Carreira e Educação

Educar na crise

de Gabriel Jareta em 27 de julho de 2015

Dutra, da FEA-USP: o RH deve estar atento ao negócio e ter uma postura política ativa nas organizações

Em um cenário de crise como o que o Brasil atravessa hoje, desmontar estruturas de educação corporativa para economizar recursos não é uma boa ideia – pelo contrário, poderá ser um tiro no pé quando a economia retomar seu crescimento. A opinião é do professor Joel Dutra, do departamento de administração da FEA-USP, supervisor da Fundação Instituto de Administração (FIA) e especialista em educação corporativa. “Há um entendimento de boa parte dos empresários e dirigentes de que, a longo prazo, o Brasil é um país muito interessante e com muitas possibilidades”, diz.

Na entrevista a seguir, Dutra explica como os gestores podem repensar seus programas de formação de maneira a se concentrar em áreas críticas ao negócio da organização – como, por exemplo, os aspectos comportamentais. O especialista também aponta as vantagens da educação a distância nesse processo e vê com certa preocupação a preparação de empresas para lidar com a diversidade geracional dentro de seus quadros. “A maior parte dos nossos gestores está absolutamente despreparada para isso”, observa.

Em um cenário de crise, de que modo as empresas podem investir em educação?
No passado, em momentos de crise, as organizações acabavam cortando muitos custos na área de desenvolvimento, em capacitação, em treinamento, mas já na crise de 2008 observamos um comportamento diferente: as organizações reduziram custos, mas não eliminaram os investimentos. Já havia muitos movimentos de educação corporativa instalados no Brasil e observamos uma preocupação entre as empresas mais afetadas em reduzir as despesas, mas não desmontarem as suas estruturas de educação corporativa e de treinamento. Eu observo o mesmo movimento neste momento, não vejo as organizações desmontando suas estruturas, mas sim buscando um maior cuidado no investimento, reduzindo um pouco o orçamento inicial, buscando alternativas educacionais mais baratas. Vi também alguns movimentos em 2008, que não vi ainda neste ano, de algumas ações colaborativas, ou seja, de organizações que se unem para ganhar escala nos processos educacionais para redução de custos.

Mas continua sendo estratégico investir em educação corporativa mesmo tendo de reduzir custos?
Continua, porque a educação corporativa vai se mostrando muito mais eficiente do que o antigo “departamento de T&D”. E é mais eficiente porque a ideia não é só desenvolver na pessoa habilidades ou conhecimentos, mas melhorar a capacidade de resposta dela na organização, conseguir fazer com que ela, a partir de um trabalho envolvendo um misto de competências e habilidades e também mudança de comportamento, possa ter melhores resultados. Hoje, o ambiente está mais competitivo, ganhos milimétricos são ganhos importantes. Se você conseguir, por exemplo, uma mudança de cultura da organização, você tem ganhos fantásticos quando se compara com a concorrência. Você atende melhor seu cliente, agrega mais valor ao seu produto. Num ambiente competitivo essas questões fazem a diferença. Também é muito importante pensar que se estamos num momento difícil e daqui a pouco teremos uma retomada econômica, como você está armado para isso? Aquelas organizações que, numa retomada de crescimento, estiverem fortalecidas, vão ocupar espaços com muito mais facilidade. Se você desmonta sua estrutura de renovação, perde sua capacidade de se reposicionar na hora em que vier um aquecimento econômico. Há um entendimento de boa parte dos empresários e dirigentes de que, a longo prazo, o Brasil é um país muito interessante e com muitas possibilidades. Nós estamos vivendo um tempo difícil, mas não é o momento de você desmontar o seu negócio, pelo contrário, é hora de conseguir passar por esse momento de tormenta e permanecer fortalecido.

O momento atual exige inovação e criatividade. Que tendências são essas na educação corporativa?
Há alguns movimentos. Um deles é o que a gente poderia chamar o das técnicas educacionais, de usar com mais intensidade a educação a distância e outros recursos didáticos mais baratos; de estruturar melhor a experiência da própria organização. São recursos de aprendizado não só com custo menor, mas muito mais efetivos e permitem acesso a um maior número de pessoas. A outra vertente é saber o que é importante trabalhar em termos educacionais. Vamos pegar o caso da liderança: hoje, o que nós observamos é que a maior parte da nossa liderança tem bons conhecimentos técnicos e em gestão, mas tem problemas nos aspectos comportamentais. O que acaba acontecendo é que, se  tenho de fazer uma racionalização no meu investimento, eu vou mantê-lo onde ele causa muito mais reflexo no meu nível de competitividade. E hoje o investimento maior está nas questões comportamentais da liderança.

E a educação se mostra eficiente para trabalhar aspectos comportamentais?
Muito eficiente. Trabalhar aspectos comportamentais não é colocar a pessoa em sala de aula, é um movimento muito mais complexo. Você tem de fazer toda uma proposição de transformação cultural na organização; tem de estimular determinados comportamentos, mas precisa cobrar isso através dos sistemas de avaliação, dos sistemas de valorização da organização. Isso vai tendo um impacto em como eu avalio as pessoas, em toda minha lógica remuneratória – porque isso se dá em aumento salarial, promoções e assim por diante. É muito comum em organizações que hoje estão estruturando um processo sucessório que a equipe que está na educação corporativa normalmente também seja aquela que está assumindo a gestão da sucessão.

