Gestão

Evolução timida

de em 14 de março de 2012
Adriano Vizoni
Paulo Sérgio João: a reforma da CLT é necessária, mas não virá de uma única vez

Embora 2011 tenha sido marcado por momentos importantes e que desenham um futuro de transformações nas relações de trabalho, ele registrou tímida evolução na legislação trabalhista. A avaliação é do advogado trabalhista e professor da PUC-SP e da FGV-SP Paulo Sérgio João. No balanço jurídico do ano passado, João conta que, no âmbito das relações coletivas, constatou-se um crescimento dos conflitos com greves significativas tanto no setor privado quanto no público. “Foram significativas as paralisações pela busca de participação nos lucros ou resultados (PLR) nas empresas. Todavia, nesse aspecto, os sindicatos pecaram por inserir a PLR na relação de conflito e sem se preocupar com integração dos trabalhadores no negócio empresarial e na empresa”, diz.  Na entrevista a seguir, o professor e fundador do escritório Paulo Sérgio João Advogados faz uma análise também do que emperra a portaria que trata do ponto eletrônico e da lei sobre o trabalho a distância.

MELHOR – Que balanço podemos fazer de 2011 em termos trabalhistas?
Paulo Sérgio João – Os conflitos coletivos de trabalho ocorridos durante o ano de 2011 revelaram um aspecto importante das transformações das relações do trabalho que se concentrou nas negociações marcadas por greves nos diferentes setores de atividade econômica. O funcionalismo público eclodiu uma greve no judiciário, com pretensão de reposição de perda inflacionária e sob argumento de congelamento de vencimentos há alguns anos.  Essa greve trouxe, pelo menos nas instâncias de primeiro grau, prejuízos enormes no sentido da prestação jurisdicional. Para ficar ainda no campo dos conflitos coletivos, foram significativas as paralisações pela busca de participação nos lucros ou resultados (PLR) nas empresas. Todavia, nesse aspecto, os sindicatos pecaram por inserir a PLR na relação de conflito e sem se preocupar com integração dos trabalhadores no negócio empresarial e na empresa.

Qual a importância dessa integração dos trabalhadores no negócio?
Não tenha dúvida de que com a integração de trabalhadores na empresa, participando do resultado do negócio, há uma verdadeira revolução nas relações de trabalho e um aumento da responsabilidade nessas relações. É uma pena que os trabalhadores se deixem levar pela política sindical nesse assunto e, muitas vezes, não têm a percepção da sua valorização no ambiente de trabalho.  Além da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, a representação não sindical de trabalhadores tem sido destaque na modernização das relações de trabalho.

Algum outro ponto de destaque, em sua opinião, do que ocorreu no ano passado?
O Judiciário Trabalhista, por meio do Tribunal Superior do Trabalho, impulsionou discussões relevantes na sociedade. Primeiro, apoiando a Certidão de Débitos Trabalhistas, depois, encaminhando projeto de reforma da CLT no que diz respeito ao processo de execução, além de ter revisto a redação de várias Súmulas. Importante destacar a audiência pública sobre terceirização cujos resultados já vêm sendo adotados e sentidos na jurisprudência daquela Corte Trabalhista. Além disso, o governo federal também desenvolveu relevante papel na inserção do trabalho informal na formalidade com incentivos da lei do pequeno empreendedor. Também no âmbito do governo federal, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não conseguiu implantar oficialmente o controle de jornada pelo ponto eletrônico, adiando sua imposição de caráter obrigatório, revelada como pretensão impossível.

E por que essa portaria do MTE que trata do ponto eletrônico não decola? Quais forças emperram isso?
Na minha avaliação, ela será mais uma forma possível de controle de jornada. A operacionalização desse modelo em algumas empresas é impossível e gera uma logística de instalação de aparelhos em diferentes locais das plantas e em estabelecimentos. De outro lado, não será afastada a hipótese de discussão em processo trabalhista de que o empregado trabalhou além do que o ponto eletrônico demonstrou. Ou seja, o juiz do trabalho e as decisões da Justiça do Trabalho não têm apego ao formalismo e prevalecerá sempre o aspecto fático como fundamento do que efetivamente ocorreu na relação de emprego. De outro lado, a nova portaria transferiu para o sindicato o aval de que o controle de jornada utilizado pelo empregador é adequado e confiável, tudo por meio de negociação coletiva. De novo, o mesmo problema quanto à prova que o ex-empregado despedido poderá fazer em processo trabalhista e o aval do sindicato de nada valerá. Acrescente-se que dificilmente um sindicato, sem moeda de troca importante, assumirá a regularidade de controle de jornada sem efetiva participação na sua gestão no âmbito interno da empresa.

