Gestão

Do papel para a prática

de em 7 de março de 2014
Crédito: Getty Images

As manifestações a que o país assistiu em junho do ano passado serviram para fazer muita gente (re)avaliar as mudanças pelas quais passam sociedades, governos e empresas. Ao menos, pelas quais deveriam passar. A busca por maior transparência e por condutas mais adequadas por parte de quem está no comando das principais instituições, públicas ou privadas, joga mais combustível, no bom sentido, nas discussões sobre ética. Mas vale a pena reforçar que não basta ficar no debate: é preciso partir para a ação.

Ou seja, não basta a mulher de César ser honesta, ela precisa, também, parecer. Da mesma forma, não basta uma empresa bradar para seus públicos que tem a lisura como parâmetro no fazer negócios ou no trato com os colaboradores. Deve ir além e dar e cobrar o exemplo. Mostrar para seus stakeholders que é ética e exigir que seus funcionários sigam a mesma linha, lembrando que em épocas de pressão por resultados cada vez mais mirabolantes, o “quanto” passa a dividir com o “como” a mesma importância. Daí se conclui que ética é um conceito e atributo fundamental na estratégia de uma empresa.

No que se refere ao RH, vale sempre lembrar que o comportamento dos colaboradores espelha o que a empresa representa no mercado e perante os seus públicos. Por essa razão, deixar claro o que ela espera de cada funcionário faz parte dos princípios da governança corporativa. Ao colocar no papel tudo aquilo que faz parte da sua cultura, missão e valores, a empresa contribui para criar ambientes e pessoas cientes do seu comprometimento e responsabilidades dentro da organização.

Rosmari, da LOréal Brasil: ética é um princípio não negociável

O tema ética sempre esteve presente nos programas de compliance do mundo corporativo, mas com a entrada em vigor da lei anticorrupção empresarial, no final de janeiro deste ano, os debates sobre o assunto ganham fôlego. A preocupação está focada nos controles internos exigidos pela legislação. Não por acaso, as multas que serão aplicadas caso encontrada alguma irregularidade podem chegar a abocanhar até 20% da receita das companhias.

Portanto, para não gerar à toa receita ao Fisco, vale a pena investir na construção de um código
de conduta ou simplesmente código de ética, como normalmente esse tipo de documento é conhecido dentro das empresas. Muitas vezes inserido no guia da cultura das organizações, como um anexo de boas práticas empresariais, ou até mesmo contando com áreas específicas na organização para abordar o tema, o documento é tão necessário quanto qualquer alinhamento estratégico. Quando bem elaborado, ele padroniza as ações das empresas no que diz respeito às condutas transparentes, voltadas ao respeito, à ética, aos valores e à conduta profissional dos colaboradores. Porém, especialistas alertam que, para o sucesso do projeto, deve haver o envolvimento de toda a empresa na criação de canais abertos de discussão, denúncia e esclarecimento de dúvidas, para que essas ferramentas funcionem como parceiras do código de conduta, gerando assim mais confiança entre todos os elos do processo.

A Apetit, empresa especializada em administração de restaurantes coletivos, entregou recentemente aos seus colaboradores o Guia da cultura Apetit e, dentro dele, o código de conduta ética da organização. Dividido por áreas de relacionamento que abrangem o colaborador, o cliente, o fornecedor, o concorrente, a comunidade e o meio ambiente, o documento tornou-se um manual de consulta dos cerca de dois mil funcionários da empresa. Apesar de existir há mais de cinco anos, o documento saiu do papel no final de 2013, após ser aprimorado e incluir o código de conduta ética entre suas páginas. Aliás, a última página do guia é uma espécie de documento que o funcionário assina e entrega para seu gestor imediato, deixando claro que está ciente sobre o que o guia trata.

#L# Segundo a presidente da Apetit, Márcia Manfrin, “quando nós falamos de código de ética, ele afronta toda e qualquer barreira e obstáculo em termos de informação. As pessoas querem uma diretriz e, ao separarmos o documento por relacionamento, ficou mais claro para todos entenderem o seu objetivo. Quando você deixa claro o seu modo de fazer negócio, as pessoas passam a olhar para você de outra forma e a entender os seus valores”, diz. Agora, continua a executiva, cabe à área de recursos humanos da Apetit e às lideranças atuarem cada vez mais com os profissionais de base para que ele seja parte da essência do colaborador.

