Gestão

Entre e interaja

de Udo Simons em 9 de agosto de 2011
Adriano Vizoni
Liana, da Unilever: nada melhor que ambientes transparentes e abertos para disseminar a cultura de performance

Quando a diretora de corporate affairs da Mars Brasil, Sheila Van der Zeidjen Rodriguez, entrou pela primeira vez em um dos escritórios da empresa, em 2008, foi surpreendida pela disposição das pessoas. “Como assim? O presidente se senta naquela mesa?”, questionou-se. Ao olhar o ambiente, Sheila refletia sobre seu aspecto despojado e amplo, sem divisórias entre os colaboradores. Nas mesas, laptops e quase nenhum material administrativo como papéis, pastas ou relatórios. Isso sem falar no fácil acesso ao principal executivo da companhia.

Egressa do sistema elétrico, setor formal em que a hierarquia dos cargos ainda é traduzida, de forma física, em salas fechadas e paredes entre as áreas para manter a “privacidade”, a surpresa inicial da executiva foi natural. Ela teria de aprender a lidar com novas dinâmicas de relacionamento profissional, cuja filosofia de comunicação é baseada na transparência e na proximidade com os colaboradores. A adaptação foi relativamente tranquila e, hoje, Sheila sente-se bem à vontade nesse ambiente e vê inúmeros benefícios na prática. Segundo ela, além de tornar a comunicação mais ágil, facilitando a tomada de decisão, a prática ajuda no desenvolvimento da autonomia no trabalho e da proatividade. “Os associados ficam à vontade para levantar e ir conversar com quem quer que seja – chefes ou pares”, afirma. Outra característica da gestão da Mars é o fato de os diretores não terem secretárias, como conta a executiva. “Todos tiram suas próprias cópias e atendem aos seus telefones”, lembra Sheila. Para ela, é muito interessante, no cotidiano do trabalho, saber que a distinção entre as pessoas reunidas em um espaço único é o nível de responsabilidade, não o espaço físico. “Escritórios tradicionais, com secretárias, são uma burocracia”, enfatiza.

Em cenários como esse, a questão humana torna-se muito mais aparente. E tudo faz diferença nesse ambiente – desde a forma de se vestir ao tom de voz usado, afinal, tudo está exposto. Aqueles que falam muito alto, por exemplo, têm de reaprender a dialogar, seja ao telefone ou em conversas profissionais ou particulares com o colega, já que ao seu lado estará outra pessoa ocupada com seus assuntos. Porém, na esteira do aparecimento de novos ambientes corporativos – salas únicas, com música ambiente, decorações personalizadas e iluminação natural – é preciso considerar se maneiras diferentes de projetar os escritórios são, de fato, algo a ser visto como inovador e necessário, como explica o consultor Clemente Nóbrega.

Mais produtividade
Segundo ele, em tese, é possível definir inovação nos negócios como algo gerador de valor financeiro. “Para que a reorganização [de escritórios] signifique dinheiro novo, ela tem de se refletir em aumento de produtividade”, pontua. O consultor explica que é válido questionar alguns fatores antes de modificar o desenho dos escritórios: os funcionários serão mais produtivos? Estarão mais felizes? Esse investimento retornará em forma de mais produtividade? “A reorganização do espaço de trabalho sem um bom produto para vender não leva a nada. É preciso haver um propósito por trás da mudança”, enfatiza. Assim, fica claro que se o objetivo do negócio não estiver bem definido, de nada adiantará modificar o layout de trabalho. Isso porque a reorganização do espaço é modelo para tornar as pessoas mais produtivas, desde que outras situações estejam no seu lugar.

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Com a estratégia
A Unilever, por exemplo, seguiu à risca essas orientações. As mudanças em todos os seus escritórios estão alinhadas à estratégia de crescimento global da empresa.  Foram criados espaços destinados à colaboração em grupo de trabalho e para o desenvolvimento do foco individual das atividades, chamados Workplaces, como o Quite Lounge, área para alta concentração em que as baias não possuem telefones, e espaços de convivência voltadas à vitalidade, como o Shiatsu Room. Além disso, há o chamado Hot Desks, área sem postos de trabalho fixos. Tudo isso para melhorar o ambiente e tornar a comunicação mais efetiva e transparente. Essas mudanças fazem parte de um amplo programa denominado Cultura de performance, que conta ainda com ações como horários flexíveis, home office, e disseminação de ferramentas capazes de aumentar a conectividade entre funcionários de diferentes regiões.

Segundo a gerente de desenvolvimento organizacional da corporação, Liana Fecarotta, a maior resistência, entre os colaboradores, ainda está na gestão por resultados. “O gerenciamento de equipes remotas ainda é um grande desafio, porém a globalização das nossas funções tem impulsionado esse processo”, avalia. Ela explica que as equipes estabelecidas ao redor do globo, com cultura, fusos horários e estilos diferentes de atuação, pedem cada vez mais a adaptação ao novo modelo de trabalho.

