É preciso incluir mais atitude

de Gumae Carvalho em 2 de agosto de 2017
Linamara Rizzo Battistella: mobilização para promover a mudança cultural

Quando o assunto é contratação da pessoa com deficiência,
a principal barreira é a atitudinal

Falar de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é falar de superação. De um lado, por parte desses profissionais. De outro, das empresas, que necessitam entender que a inclusão é um processo que nunca tem um fim e, mais do que isso, precisam compreender que a pessoa com deficiência possui, sim, competências e habilidades e pode ser tão produtiva quanto as demais. E não para por aí. Como lembra Linamara Rizzo Battistella, secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, de São Paulo, os indicadores apurados pelo Prêmio Melhores Empresas para Trabalhadores com Deficiência (veja mais na pág. 24) apontam que quase a totalidade (98%) dos colaboradores sem deficiência acreditam que contratar profissionais com deficiência é algo muito positivo para a organização. “E todos afirmaram que é bom para eles mesmos conviver com essas pessoas”, diz Linamara.

Em entrevista à MELHOR, ela conta que a pessoa com deficiência está cada vez mais em busca de se empoderar para usufruir dos bens e serviços disponíveis na sociedade. É preciso, agora e sempre, instar as empresas a fazerem sua parte.

A partir das experiências e práticas das empresas que têm participado ao longo das edições do prêmio, qual análise faz do avanço do tema no mundo corporativo? Ele tem ganhado mais destaque e importância?
É notável a mobilização para promover a mudança cultural de toda a organização, que ainda é o maior desafio. Isso porque a promoção da acessibilidade e as oportunidades para o desenvolvimento de carreira são o reflexo de uma cultura verdadeiramente inclusiva para a diversidade humana. As empresas já aprenderam que esse é um processo contínuo, que exige acreditar que as pessoas com deficiência têm habilidades e são tão produtivas como todos os demais. E, ainda, que investir nesses profissionais e oferecer suportes para suas necessidades é positivo para todo o negócio e gera motivação em toda a cadeia de colaboradores. Os indicadores apurados pelo prêmio apontam que 98% dos colaboradores sem deficiência consideram que é bom para a organização contratar profissionais com deficiência e 100% afirmaram que é bom para eles mesmos conviver com essas pessoas. No ano passado, a promoção da inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho conquistou espaço na agenda internacional. Inspirada no Prêmio Melhores Empresas para Trabalhadores com Deficiência, a Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu o Governo do Estado de São Paulo em sua sede, em Nova York (EUA), para reconhecer e estimular empresas nacionais e internacionais com boas práticas de inclusão a aperfeiçoarem seus programas relacionados à diversidade humana.

Quais as principais barreiras citadas pelas empresas quando o assunto é inclusão de pessoas com deficiência? Como superar isso?
Em sua maioria, as barreiras citadas pelas empresas são criadas pela falta de conhecimento em relação à contratação das pessoas com deficiência. Quando a empresa cita a questão da acessibilidade como um fator impeditivo à contratação desse público, desconhece que trocar um mobiliário, por exemplo, não significa um alto investimento. Além disso, para pessoas com deficiência visual, há no mercado softwares leitores de tela gratuitos. As questões arquitetônicas, hoje, estão regulamentadas por lei.

Lembro-me de matérias que fiz sobre o tema, nas quais, com certa frequência, ouvi que as famílias tenderiam a “esconder” a pessoa com deficiência em casa, o que, muitas vezes, impedia essa pessoa de buscar capacitação e/ou um trabalho. Esse cenário ainda existe?
A pessoa com deficiência está cada vez mais em busca de se empoderar para usufruir dos bens e serviços disponíveis na sociedade. Em recente pesquisa do Sebrae, foi identificado que quatro em cada dez adultos no Brasil são empreendedores, já possuem um negócio ou estão envolvidos na criação de uma empresa, o maior índice dos últimos 14 anos e quase o dobro do registrado em 2002, quando era de 20,9%. Se levarmos em conta que um quarto da população brasileira possui algum tipo de deficiência, certamente há um público considerável de empreendedores nesse grupo. É importante ter em mente que o Censo 2010 do IBGE mostrou que os índices de pessoas com e sem deficiência que possuem diploma de curso superior são muito próximos: 6,7% de pessoas que têm uma deficiência concluíram esse ciclo de ensino, contra 10,4% das pessoas sem deficiência. O Censo ainda apontou que maior porcentagem de pessoas com deficiência com curso superior completo está na região Sudeste: 8,5% cursaram uma graduação, índice muito próximo à média do país.

