Emoções na conta certa

de Caroline Sanchez Miranda em 17 de agosto de 2009
Ser agressivo não significa, necessariamente, bater no chefe

Valendo um milhão: qual é a postura mais correta a se adotar no ambiente de trabalho? a) agir de maneira “estritamente” profissional, ou seja, ser 100% racional; ou b) também permitir-se viver emoções no ambiente de trabalho? Se escolheu a primeira opção, a resposta está e…rrada! E quem garante isso é o psiquiatra Paulo Gaudencio, que há mais de quarenta anos se dedica à psicoterapia. Mas não se preocupe: esse é um erro cometido pela maior parte dos profissionais e, principalmente, pelas empresas.

“O grande problema é que o homem é um animal racional. Animal sente, racional pensa. As empresas tratam o ser humano como se ele só pensasse. A parte emocional não é considerada. O meu trabalho é mostrar que a parte emocional existe e tem de ser considerada, porque se não for o sujeito adoece. Diminui a produtividade e diminui a satisfação no exercício do papel profissional”, explica Gaudencio.

Quando uma empresa finge, ou pior, acredita que as emoções não existem no ambiente de trabalho e obriga os profissionais a reprimirem o que sentem, está cometendo um grande erro. Primeiro, porque desperdiça a energia gerada pelas emoções no indivíduo que, reprimidas, se transformam em estresse. Segundo, porque gera infelicidade no exercício do papel profissional e essa situação é bem conhecida. Na empresa, ganha-se dinheiro, fora vive-se.

Por essa razão, Gaudencio acredita que, para conseguir um comprometimento verdadeiro dos profissionais, as organizações precisam entender como o ser humano funciona e como as emoções podem ser vividas de maneira adequada no papel profissional. “Viver emoções profissionais no papel profissional resgata a dignidade e permite que as pessoas sejam independentes e, dessa forma, se comprometam”, explica.

Para começar, vale definir o que é papel. Segundo o psiquiatra, trata-se do espaço que permite a vivência das emoções, com o consentimento da nossa consciência moral, fazendo interface entre nossas emoções e nossos valores. Quer dizer, no seu papel profissional, você sabe o que é correto fazer e se permite, ou não, agir de uma determinada maneira. Num contexto corporativo mais comum, você aprendeu que não pode usar suas emoções durante o seu horário de trabalho. A sua consciência moral não permite. Mas você continua sentindo.

O que seria, então, viver as emoções de forma adequada no papel profissional? Seria empregar a energia da agressividade, da afetividade e do medo no exercício desse papel. Poucas pessoas, no entanto, o fazem. Isso porque todas essas emoções são consideradas ruins e aprendemos que não devemos ser agressivos, nem afetivos (dentro da empresa, jamais), e muito menos podemos ter medo (a não ser do chefe…). Não devemos, mas sentimos tudo isso, só que nos reprimimos. “Por isso, usar adequadamente as emoções básicas no papel profissional é a fórmula ideal para a existência do estresse normal e para a profilaxia do estresse patológico”, afirma o psiquiatra.

Agressividade e afetividade
Assim, o primeiro passo para começar a viver adequadamente as emoções no ambiente de trabalho é requalificá-las. Comecemos pela agressividade. “É preciso ser muito agressivo no papel profissional”, afirma Gaudencio. Mas vamos com calma. “Ser agressivo não é bater no chefe – em geral é justo, não é adequado”, esclarece, bem-humorado.

A dificuldade em compreender que o uso da agressividade é saudável é que se costuma confundi-la com violência. Quando, na verdade, esta é gerada pela falta de agressividade, porque uma das funções da agressividade é a de colocar limites no espaço vital da pessoa. “Se eu não colocar limites no meu núcleo vital, vou explodir com violência. Usar a agressividade é não se deixar invadir, não se deixar acuar. A coisa mais agressiva que a pessoa pode fazer, portanto, é dizer: ´Não vou, não quero, não faço, não pode´. Suavemente”, afirma o psiquiatra.

Outra função da agressividade é impulsionar a ação. No livro Terapia do papel profissional (Palavras e Gestos Editora), Gaudencio ilustra da seguinte forma: “Imagine um barco indo para uma cachoeira. Há três tipos de pessoas. A passiva, a maioria, se deita no barco e se deixa destruir. A agressiva é a que pega o leme e muda a direção do barco. Não fala, faz. O terceiro tipo, muito frequente, chamo de malcriado. Fica em pé no barco. Xingando. Protesta, acha ruim, mas não age, não muda nada. Todo mundo acha que o malcriado é agressivo porque ele faz muito barulho. Na minha opinião, ele é bobão, ruidoso. É passivo, não muda nada e só faz barulho. Agressivo não fala alto. Faz”.

Já ser afetivo no papel profissional, segundo Gaudencio, é ser amigo. “Se eu estou errado, amigo é quem fala para mim. Inimigo fala de mim. Se eu for amigo, vou contar para o outro onde seu comportamento é adequado e onde é inadequado”, diz. E aí voltamos para a agressividade, pois, para agir dessa forma, é necessário ser agressivo. Ter coragem de falar com a pessoa e também coragem de ouvir o que ela tem a dizer, como depoimento, não como acusação. “Em casa, isso se chama diálogo, na empresa feedback”, complementa.

