Dividindo a conta

de Gumae Carvalho em 18 de maio de 2009
Ferreira, do Ise: pressão do mercado na conduta dos executivos

Se existe um consenso sobre a parcela de responsabilidade das escolas de negócios, nos EUA, na crise, por aqui o cenário é parecido, com poucas vozes dissonantes. Mas, ao mesmo tempo que se responsabilizam essas instituições, não se pode deixar de lado um outro aspecto que teve peso muito grande no atual cenário econômico, como lembra Adalberto Fischmann, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e secretário-executivo da Associação Nacional de MBA (Anamba): o mercado. “Pode existir [uma parcela de culpa], sim, mas não é a única causa. A pressão do mercado é um dos fatores que induziram a distorções na gestão, como a farra dos bônus, por exemplo”, destaca.

A história que justifica a frase do professor é conhecida: para ter bônus polpudos no fim do ano, exige-se dos executivos uma busca por resultados cada vez maiores em espaços de tempo inversamente proporcional – item preponderante para decisões equivocadas, como as que assistimos e que das quais derivou (aludindo aos hoje sombrios derivativos) um dos maiores colapsos econômicos das últimas décadas.

Não se trata de diminuir a culpa com o velho jogo do empurra-empurra. Há uma espécie de relação osmótica entre escolas e empresas que deve ser, de fato, repensada. Carlos Osmar Bertero, diretor acadêmico do Instituto de Desenvolvimento Educacional, da Fundação Getulio Vargas (IDE/FGV), explica que o pragmatismo que presenciamos atualmente no mercado não vem das escolas de negócios, mas da sociedade, que é mais e mais imediatista. “A escolas não criaram esses valores, mas os absorveram da sociedade. Não parece conveniente criticar o sistema, mas se incorporar a ele e tirar proveito, e isso fez com que as escolas de negócio perdessem sua perspectiva crítica”, diz o professor, que faz uma provocação: se alguém culpa as chamadas B-Schools pelo fracasso do sistema financeiro, deve, também, destacar a importância delas nos exemplos de sucesso ou períodos de bonança – ou esses louros ficariam apenas nas cabeças de poucos executivos e gurus?

Ingredientes indispensáveis
Um dos reflexos dessa corrida louca por resultados é a presença marcante do conteúdo em finanças na maioria dos programas de MBA, sobrepondo outros em que a visão humanista de todo o processo de formação de riqueza deve prevalecer. “Certamente, deixaram para um segundo plano, por exemplo, os fatores produção, transformação e inovação”, diz Fernando Trevisan, diretor da Trevisan Escola de Negócios. Para ele, a nova ordem econômica que emerge vai requerer profissionais que tenham o domínio profundo de pelo menos cinco temáticas principais: custos, controles internos, caixa, processos e riscos.

Luiz Marcatti, sócio e diretor da área de gestão da Mesa Corporate Governance, consultoria brasileira especializada em governança corporativa, também concorda com o fato de temas como a gestão de risco não terem recebido muita atenção nos programas de educação executiva. “Entendo que as escolas de negócios podem estar muito voltadas a orientar a formação dos seus estudantes alinhada às necessidades e expectativas das empresas. Assim, se as companhias estão focadas em processos de forte crescimento, consolidação de seu mercado, geração de caixa e valor das ações, atuação em mercados complexos e globalizados, é possível inferir que é nesse sentido que as escolas dirigem suas linhas acadêmicas”, observa, acrescentando que tanto acionistas quanto conselheiros vinham cobrando de seus executivos resultados crescentes em vários ou todos os pontos citados, valorizando muito mais o volume do que a qualidade dos negócios realizados. “Num ambiente com essas características, as questões ligadas a risco ficaram relegadas a segundo plano, quando estavam”, arremata.

Mas seriam apenas temas como risco e processos os responsáveis por ditar a nova onda da formação executiva daqui para a frente? Certamente não. É sempre bom acrescentar nessa (nova) receita porções generosas de ética, sustentabilidade e governança corporativa – caso contrário, o caldo pode desandar.

Os avanços da governança corporativa e da sustentabilidade são recentes no mundo empresarial. Para se ter uma ideia, de acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o conceito de governança corporativa surgiu nos EUA na década de 90, graças a um grupo de acionistas que percebeu a necessidade de criar regras que os protegessem de abusos de executivos das empresas e da inércia de conselhos de administração inoperantes. No Brasil, o primeiro código sobre o tema surgiu nove anos depois.