De acordo com Márcia, a participação na elaboração do código aconteceu por meio das áreas de recursos humanos, marketing, qualidade e diretoria da empresa, porém toda a divulgação e disseminação do conteúdo do guia e do código é de responsabilidade do RH.

O gestor de pessoas possui um papel primordial na elaboração e aplicação do código de conduta ao decifrar os anseios da organização, colaborar para a produção do documento pensando no capital humano e aplicar o código de conduta na prática. Porém, sabe-se que as empresas possuem suas peculiaridades quanto à criação e aplicação do código de conduta ética e que, em alguns casos, são necessárias adaptações, que dependem do país, cultura e tipo de negócio em que ela atua.

Falando de lei

Com a chegada da Lei 12.846/13, as principais dúvidas que pairam no ar são se as empresas vão se adequar a ela e se as penalidades serão efetivamente aplicadas. Na opinião de Marilza Benevides, advogada especializada em compliance e ética certificada, a adesão à lei, no caso de empresas pequenas, se iniciará primeiramente por uma questão de receio e obrigatoriedade. Já empresas maiores tendem a adaptar a legislação aos seus programas de compliance. “As que possuem um pouco mais de experiência no sentido de código de conduta verão que a lei agrega mais valor para o seu negócio, porque vai fomentar a promoção da cultura baseada na ética”, observa a advogada.
Luiz Marcatti, advogado e sócio da Mesa Corporate, alerta que as empresas terão de ter cuidado, dependendo do setor em que atuam e do modelo de negócio. “Elas devem capturar a lei dentro das suas regras e buscar procedimentos que criem limitações quanto à questão de práticas ilegais de toda ordem, e corrupção é uma delas”, diz.
Para o gerente executivo da ICTS, empresa global de consultoria e serviços em gestão de riscos de negócios, ética e inteligência empresarial, Renato Santos, as empresas têm buscado ferramentas para identificar atos ilícitos, porém em relação à punição os resultados são bem menos animadores. “Identificar fraudes e atos ilícitos está evoluindo bastante, pois as empresas maiores têm montado áreas contra fraude e de identificação. Todavia, a punição ainda está incipiente até porque muitas companhias não conseguem demitir por justa causa por não terem provas suficientes.”

Peculiaridades e adaptações
No que diz respeito a empresas internacionais com sede em outros países, o processo pode demandar maior cuidado e tempo. Isso porque a unificação dos padrões éticos e de conduta, juntamente com as leis vigentes que abrangem a atividade, devem ser englobadas às filiais espalhadas no mundo, independentemente de sua localização.

É o que acontece na L’Oréal. A empresa de comésticos foi uma das primeiras na França a criar, em 2000, um código de ética empresarial. A companhia regulamenta o seu documento atual, que foi reformulado com base nos pilares de respeito às pessoas, respeito às leis e respeito aos costumes locais. Segundo Rosmari Capra-Sales, representante de ética da L’Oréal Brasil, “é por meio desse código que a empresa repassa aos colaboradores orientações sobre segurança e qualidade do produto, sobre a representação da empresa, informação confidencial, saúde, proteção e segurança, bem como assédio e diversidade”. Além disso, ele também trata de questões como conflitos de interesses, contribuição para a comunidade, consciência ambiental, papel do gestor, impostos, concorrência leal, igualdade no tratamento de fornecedores, entre outras.

Para o sucesso do projeto, a empresa optou por nomear um diretor de ética do grupo dedicado exclusivamente ao tema e, durante o processo de desenvolvimento e aplicação do documento, as informações eram compartilhadas entre os países, antes de sua conclusão. “Toda e qualquer proposição é compartilhada entre os países, no sentido de que se a L’Oréal Brasil tem a necessidade de desenvolver uma política ética específica, pode rascunhar e validar seu conteúdo com a área de ética internacional”, explica Rosmari.

