Estar pronto e preparado

de Vanderlei Abreu em 20 de abril de 2010

Os números da Justiça do Trabalho brasileira são grandiosos. Só na 2ª Região, que compreende a Grande São Paulo, a região do ABC e a Baixada Santista, segundo dados publicados no jornal Magistratura e Trabalho, da Associação dos Magistrados do Trabalho de São Paulo (Amatra-SP), foram mais de 300 mil processos em 2008 e quase 2 bilhões de reais pagos aos reclamantes, valor superior ao faturamento anual de muitas empresas multinacionais instaladas no país.

Esses dados levam os gestores das empresas a acreditarem que a Justiça do Trabalho está sempre do lado do trabalhador, tese rechaçada por Thiago Melosi Sória, presidente da Amatra-SP. “Essa visão se origina, na verdade, de uma confusão que muitos fazem entre o direito material e o direito processual do trabalho. O primeiro diz respeito às normas que regulamentam o contrato de trabalho, historicamente visto como um contrato entre partes desiguais, na qual o trabalhador, além da dependência
econômica, encontra-se juridicamente subordinado ao empregador”, argumenta.

Segundo o juiz, para garantir que essa desigualdade deixasse de provocar a exploração injusta do trabalho e trouxesse alguma proteção à dignidade do trabalhador, surgiram as normas materiais do trabalho, que atribuem direitos mínimos aos empregados. “No entanto, as regras processuais não possuem as mesmas características das materiais, não havendo qualquer favorecimento a uma das partes. Pelo contrário, resguardam a igualdade e o equilíbrio processual. Como o direito material do trabalho trata especialmente da proteção do trabalhador, muitas vezes essa característica contamina a visão equivocada que alguns têm a respeito da imparcialidade do juiz”, complementa.

A impressão de que a Justiça sempre tende ao mais fraco, personificado no trabalhador reclamante, faz com que muitas empresas tremam nas bases quando demitem um funcionário, por exemplo. Mas não é preciso tanta temeridade. Para Genésio Vivanco Solano Sobrinho, advogado e juiz do trabalho aposentado, o ideal para as empresas é adotar uma postura preventiva. “A empresa precisa conhecer os riscos, combatê-los dentro de suas possibilidades e assumi-los, caso não possam ser combatidos”, resume. Na opinião dele, a empresa é constituída de capital e trabalho e a gestão das pessoas deve ser feita em função do conjunto. “Ela deve remunerar o trabalho, o capital e, depois disso, pode ter uma margem de lucro. Mas a visão do empresário é exatamente oposta e daí começam os conflitos”, conceitua.

Vivanco acredita que três fatores contribuem para o desequilíbrio nas relações de trabalho: a falta de representatividade dos advogados das empresas nas associações de classe dos profissionais do direito trabalhista; o fim das representações classistas e das antigas Juntas de Conciliação;
e a falta de interesse e participação das entidades empresariais nas discussões em torno das leis trabalhistas.

Pomo da discórdia
Considerada por representantes dos empregadores e também dos trabalhadores uma importante ferramenta para a solução rápida dos processos trabalhistas (e consequente redução no volume desses processos), a comissão de conciliação prévia passou a ser considerada ilegal pela Justiça do Trabalho. A razão para isso foi a observação de que havia um grande desvirtuamento de seu propósito inicial. “Ao verificarmos o fato de que um número importante de ações era extinto por meio da conciliação, não chegando a julgamento, efetivamente se mostrava benéfica a criação de um mecanismo que facilitasse o acordo. Porém, parte relevante dessas comissões foi criada ou utilizada como instituto de facilitação de fraudes no pagamento de débitos trabalhistas, usando-se dos mais diversos artifícios, desde a indução a erro do trabalhador a respeito das consequências da conciliação até a submissão ao acordo de verbas incontroversas, o que é vedado em lei”, justifica o juiz Thiago Sória.

Para o presidente da Amatra-SP, as Comissões de Conciliação Prévia (CCP) não são, em si, um instituto perverso a ser combatido. Porém, o desvirtuamento delas promovido por falsos representantes de trabalhadores e empresas interessadas em deixar de pagar dívidas certas faz com que toda conciliação realizada naqueles órgãos precise ser analisada com bastante cuidado quando levada ao conhecimento do Poder Judiciário, explica Sória.

Mas essa não é a mesma opinião do advogado Genésio Vivanco e de Genival Beserra Leite, presidente do Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de Obra, Trabalho Temporário, Leitura de Medidores e Entrega de Avisos do Estado de São Paulo (Sindeepres).