Com a transformação digital, a senhora acredita ser mais fácil incluir o trabalhador com deficiência no mercado?
A acessibilidade digital permite o amplo acesso de todos à cadeia produtiva do mundo físico e virtual. Os recursos atuais permitem que o colaborador com deficiência tenha acesso ao conteúdo digital, facilitando a realização de suas atividades com independência.

Linamara Rizzo Battistella: mobilização para promover a mudança cultural

Para as empresas que ainda não sabem como fazer essa inclusão, que conselhos daria para melhor receber um trabalhador com deficiência? Que ações as empresas também podem realizar para permitir que mais pessoas com deficiência possam ingressar no mercado de trabalho?
A principal barreira no mercado de trabalho para a contratação da pessoa com deficiência é a atitudinal. É fundamental que a empresa ofereça treinamento aos profissionais de recursos humanos e gestores para que possam desmistificar a ideia de que a contratação da pessoa com deficiência deve se restringir a determinados cargos por não haver mão de obra qualificada ou até mesmo de que tornar o ambiente acessível é algo dispendioso. Os empresários de São Paulo têm se mostrado muito alinhados nessa luta, na valorização dos direitos das pessoas com deficiência. Isso significa que, hoje, o estado de São Paulo ocupa 47,6% das suas vagas destinadas a pessoas com deficiência, pela Lei de Cotas. É um número expressivo e tem bastante significado. Mas queremos mais.

Na esfera governamental, o que mais pode ser feito e o que vem sendo feito (e que merece destaque)?
São Paulo tem feito um grande esforço no sentido de criar condições para que a qualificação profissional chegue às escolas de nível médio, aos serviços oferecidos pelo estado, como o Via Rápida Emprego, por exemplo, que disponibiliza vagas e oferece gratuitamente cursos básicos de qualificação profissional de acordo com as demandas regionais. Além de encaminhar os candidatos para cursos e vagas disponíveis, emite carteira de trabalho e auxilia as empresas ao ceder salas para processos seletivos e encaminhar candidatos. O estado também conta com os cursos técnicos das Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) e os de nível superior das Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatecs) que são acessíveis e disponibilizam todas as ajudas técnicas necessárias como software leitor de telas, intérpretes de Libras e impressoras braille. Há, também, o Sebrae Mais Acessível, parceria estabelecida entre a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Sebrae-SP e que tem como objetivo levar orientação especializada de empreendedorismo para pessoas com deficiência. O projeto visa incentivar, por meio de palestras, a contratação de pessoas com deficiência nas micro e pequenas empresas e capacitar empresários e futuros empreendedores também com deficiência em temas de gestão com o auxílio de vídeos, aplicativos com recursos de acessibilidade e biblioteca virtual com conteúdo em áudio. O Centro de Tecnologia e Inclusão na capital paulista, localizado no Parque Fontes do Ipiranga (km 11,5 da Rodovia dos Imigrantes), é um projeto da pasta que oferece orientação, aconselhamento profissional, laboratório de imagem e autocuidado, orientação e mobilidade para pessoas com deficiência visual com oficinas de Libras, braile e comunicação alternativa.

Qual a importância do prêmio?
O trabalho é a atividade humana que mais contribui para o aprimoramento das habilidades e competências das pessoas, além de constituir uma precondição para a inclusão com qualidade. É por intermédio dele que se consolidaram as inúmeras transformações no campo da tecnologia, comunicação, entre tantos avanços que não seriam possíveis sem a existência das diversas atividades laborais, que responderam e respondem às demandas por produtos e serviços da sociedade. O acesso à atividade produtiva remunerada é um dos principais veículos de promoção da cidadania, pois garante a dignidade, a autonomia e o reconhecimento social. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo 23, diz que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do seu trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

Agora, o prêmio não está mais restrito ao Estado de São Paulo. Por que essa mudança?
A mudança se deu pelo interesse de empresas de outros estados em participar. Ultrapassamos as barreiras geográficas ao envolvermos organizações internacionais preocupadas em incluir pessoas com deficiência em seus times. Aqui, a missão é vencer as barreiras atitudinais, valorizar a diversidade e aprender com as diferenças.

Existe algum país que esteja bem mais avançado quando o assunto é inclusão? O que destacaria dele?
O Brasil se destacou durante o décimo aniversário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na sede da ONU. A Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo recebeu um prêmio da United Nations Department for Economic and Social Affairs (Undesa) e da Global Initiative for Inclusive ICTs (G3ict), iniciativa ligada às Nações Unidas e especializada em estudos, pesquisas e elaboração de protocolos sobre acessibilidade. O reconhecimento destacou a liderança e dedicação do estado de São Paulo pela promoção dos direitos das pessoas com deficiência por meio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo e do Centro de Tecnologia e Inclusão (CTI) do governo do estado de São Paulo no Brasil.

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