Gestão

Fechando a torneira

de em 3 de dezembro de 2015

Roberta, da Arator: é vital o treinamento e a conscientização dos colaboradores

Podemos sofrer escassez de água? Essa pergunta vem sendo recorrente no planejamento estratégico de qualquer empresa situada em estados brasileiros que sofrem com a crise hídrica, em especial, aquelas localizadas no Sudeste, que não estavam preparadas para a situação. Não por acaso, no ano passado, com as torneiras sem água, escolas, restaurantes e pequenos comércios decidiram fechar as portas durante alguns dias na cidade de São Paulo.

“Apenas um dilúvio pode salvar São Paulo”, declarou, à época, Vicente Abreu, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). As palavras de desespero do executivo revelam a intensidade do problema. Por anos a fio, governos e empresas de saneamento público não investiram em programas de conscientização da população nem em projetos que evitassem ou minimizassem a escassez. Agora, as organizações e a população precisam correr atrás do prejuízo para fazer uma gestão da crise hídrica eficiente, que passa, necessariamente, pela gestão de pessoas.

Um estudo realizado pela consultoria Remunerar com 337 empresas de 63 municípios brasileiros apontou que, para cerca de 48,1% das organizações, a crise hídrica pode sim comprometer fortemente ou causar considerável impacto nos planos de crescimento do negócio. Para minimizar esse problema, as empresas, por meio de seus RHs, criaram 1.668 iniciativas visando o uso consciente da água, relata o levantamento.

Entre as iniciativas mais comuns estão: a troca de torneiras antigas por modelos mais modernos e econômicos; a intensificação da comunicação interna com programas de conscientização; o reaproveitamento da água de chuva; e a caça aos vazamentos internos. Apesar dos esforços, uma ponta desse elo ainda está fraca. O estudo detectou que apenas 32% dos funcionários dessas organizações levantaram a bandeira do uso consciente de água, ou seja, o engajamento dos colaboradores com as ações foi considerado baixo ou muito baixo pela pesquisa.

Engajamento

Para Marcelo Samogin, diretor da Remunerar, há combinações perigosas nesse cenário: a escassez de água impacta negativamente os negócios, soma-se a isso o baixo grau de percepção e engajamento dos funcionários e a falta de fixação de metas para economizar o recurso – apenas 50% das empresas pesquisadas haviam estabelecido metas. “Sabemos que há oportunidades em todas as frentes e, certamente, há limitações em razão do tipo de operação e instalação empresarial, mas, com mudança de postura de consumo e algum investimento, as organizações podem obter bons resultados e criar a cultura do reúso da água”, diz.

Para ele, as empresas, os RHs e executivos que souberem explorar o tema de maneira mais ampla terão a oportunidade de refletir, repensar e reinventar o negócio. “Trabalhar a comunicação de forma pragmática e honesta, exercitando a transparência e estimulando os colaboradores a perseguirem objetivos e resultados de redução do consumo de água, é uma das alternativas mais eficientes”, observa.

Samogin, da Remunerar: oportunidades que aparecem com a crise

A conscientização sobre o uso correto dos recursos naturais está presente em boa parte das ações de sustentabilidade das empresas. Contudo, com o cenário de baixo índice pluviométrico, muitas dessas atividades foram intensificadas. “É evidente que algumas iniciativas precisam de investimentos, mas o bom-senso tem levado a maioria das empresas a intensificar a comunicação [por meio do RH] a fim de sensibilizar as pessoas sobre o problema do uso racional da água”, relata Samogin. Por isso, entre as principais iniciativas encontradas estão a intensificação da comunicação interna sobre o racionamento, a criação de comitês de gestão da água, comunicação diária ou frequente das metas de consumo e economia de água, além de cursos sobre o tema aos colaboradores.

Comunicação

O investimento em comunicação também é considerado a medida mais plausível para a redução em curto prazo, segundo Felipe Inocente, especialista em Continuidade de Negócios Brasil da AON. “Em curtíssimo prazo, a conscientização da população e a redução voluntária do consumo de água é que promoverão a economia”, lembra. Já pensando a médio e longo prazo, observa o executivo, a atenção deve ser focada para formas de prevenção. “Por meio dessa gestão, será possível definir um processo estratégico capaz de identificar riscos potenciais que ameaçam as atividades normais das organizações”, destaca. Segundo Inocente, ao coordenar esse processo, a organização prepara uma estrutura resiliente capaz de responder efetivamente a incidentes como a crise hídrica e a energética.

