitando que as pessoas transgêneros sejam socialmente reconhecidas com a identidade com que se identificam.

E Joy Rafael Alves, de 21 anos, optou por esse direito. O jovem integrou o programa do Espro – Ensino Social Profissionalizante, e considera a socioaprendizagem profissional um programa de inclusão social, não apenas por inserir jovens no mercado de trabalho, mas, principalmente, por aceitar o público trans. “É muito bom ter um local onde sou reconhecido como eu realmente sou”, diz.

Bruna: pergunta certa no primeiro dia

Bruna: pergunta certa no primeiro dia

A aceitação por sua opção foi mais rápida com os outros jovens do que com os colegas de trabalho. “No ambiente corporativo, há a junção de várias culturas, religiões e gerações. Venho lidando diariamente com isso, conversando e mostrando que os transgênero são humanos iguais a eles”, conta. Já durante a atividade teórica, os jovens lidaram como a situação de maneira curiosa e nova. “A vontade de me tratar corretamente e me respeitar me chamou a atenção. Todos se mostraram bem prestativos e atenciosos. Foi muito legal.”
Para ajudar esses jovens a serem reconhecidos pelo nome de escolheram, e respeitando e até mesmo divulgando o direito dos travestis e transexuais em relação a isso, e, ainda, sabendo da importância de aceitação de que jovens de 14 a 24 anos necessitam na fase da adolescência, o Espro adotou o uso do nome social nos processos e sistemas que utiliza em seus programas.

Alessandra: sem mexer na identidade

Alessandra: sem mexer na identidade

Já Isabela Bilak não passou pelo Espro, mas foi bem aceita na empresa em que trabalha. Logo que começou a trabalhar na Catho, a analista de qualidade recebeu um convite de sua coordenadora para um bate-papo. Na conversa, a gestora dela mostrou muita preocupação em como Isabela gostaria de ser tratada, falaram sobre utilização dos banheiros, sobre como as pessoas da equipe a receberam. “Ela me disse que eu poderia ficar bem à vontade, pois a empresa estava interessada nas minhas qualificações, no que eu acrescentaria para a companhia, e não no que eu sou”, lembra Isabela.
Poder ser o que é e utilizar o nome social na empresa é uma grande vitória para Isabela que, em outra companhia, durante o processo seletivo foi questionada pelo recrutador se, caso fosse aprovada, “estaria disposta a mudar a [própria] imagem”. “Isso me marcou muito e mostra que muitas empresas podem até contratar, mas daí a dar oportunidades de crescimento é bem diferente”, diz.
Sobre oportunidades e inclusão, Isabela diz que o caminho não é fácil: “São vários sapos que precisam ser engolidos, são vários passos para trás que precisam ser dados, mas com determinação e, acima de tudo, estudo, alcançamos nosso lugar. Não podemos nos queixar de falta de oportunidade se, quando ela aparece, não estamos preparadas para abraçá-la. Conhecimento quebra preconceitos, vence obstáculos”, destaca.

Joy: aceitação mais rápida pelos colegas

Joy: aceitação mais rápida pelos colegas

Operadora de telemarketing, também na Catho, a trans Bruna Silva da Cunha lembra que, certa vez, em uma entrevista de emprego, ouviu o seguinte comentário da recrutadora: “Pelo que percebi, você é uma pessoa muito polida, não é?”. Após Bruna confirmar, a interlocutora disse: “A nossa empresa tem um banheiro para deficientes, mas ele fica trancado. E, creio, não vamos conseguir abri-lo tão cedo”. “Nunca me esquecerei dessas palavras”, lembra. Mas ela se recorda, e bem, da primeira pergunta que ouviu assim que entrou na empresa atual: sobre como ela preferiria ser chamada. “Acertaram em cheio.”
A busca por igualdade de oportunidades não está restrita ao mundo LGBT. Mulheres ainda se ressentem de equidade salarial, por exemplo, pessoas com deficiências ainda estão fora do mercado, apesar das cotas, e os negros ainda convivem com o preconceito acumulado por gerações e gerações. Alessandra Salvador, coordenadora de atendimento na Catho, conta que, antes, praticamente não havia gestores negros no mercado de trabalho. “Por isso, ter poder de decisão não era algo comum. Mas, aqui na empresa, meus gestores sempre me apoiaram e reafirmavam os meus discursos conforme as decisões que eu precisava tomar”, diz.
Untitled-1Ela lembra que passou quase um mês no trajeto capital paulista – Barueri, cidade na Grande São Paulo onde está a sede da Catho, até encerrar o processo de seleção. E conta que o processo de seleção foi bem rigoroso, com várias etapas de testes e de entrevistas, como é para todos os funcionários.
“Sempre gostei de usar e abusar das possibilidades de look que a minha raça proporciona: já trancei o cabelo; fiz megahair; relaxamento e, por diversificar muito, em cada momento tive uma ‘carinha’ e um estilo diferente para usar”, conta. E esse tipo de atitude já lhe causou, no passado, alguns feedbacks como “No papel de liderança, não é muito legal usar cabelo trançado”. “Porém, isso era querer mexer na minha identidade, e eu sempre afirmava que eu gostava e perguntava se havia algum problema com aquilo”, lembra. Não, Alessandra, não há nenhum problema em ser quem você, de fato, é ou gosta de ser. E isso vale para todas as pessoas.

 

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