Para Vivanco, a decisão da Justiça do Trabalho de considerar a CCP inconstitucional, permitindo ao trabalhador questionar os acordos, representa um retrocesso para o país em termos processuais e um prejuízo para a imparcialidade da isonomia processual. “Da mesma forma que acabou com a conciliação dos dois juízes classistas na Junta de Conciliação, a CCP era uma comissão independente e de caráter administrativo, mas o Judiciário considera que a decisão de uma comissão administrativa não pode ser tomada sem passar pelo crivo dele [do Judiciário]. Isso tirou a força da CCP”, critica.

Na opinião de Leite, a comissão de conciliação prévia era um instrumento muito bom para o sindicato e para as partes porque os acordos eram celebrados entre a empresa e o trabalhador de forma rápida. “Por outro lado, a CCP enfrentou grande resistência, principalmente por parte dos advogados trabalhistas porque ela tirava boa parte dos processos deles. Tanto que chegou a tal ponto de desgaste que não houve mais como tocá-la”, lamenta. O Sindeepres extinguiu sua comissão há cerca de dois anos.
Segundo Leite, outra virtude da comissão de conciliação prévia era o combate às ações irregulares na Justiça do Trabalho. Ele explica que no sindicato que está à frente as partes se reuniam, juntamente com seus advogados, para negociar um acordo. Ao término da negociação era lavrada uma ata e encaminhada ao Poder Judiciário. “Se o trabalhador tentasse usar de má-fé e decidisse entrar com uma ação questionando a decisão, o juiz barrava com aquela ata do acordo. Caso não houvesse acordo, a mesma ata era redigida, mas dava por infrutífera a negociação e o juiz do Trabalho entrava com o processo”, detalha.

À revelia
Como se não bastassem os milhares de processos na Justiça do Trabalho, um outro aspecto contribui para que essas ações tomem tempo e, muitas vezes, ocupem de forma equivocada a boa fé e o tempo dos outros. Melhor dizendo: em muitos casos, alguns advogados trabalhistas acabam incluindo inúmeros itens numa ação que devem ser apurados para verificar se a empresa é ou não obrigada a indenizar o trabalhador. E cabe a ela justificar se o ex-funcionário tem direito ou não a cada um daqueles tópicos.
Trata-se de uma prática que o presidente do Sindeepres não aprova, “pois o objetivo principal é uma condenação à revelia; enfim, tudo o que é pedido vira verdade”.

Além dessas questões, a morosidade dos processos também vira alvo de críticas. Nesse ponto, Sória, da Amatra-SP, defende a Justiça do Trabalho, afirmando que ela foi reconhecida em recente pesquisa como a mais célere dentre os ramos do Poder Judiciário. Segundo o juiz, os processos trabalhistas em sua fase de conhecimento, geralmente, têm duração considerada razoável, apta a atender o interesse das partes na rapidez de solução de seus litígios. “Porém, a execução, por depender da descoberta e expropriação dos bens do devedor, que muitas vezes cria embaraços e outras vezes não possui mesmo meios de quitar a dívida, acaba sendo responsável pela extensão indesejável do tempo de duração do processo”, detalha.

O advogado Vivanco vai ainda mais longe e se posiciona contrário às penhoras online que são feitas na Justiça do Trabalho. “Quando se faz a penhora numa conta da empresa, na verdade está se penhorando a receita dela. E os compromissos que ela tem a pagar? O que é penhorado é o bruto, não o líquido”, questiona.

Relações diferenciadas

Terceirização de mão de obra na berlinda

Uma prática corrente no mercado, especialmente em alguns setores como comunicação e informática, a contratação de profissionais em regime pessoa jurídica – aquela em que o profissional presta serviços por meio de uma pequena empresa fornecendo nota fiscal – também é fonte de muitas ações trabalhistas contra os contratantes.

O advogado Genésio Vivanco Solano Sobrinho explica que o artigo 9º da CLT considera “nulos de plenos direitos os atos praticados com o objetivo de induzir, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos previstos nesta Consolidação”. Por outro lado, ele afirma que com a instituição do sócio-administrador pelo Novo Código Civil, basta à empresa estabelecer um contrato específico, com cláusulas que evitem relação de subordinação aos gestores, estabelecimento de carga horária diária, entre outros itens. “Hoje, existe o empresário individual, que desenvolve um trabalho técnico, em que não existe dependência técnica nem subordinação à empresa”, exemplifica.

Ele ainda cita os casos dos motoristas fretistas autônomos, que prestam serviços como profissionais terceirizados a transportadoras. “Por se tratar de uma atividade que não está no escopo do negócio da empresa, ela pode ser terceirizada. Basta firmar um contrato específico e evitam-se problemas trabalhistas mais adiante”, finaliza.

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