“São poucas décadas que nos separam de um mundo empresarial em que esses assuntos não eram debatidos e praticados pelas organizações. O que não se pode fazer, sob o risco de enterrar essas modernas e importantes questões que estão sendo colocadas para as empresas,é criticá-las sob a roupagem do ´de que adianta discutir se não são praticadas´”, diz Fernando Trevisan. Para ele, educação é um processo. “E um processo lento. Pode ter recaída e pode sofrer breves interrupções. Mas ele é contínuo e permanente.Somente vamos deixar de discutir essas questões quando elas efetivamente fizerem parte da rotina das empresas.”

E nem tudo parece perdido, a depender da visão de Fernando Trevisan. Para ele, nas principais escolas de negócios no mundo e no Brasil, particularmente, os currículos e programas estão sendo atualizados sob a forma de ajustes. “O reforço das disciplinas de gestão que focam o estratégico, que fundamentam as questões de sustentabilidade, que reforçam as questões de governança corporativa e que dão destaque para a gestão dos riscos e dos controles internos já estão sendo providenciados”, diz. “As escolas de negócios sintonizadas com a transformação por que passa o mundo corporativo já devem ter esses ajustes preparados e, se ainda não implementados, prontos para isso.”

Ao colocar no mercado uma parcela da responsabilidade na parte de culpa das escolas de negócios, deve-se esperar que esse mesmo mercado passe a fazer parte da solução, e não mais do problema. Imaginando-se que questões como ética e governança ganhem mais destaque nesses cursos, torna-se fundamental que os executivos encontrem campo para fazer a lição de casa, ou melhor: exercer o que aprenderam. Nesse caso, o local mais apropriado, para início de conversa, é a própria empresa em que trabalham.

Isso faz com que o RH tenha mais alguns desafios e repense seus programas de educação corporativa, focando-os também para questões éticas, e, ao mesmo tempo, crie um ambiente ou uma cultura baseados por esses valores. Dessa maneira, forma-se um círculo virtuoso, partindo-se da premissa de que os cursos são pautados pelo mercado.

Ambiente ético
Outro desafio para a área de recursos humanos é proposto por Fernando Trevisan: colocar em prática técnicas mais avançadas de avaliação de treinamento corporativo. “Avaliações de reação não são mais suficientes. O resultado dos treinamentos deve ser avaliado no processo, como modificação de atitude dos profissionais treinados. Reforçar os temas básicos, sim. Mas com profundas alterações nos sistemas de avaliação do resultado do treinamento corporativo”, diz.

E aproveitando que o assunto é mudança, que tal pensar em novos indicadores de desempenho, que não afastem ou tentem afastar os executivos do caminho correto na busca de resultados e que não criem mais uma farra de bônus? Uma ideia, dada por Marcatti, da Mesa, parece bem sugestiva:

“No Fórum Global de Governança Corporativa do Banco Mundial, ouvi o termo Return on Mission; talvez esse possa ser um excelente indicador de desempenho.”

Aumentar as discussões sobre aspectos morais e de governança nos programas de MBA, apenas, não resolve as coisas. Como lembra Paulo Roberto Ferreira, diretor-geral do Instituto Superior da Empresa (ISE) e professor da IESE, escola de negócios de Barcelona, as escolas podem fazer um trabalho mais profundo na formação ética, mas, no final, é o executivo sujeito às pressões do dia a dia que deve responder às demandas de forma responsável. Ou seja, se o mercado não mudar, nada feito. E é por essa razão que Freire não crê que as B-Schools tenham participação na atual crise. “O maior componente é a procura do lucro no sistema financeiro, mesmo que isso leve a altos riscos ou talvez torça as regras do comportamento ético.”

Ninguém em sã consciência vai afirmar que buscar resultados melhores é crime ou pecado. Isso é mais do que necessário, desde que exista um equilíbrio de aspectos ambientais, sociais e financeiros. Se não for por meio de passos sustentáveis, assistiremos a mais um processo selvagem que pode culminar em mais problemas para empresas e sociedade. “Temos de resgatar valores e propor novas linhas de pensamento. O mundo precisa se repensar; as empresas devem se reinventar e os líderes têm uma importância fundamental nesse processo”, lembra o professor e diretor da Escola de Administração Mauá, Hazime Sato. A grande questão é que os atuais líderes foram talhados em modelos antigos, nas escolas de negócios… Parece existir um círculo vicioso – a não ser que se invista mais na formação da liderança do amanhã, capaz de não cometer os erros de hoje para evitar, anos depois, a discussão sobre a parcela de culpa das escolas de negócio em crises futuras.

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