Esse foi o caso, por exemplo e de acordo com a executiva, do documento Parceiros de negócio, que é uma política ética de exclusividade da filial brasileira, mas validada pela área internacional. Da mesma forma, a área de ética internacional da L’Oréal França envolve as subsidiárias no mundo para validar políticas propostas. “O objetivo é verificar se há algum conflito entre os usos e costumes, a lei local e/ou algum outro empecilho em cada país”, comenta.

Márcia Manfrin, presidente da Apetit
Márcia, da Apetit: as pessoas querem uma diretriz

A Petrobras também unificou o seu código de conduta e o aplica em todas as unidades de negócio. Quando foi criado em 1998, com a finalidade de tornar-se uma referência para as ações da companhia e de seus empregados, o documento tornou-se base para adaptações que permeiam os princípios éticos da empresa até os dias de hoje. Reformulado em 2002 e 2006, o Código de Ética Petrobras foi modificado para se adequar ao contexto empresarial da empresa e alinhar-se aos valores do plano estratégico da companhia, além de garantir que esse plano estivesse de acordo com as exigências da Sarbanes-Oxley, que prevê a abordagem de itens específicos aos códigos de ética das empresas com ações na Bolsa de Valores de Nova York.

De acordo com Rosângela Rocha Peçanha, secretária executiva da Comissão de Ética da Petrobras, a revisão do código vigente teve início no ano de 2005 pela gerência de recursos humanos da área corporativa e contou com a participação ativa dos colaboradores. “O processo de revisão teve como premissa a participação dos empregados. Recebemos sugestões da força de trabalho via intranet e foram realizados seminários com a participação de empregados de diversas unidades e das empresas subsidiárias”, explica. “A estratégia era sensibilizar os colaboradores com o tema ética empresarial e garantir a participação representativa de sugestões para a revisão do código”, destaca.

E a comunicação interna funcionou: foram recebidas mais de mil sugestões de conteúdo, formas de divulgação do código e dispositivos para a sistematização do processo de gestão da ética na companhia. Também foi formado um grupo de trabalho coordenado pelo RH e composto por representantes das áreas de negócios da companhia e de empresas subsidiárias. “Além das sugestões dos empregados, foram analisados documentos do estatuto social, plano estratégico, diretrizes de governança corporativa, código de boas práticas, código de conduta concorrencial e normas e, como referência de conteúdos e estrutura, os códigos de ética de outras empresas, públicas e privadas”, comenta a executiva.

Participar ativamente de boa parte dos processos que envolvem a produção de um código dessa natureza está entre as atribuições do RH. Mas o trabalho da área não se restringe a essa tarefa. Cabe ainda à figura do RH a implantação prática da proposta, seja no momento da apresentação do documento a um novo colaborador ou no alinhamento com os profissionais da organização. Muitas vezes, o RH conta com a parceria dos gestores das áreas para realizar esse trabalho. Eles devem estar atentos se os princípios éticos da empresa estão sendo seguidos pela equipe. É ainda função do RH e da companhia sempre reforçar os pontos-chaves do código, fornecendo um canal de mão dupla entre a organização e o colaborador, com treinamentos e estimulando o cumprimento das regras.

Discussão imediata
O gerente de RH da Apetit, Luiz Sérgio Vieira, afirma que o documento é de suma importância para todos os envolvidos, pois estipula de forma igualitária o mesmo padrão de conduta para todos. “Com esse documento, padronizamos todas as informações dentro da empresa, e quais as condutas que esperamos do colaborador. No caso da Apetit, a fiscalização de situações descritas no código é de responsabilidade da liderança direta, mas ela também repassa essas situações à área de RH, fazendo com que trabalhemos sempre em conjunto”, diz.

Definidos os princípios éticos, a teoria é aplicada na prática. No caso da L’Oréal, o colaborador que ingressa na empresa recebe uma cópia do código e é encorajado a promover uma discussão imediata com seus gestores a respeito do documento. Outra ação promovida pela empresa aos novos funcionários é a realização do treinamento Ethics e-learning, que consiste em trazer os elementos necessários para que o funcionário entenda os valores éticos da empresa e possa trabalhá-los com consciência e respeito. “Desde o início da atuação profissional, cada colaborador é instruído sobre os valores da L’Oréal, desde os jovens aprendizes até as mais altas posições de liderança. A ética também faz parte dos programas de treinamento de RH, compras e operações, entre outros”, diz Rosmari Capra-Sales, representante de ética da L’Oréal Brasil.