Na prática, há diferenças entre quem está passando por um treinamento a distância e um presencial?
Vou dar um exemplo: aqui no estado de São Paulo, o governo criou uma universidade virtual (Univesp). Embora todas as universidades estaduais (USP, Unesp e Unicamp) tenham alguns cursos a distância, o governo viu que era importante fazer um investimento mais pesado nessa direção. Temos experiências das universidades privadas com cursos a distância e o que observamos é que a qualidade das pessoas formadas é muito boa. Num primeiro momento havia um preconceito em relação a esse tipo de formação que hoje foi se diluindo, porque não se justifica. Quando a gente olha para as organizações, a educação a distância ainda está sendo muito usada para reforçar conteúdos que são facilmente estruturáveis, por exemplo, um conhecimento técnico, em que é possível cobrar através de testes o quanto a pessoa absorveu ou não. Mas eu vejo já alguns resultados interessantes de trabalhos a distância para aspectos mais comportamentais e mais abstratos, não tão tangíveis. Outro aspecto é o tecnológico, a questão de velocidade e capacidade de transmitir conteúdo. É uma modernização muito recente, que vem permitindo coisas que há três anos não eram possíveis na educação a distância.

Para quem trabalha com educação corporativa, como lidar com a diferença de gerações? Como conciliar esses públicos distintos?
Não é difícil conciliar, mas é importante perceber as diferenças. Aqui no Brasil a gente percebe uma marca geracional diferente da de países da Europa e dos EUA. Nesses países, a geração X vai de final da década de 1960 a 1978 ou 1979, dependendo do estudo. No Brasil, nós fizemos uma pesquisa e concluímos que a geração X vai até 1985. Nós só temos uma nova geração a partir de 1986, que, com formação superior, só entra no mercado em 2009-2010. Essa é a geração que  temos investigado mais, que é um misto da geração Y com aquela que alguns chamam de geração Z ou geração Millenials. Esse pessoal raciocina de forma diferente: não é só uma questão de uso de tecnologia, é mais profundo do que isso. Enquanto a minha geração e a geração X raciocinam de uma forma linear, eles raciocinam por agregação. Enquanto, diante de um problema, nós percorremos o caminho que havíamos feito – passo um, passo dois, até chegar ao problema –, essa geração deleta e reconstrói tudo de novo. É uma forma diferente de encarar os problemas, e isso gera muito conflito dentro das organizações. Essa geração mais nova faz o uso da tecnologia de uma forma diferente também. Não é só uma questão de facilidade com o uso, é usar de forma diferente. Isso, claro, tem impactos importantes na questão educacional, na educação a distância, na questão dos recursos que você vai usar para treinamento e aprendizagem.

Para o gestor isso é um grande desafio, não?
Sim, é um desafio muito grande. A maior parte dos nossos gestores está absolutamente despreparada para isso. Algumas poucas empresas já perceberam esse problema e começaram a trabalhar sua liderança para lidar bem com essa diversidade geracional, mas poucas realmente estão preocupadas com isso no Brasil.

O social learning poderia ser uma alternativa?
Algumas organizações, intuitivamente, já estão usando essa abordagem, mas talvez não com esse nome, não conhecendo o processo. Acredito que no futuro venha a ser muito mais utilizado, acredito muito na eficiência de compartilhar vivências como uma forma de aprendizado. Mas isso ainda é muito pouco estruturado.

Ou seja, as pessoas fazem sem saber muito bem o que estão fazendo.
Sim, fazem porque dá resultados. Para saber como as empresas estavam lidando com essas diferenças geracionais, nós acompanhamos nos últimos anos, principalmente em empresas de tecnologia, a aproximação de grupos mais seniores com grupos mais juniores, através de redes de programas chamados de mentoring, tutoria, que na verdade possibilitam a troca de experiências entre diferentes grupos. Esses processos foram estruturados com ganhos muito interessantes. Foram experiências em que as empresas intuíram a necessidade e a possibilidade de fazer isso, e de fato fizeram e tiveram bons resultados. Mas não foi algo pensado, usando uma abordagem estruturada.

A que questões o gestor de RH deve ficar atento para já ir se preparando para o ano que vem, do ponto de vista da educação?
Se eu fosse um gestor de educação corporativa, em primeiro lugar, ficaria muito atento a conhecimentos e aprendizagens críticas para o negócio da organização. Mais do que isso, é importante que o pessoal da educação corporativa mantenha o suporte político para o seu trabalho. Como estamos em uma disputa feroz por recursos escassos dentro da organização, se em algum momento quem toma a decisão pelos recursos entender que a educação é uma questão menos importante, pode ser que se percam investimentos importantes para a educação corporativa. Diria que esses dois pontos são cruciais.

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