Medo
Para o psiquiatra, o medo é uma conquista dos animais. É uma emoção que paralisa o ser humano e o prepara para uma reação de luta ou de fuga. “Levamos séculos para nosso corpo inteiro, sem pensar, se preparar para lutar ou fugir”, conta. Ao levarmos um susto, nosso corpo se prepara instantaneamente, a adrenalina leva sangue aos músculos, tirando-o de onde ele não é necessário naquele momento. Daí a expressão “branco de medo”. Por isso, também, a sensação de frio na barriga e a taquicardia.

“Eu estou preparado para lutar ou fugir, mas estou paralisado”, diz Gaudencio. E, mais uma vez, voltamos para agressividade. É ela que vai mobilizar a pessoa para uma de quatro posturas. “A encrenca é grande, acho que tenho forças, sinto medo, mas enfrento. Chama-se coragem. Na mesma situação, eu fujo. Chama-se covardia. O problema é tão grande que não dá para enfrentá-lo. Então, eu fujo. Chama-se prudência. Não dá para enfrentar, eu enfrento. Chama-se irresponsabilidade”, conclui.

Agora está mais fácil entender como o uso adequado das emoções no papel profissional pode ser benéfico. Ele é fundamental para a tomada de decisões maduras. “O que é ser maduro no processo decisório? É saber lidar com minha agressividade e com meu medo de tal forma que eu sempre adote posturas corajosas ou prudentes, que eu não seja nunca covarde ou irresponsável”, explica.

Estresse
Quando o medo não é usado adequadamente, apenas para preparar para lutar ou fugir, além de poder levar a uma tomada de decisão equivocada pode levar ao estresse. Gaudencio ilustra retomando a época em que essa emoção começou a se desenvolver no ser humano. “O sujeito saía da caverna e dava de cara com um tigre-dentes-de-sabre. Um dos dois ia virar jantar, certo? Ele tem uma reação que o prepara para lutar ou fugir. Ele ganha a luta, ele está com a sobrevivência garantida um mês. Um mês depois, ele passa numa região que costuma ter tigres-dentes-de-sabre. Não tem nenhum. Alguém pisa num graveto, ele leva um susto e tem a reação de luta ou de fuga, ele se prepara para lutar ou fugir, mas não tem mais tigre na floresta, o tigre mora entre as orelhas dele”, conta.

Hoje em dia, nas grandes metrópoles, não há tigres-dentes-de-sabre. “Tem um tigre só, o que mora entre as orelhas do cara. Ele acorda de manhã, lê o jornal, o tigre dá um rugido; sai de carro, dão uma fechada nele, o tigre dá outro rugido. Ele chega ao trabalho, tem de entregar um relatório para ontem, o tigre dá mais um rugido. Deu para entender? Cada vez que o tigre dá um rugido, ele tem uma reação de luta ou de fuga. O organismo se prepara para uma luta que não acontece. O nome disso é estresse”, esclarece o psiquiatra.

Essa situação de crise está trazendo estresse porque nós todos estamos nos preparando para uma reação de luta ou de fuga. “Mas eu não posso me sentir mal a cada rugido do tigre, preciso aprender a lidar com a crise, com as emoções no papel profissional de forma adequada. Tomar uma decisão prudente e corajosa, nunca covarde e irresponsável”, ressalta.

Para ajudar nessa tomada de decisão é importante ainda trazer três conceitos criados por Gaudencio: o de terremoto, labirintite e desculpa verdadeira. Se você está terminando de ler esta reportagem e percebeu que tem um problema, vai ter de lidar com eles e identificar cada um no ambiente de trabalho. “Terremoto é a causa externa do problema. Labirintite é a causa interna. Desculpa verdadeira é usar a verdade externa para esconder a labirintite”, afirma.

Trocando em miúdos: o terremoto que você sente diariamente são os problemas das empresas ao permitir que os profissionais vivam as emoções no papel profissional. A labirintite é a dificuldade interna, ou seja, o quanto o próprio indivíduo precisa requalificar o conceito que tem da agressividade, da afetividade e do medo e aprender a usá-los adequadamente em seu papel profissional. E a desculpa verdadeira é uma limitação real da pessoa, que ela usa, no entanto, como desculpa para não se mobilizar para nada.

“Se eu não posso viver emoção no papel profissional, minha empresa precisa se tratar. Se eu não sei viver, eu preciso me tratar. Às vezes, eu não sei e não posso. No que eu posso mexer: no eu não sei. Então, você vai aprender a viver a emoção. Se a empresa não permite, você está na empresa errada”, finaliza Gaudencio. Para aprender a lidar com as próprias emoções em cada papel, ele recomenda buscar ajuda de um terapeuta ou coach, desde que esse profissional esteja qualificado para lidar com emoções. Caso contrário, o estrago pode ser maior.

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