Identificando o desperdício

A comunicação eficiente é peça-chave no uso consciente da água, mas o pontapé inicial é o mapeamento dos principais pontos de desperdício do recurso e o que pode ser implantado para promover tal redução. Contudo, de acordo com o estudo da Remunerar, apenas 32% das empresas estabeleceram como meta economizar até 20% de água.

Diagnosticar os principais pontos de desperdício é, sem dúvida, o primeiro passo para o desenvolvimento da estratégia de melhor uso da água. Essa é a opinião de Roberta Valença, CEO da Arator, consultoria na área de sustentabilidade. “É imprescindível contratar um profissional que possa levantar a situação da empresa em relação ao desperdício de água, como alguns vazamentos que provêm de encanamentos inapropriados e antigos”, afirma.

A criação de um comitê pelo RH da empresa para levantar os pontos de maior desperdício também é uma alternativa. “É a partir desta análise que novas ações podem ser decididas e colocadas em prática. Isto, inclusive, facilitará o processo de análise e fixação de objetivos a serem perseguidos”, relata Samogin, da Remunerar.

Infraestrutura e boas iniciativas

Além das iniciativas destacadas, os especialistas listam mais duas ações simples: o uso de água da chuva em algumas operações e a instalação de equipamentos que reduzam o consumo de água em descargas, torneiras e chuveiros. “Já identificamos diversas empresas que oferecem soluções bem baratas para armazenagem da água da chuva. A utilização dessa reserva para limpeza ou até mesmo após o tratamento para reúso diminui a conta de água consideravelmente”, explica Roberta, da Arator.

Reservatório Cantareira operando desde o ano passado com a reserva técnica

A Reis Office, empresa especializada na produção de equipamentos para escritório, já possui instalações para captação, tratamento e reutilização da água de chuva e dos aparelhos de ar-condicionado. “Contamos também com vasos sanitários equipados com as econômicas válvulas de acionamento duplo, torneiras com fechamento automático e instalamos aeradores [que diminuem o fluxo da água] em todas as torneiras”, explica Júlio Miranda, coordenador de marketing da empresa. O executivo relata que a instalação do aerador foi, inclusive, uma sugestão de um colaborador.

Além das ações mencionadas, a Reis realiza periodicamente campanhas de incentivo ao uso consciente da água. “As campanhas são sempre apoiadas pelos colaboradores, pois eles sabem que quanto mais economizamos, melhor para o meio ambiente e para a rentabilidade da empresa”, afirma. O cofre da empresa agradece a colaboração de todos. De dezembro de 2014 a fevereiro de 2015, foram economizados 210 mil litros de água.

Para que ações como essas sejam propagadas e mantidas entre os colaboradores, Roberta, da Arator, indica que é vital que o treinamento e a conscientização sejam regularmente inseridos nas agendas das organizações. E o RH deve constantemente monitorar os resultados das campanhas. “Compartilhar os bons resultados e incluir esses indicadores em campanhas de incentivo são boas maneiras de incutir bons hábitos de consumo. É muito importante que a pessoa referência da empresa, em muitos casos o CEO, seja parte viva nesse processo”, lembra.

Outras iniciativas, como promover oficinas internas para treinar os funcionários na montagem de cisternas residenciais e treinamentos para simulação e revisão dos processos produtivos usando quantidade menor de água, também devem estar na pauta e na agenda das organizações. E a área de gestão de pessoas, por sua vez, deve observar a instalação de comitês internos especiais para trabalhar o tema nas empresas – eles premiariam as boas ideias e puniriam em caso de desperdícios.

“Não há dúvidas de que este momento de crise hídrica provocará uma mudança radical de cultura. As lições desta época convidarão todos a refletirem e a entenderem que a cultura do desperdício é fatal para qualquer negócio”, afirma Samogin, da Remunerar.

Para ele, as empresas podem reinventar a cultura da eficiência do negócio, tendo como tema central o desperdício para treinar e qualificar funcionários, sensibilizando todos sobre a nova ordem de preservação. “Podemos concluir que sempre haverá oportunidades em torno das crises. Os líderes de RH têm papel-chave como articuladores internos para o enfrentamento de mais este desafio”, completa.

Gestão da crise hídrica 
Check-list de soluções estratégicas para a gestão da crise hídrica

â–º Aumento da eficiência no uso dos recursos;
â–º Aumento da capacidade de armazenamento de água e produção de energia;
â–º Aumento da capacidade de reúso dos recursos;
â–º Redução de perdas;
â–º Conscientização de funcionários no uso racional dos recursos;
â–º Conscientização de fornecedores.

 

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