A discussão do tema tornou-se tão importante na multinacional francesa que foi criado o Dia da ética, dedicado à conversa aberta pela internet entre os colaboradores e o presidente e CEO do grupo, Jean-Paul Agon. Na data, profissionais de cada país onde a empresa possui filiais podem também utilizar o webchat para falar com o presidente de seu próprio país, para a troca de ideias e para o esclarecimento de dúvidas sobre a ética na L’Oréal. “O dia foi criado para que os colaboradores reflitam sobre os valores éticos da empresa e percebam como eles orientam suas ações e decisões nos negócios, além de demonstrar a importância do tema para a empresa. A L’Oréal entende que só poderá manter seus negócios em um ambiente sustentável se desenvolver a ética como um princípio não negociável”, comenta Rosmari.

Semelhanças com outras

A Lei 12.846 é, em alguns aspectos, semelhante ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), lei norte-americana anticorrupção, e em outros, ao UK Bribery Act (UKBA), lei antissuborno do Reino Unido. Quem afirma é Cynthia Catlett, diretora da área técnica e investigativa em apoio a litígio da FTI Consulting do Brasil. “Das semelhanças, sobressai o reconhecimento da importância das relações éticas tanto no âmbito nacional quanto internacional. E esse é um dado considerável”, diz.
No que tange às diferenças com o FCPA e o UKBA, vale apontar na lei brasileira o artigo referente às punições. “Essa lei não inclui a repercussão penal. Seu trâmite restringe-se aos âmbitos administrativo e cível. Ademais, a lei é de responsabilidade estrita, ou seja, a intenção do dolo não é levada em consideração. De qualquer forma, a lei brasileira representa um marco regulatório importante por estabelecer novos atos lesivos e por propor benefícios a empresas que tiverem práticas de prevenção a atos de corrupção”, diz. 
Cynthia destaca ainda a abordagem do tema compliance pela nova lei. “A partir de agora, as autoridades levarão em conta a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Esse aspecto da lei demonstra um comprometimento do Estado em avaliar os esforços da pessoa jurídica no comprometimento da prevenção de atos lesivos.” 

Segredo da eficiência
Já na Petrobras são realizadas apresentações para todos os novos empregados e gestores, além de, anualmente, ser promovida a Campanha de Divulgação do Código de Ética do Sistema Petrobras, que ocorre não somente por meio do portal da empresa, mas também com a realização de palestras e de consultorias às diversas áreas do Sistema Petrobras. “Atrelado a esse processo, a empresa aprovou um sistema de gestão da ética, que define as atribuições de todas as áreas da companhia, além de procedimentos para tratar o desvio ético, disseminar o código, capacitar gerentes etc.”, comenta a secretária executiva da comissão de ética da empresa.

Para facilitar a comunicação e cumprimento do seu código, a L’Oréal desenvolveu a ferramenta chamada Voz ativa. “É um canal exclusivo para receber denúncias de condutas éticas inadequadas na empresa de forma totalmente confidencial e segura. O objetivo do canal é construir um ambiente ainda melhor, pautado pelos valores que guiam a forma de trabalhar e que são a base da reputação do grupo”, explica a executiva da empresa.

Para Rosmari, o bom relacionamento entre o colaborador e a companhia é o segredo para um código de ética eficiente e duradouro. “Nossa relação é a mais transparente possível. Nossos valores éticos são: transparência, integridade, respeito e coragem. No que tange ao respeito, agimos dessa forma com nossos consumidores, colegas, parceiros de negócios e a sociedade como um todo; temos integridade porque os interesses da L’Oréal nunca devem ser oriundos de práticas ilegais ou não éticas; somos transparentes porque não há outra forma de agir; e temos coragem porque fazer a coisa certa nem sempre é fácil, mas é a única forma de fazer”, diz.

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