Em 2011, mais precisamente em novembro, veio a lei 12.506, que trata do aviso prévio. É uma lei de um artigo, mas com muitas interpretações controvertidas, não?
A lei apenas trouxe o direito de mais três dias de acréscimo na remuneração do aviso prévio por ano de serviço na empresa, onerando o empregador que dispensar o empregado sem justa causa. As interpretações se acomodarão com o tempo e, como sempre, têm aquelas mais tendentes a ampliar os direitos dos empregados e aquelas mais restritivas.

Retomando um tema que o senhor mencionou: terceirização. Houve avanços na discussão sobre ela? Ainda sofremos de um mal que precariza o trabalho, como definem uns?
Não tenha dúvida de que a terceirização continua sendo vista pelo viés da precarização de direitos trabalhistas, e com motivos, em razão da falta de credibilidade gerada por empresas prestadoras de serviços. Todavia, não acredito que uma lei possa resolver o problema porque se trata de modelo de gestão e não de opção de contrato de mão de obra. Os projetos de lei mais discutidos e que tratam da terceirização no limite reconhecem a contratação de mão de obra e não de serviços, oficializando o que se combate ao longo de toda a jurisprudência trabalhista que se consolidou na Súmula 331 do TST. Há avanços depois da discussão da audiência pública do TST, em especial quanto à interpretação de modelos possíveis, sem tanta rigidez.
 
Em relação à reforma da CLT, o senhor acredita que ela um dia será uma realidade? Em sua opinião, quais os principais pontos a serem mudados?
A reforma da CLT é necessária, mas não virá de uma única vez. Será aos poucos para não criar pânico nas relações de trabalho. Existem vários pontos que precisam de modernização para deixar essas relações mais obrigacionais do que protecionistas, isto é, empregados e empregadores precisam celebrar contratos com segurança jurídica e não, como ocorre atualmente, com riscos de nulidade no que foi contratado sempre com fundamento na manifestação da vontade viciada do empregado em razão da questão econômica. Se não for assim, não vamos criar uma sociedade com responsabilidade. Também nas relações coletivas de trabalho há necessidade de eliminação da contribuição sindical obrigatória para que possamos pensar em efetiva representação de trabalhadores.
 
Alguma expectativa em relação à questão sindical?
Para 2012 espera-se maior atenção a esse ponto a fim de que se rompa a unicidade sindical fragilizada pelo próprio modelo atual de organização [sindical] que permanece entre a herança e o novo, mas com resistência muito grande em razão da permanência da tal contribuição.

Com o processo de terceirização crescente, o movimento sindical corre o risco de perder força? 
Não tenha dúvidas de que uma das correntes contrárias à terceirização caminha no sentido de que ela fragilizaria os sindicatos com a redução do número de integrantes da categoria da atividade principal da empresa. Além dessa redução, há, também, a perda de contribuição sindical. Curiosamente, na esteira da criação de sindicatos, já temos um sindicato dos empregados em empresas prestadoras de serviços que disputa, com o da categoria preponderante da empresa, representação dos empregados das empresas terceirizadas. O número de sindicatos cresce a cada mês e hoje temos mais de 16 mil no país, muitos deles preocupados com o recebimento da contribuição sindical. Não se pode restringir a criação de sindicatos por aplicação do princípio da liberdade sindical e, efetivamente, não é esse o problema. A questão essencial é que eles tenham maior legitimidade cujo ideal somente será atingido quando não sobreviverem às custas de contribuição sindical compulsória.

Fala-se muito, nos dias de hoje, em sustentabilidade. O que isso tende a impactar nas relações da empresa com os funcionários?
No campo de relações de trabalho nas empresas, o crescimento da preocupação ambiental tenderá a crescer e elas terão de se voltar à gestão sustentável no sentido de promover a realização do trabalhador enquanto pessoa e enquanto trabalhador, conciliando os interesses sem prejudicar o desenvolvimento e o crescimento da empresa.

Em termos legais, o que isso pode acarretar? Melhor dizendo: questões como assédio sexual e moral, além de outras formas perversas de controle, devem merecer maior atenção, por exemplo?
O ambiente de trabalho deve ser responsável pela formação de pessoas com ética no relacionamento, além de servir como instrumento de realização profissional. Ambiente saudável implica satisfação e prazer de estar participando da construção do futuro. O assédio moral se difunde de modo difuso e com conceitos diversos. As empresas devem cuidar para regulamentar mediante código de conduta o comportamento e os meios de denúncia de trabalhadores que estejam sofrendo esse tipo de assédio.

Recentemente, a presidente Dilma sancionou uma lei  que trata do trabalho a distância. Ela parece bem controversa também.
A lei que trata do trabalho a distancia está sendo interpretada de modo equivocado em várias manifestações pela imprensa. O que a lei procurou foi esclarecer no que se refere a elementos de vínculo de emprego e não trouxe muita novidade no assunto. Ela apenas deixou claro que os meios telemáticos podem revelar subordinação e controle e, desse modo, habilitar o trabalhador à condição de empregado.

 

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