Para Liana, o fim dos escritórios tradicionais ganha mais força no mundo corporativo. “Em mercados cada vez mais competitivos, em que a capacidade de inovação e entendimento do consumidor é fundamental, a cultura de performance é o meio mais eficiente para esse fim. E nada melhor do que ambientes transparentes e abertos para disseminar isso”, pondera, ressaltando a importância da área de gestão de pessoas nesse processo. “Por meio de ações como a comunicação clara da estratégia de negócio e a implementação de ferramentas de cultura de performance, foi possível amenizar as resistências iniciais”, explica.

Ainda é muito cedo para a Unilever tornar públicos os resultados concretos atingidos pelas alterações no ambiente de trabalho. Porém, a empresa estabeleceu metas, “outputs”, para acompanhamento da evolução do processo: redução de impactos ambientais e de custos indiretos, melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, maior produtividade no trabalho, atração e retenção de talentos e melhores resultados de negócio.

Sem barreiras
A consolidação da economia brasileira e sua consequente expansão empresarial, vivida por diversas empresas nacionais, é outro motivo que faz as empresas repensarem seu ambiente de trabalho. A Alterdata Softwares, empresa de desenvolvimento de programas de automação administrativa, está nessa situação.

Criada por dois programadores em Teresópolis, região serrana fluminense, em 1989, a companhia cresceu nessas duas últimas décadas cerca de 25% ao ano. Assim, a empresa que começou com apenas um escritório em um prédio residencial de dois cômodos está a caminho de se transformar numa sede administrativa ecológica de 12 mil metros quadrados, planejada para uso pleno a partir de 2012. “Com isso, surgiu a necessidade de reorganizar nossos procedimentos administrativos e físicos”, conta um dos sócios-proprietários, Ladmir Carvalho. Ele lembra que, antes de tomar essa decisão, chegou a alugar salas comerciais próximas à base do escritório – o que não deu certo pela falta de interação entre os funcionários, que se espalhavam por diferentes espaços. “Era um inferno. Desperdiçava muito tempo subindo e descendo elevadores para conseguir andar entre todas as lojas para acompanhar o trabalho dos funcionários”, lembra.

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Adriano Vizoni
Parte da estratégia: ação tem o objetivo de melhorar o ambiente de trabalho e tornar a comunicação mais efetiva e transparente

O objetivo da mudança era deixar evidente no ambiente de trabalho a política de transparência da empresa.”Não queríamos paredes entre os funcionários. Queríamos um ambiente em que os colaboradores pudessem trabalhar em equipe e produzir mais”, sentencia. Surgiu, então, o Prédio Azul (assim chamado por ele, em referência à fachada envidraçada na cor azul). Mas a empresa continuou a crescer e eles decidiram partir para a construção da “sede ecológica”. “Serão dois blocos. Vamos reaproveitar água da chuva, teremos captação de energia solar e tratamento de esgoto”, orgulha-se. Carvalho conta que as salas serão grandes vãos sem paredes, onde todos os colaboradores vão se sentar em conjunto, e grande parte do prédio será envidraçada para aumentar a sensação de amplidão e obter melhor aproveitamento da luz externa. “Haverá, ainda, salas de relaxamento, ginástica e dependências para refeições. Mas só teremos salas reservadas para reunião ou para alguma conversa que exija privacidade entre o funcionário e seu chefe”, explica.

Ambiente dinâmico
Outra empresa que aboliu de vez as paredes em seus escritórios foi a Telmart, que trabalha com telecomunicações e TI. Mais uma vez, o motivo alegado para a decisão foram as falhas na comunicação entre os colaboradores. Além disso, a empresa queria tornar o dia a dia mais dinâmico, resolver com mais agilidade os projetos e, claro, aproximar subordinados e gestores.

Apesar de algumas resistências iniciais, a gerente de recursos humanos da empresa, Sayonara Sayão, garante que os resultados dessa mudança foram significativos. Segundo ela, o envolvimento dos colaboradores com os projetos aumentou; a comunicação ficou mais dinâmica e próxima; e ocorreu maior sensibilização entre os colaboradores diante das dificuldades enfrentadas entre eles. “Tornou-se mais frequente ouvir ´Posso te ajudar de alguma forma?´”, conta a gerente. Além disso, as famosas conversas de corredor foram minimizadas. “Salas fechadas são propícias para esse comportamento. Já em ambientes abertos, é preciso mais cautela, pois todos estão escutando.”

Sem e-mail
Há, ainda, outra iniciativa em estudo pela empresa e projetada para ser iniciada neste segundo semestre: a eliminação, às sextas-feiras, do uso interno do e-mail. “Trata-se de um projeto antigo do presidente Carlos Ramos para aproximar mais as pessoas”, afirma. Segundo ela, isso será possível devido à mudança de ambiente, que hoje é aberto e sem divisões. Aliás, o presidente da companhia, assim como sua diretoria, não tem sala reservada. Todos, segundo Sayonara, sentam-se junto aos demais funcionários. “Qualquer um pode falar com eles. Esse contato direto é muito positivo”, garante. Independentemente do tamanho e área de atuação da empresa, o que se busca com o fim dos escritórios tradicionais é melhorar a comunicação, aumentar o engajamento dos colaboradores e a produção do trabalho e criar mais autonomia. No fim, todos ganham.

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