Foco na atenção primária à saúde

de Karin Hetschko em 2 de agosto de 2017

Robert Janett destaca que o Brasil deve empregar mais
esforços na atenção primária à saúde

Cerca de 40% da população adulta brasileira, o equivalente a 57,4 milhões de pessoas, possui pelo menos uma doença crônica não transmissível, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). De acordo com o estudo, essas doenças são responsáveis também por mais de 72% das causas de mortes no Brasil e estimativas sugerem que a queda na produtividade em decorrência de apenas três dessas doenças – diabetes, problemas cardíacos e AVC – levaram a uma perda na economia brasileira da ordem de 418 bilhões de dólares, entre 2006 e 2015.

Como os dados revelam, um dos principais problemas da saúde brasileira é a falta de atenção destinada às doenças crônicas. Segundo especialistas, quando tratadas e monitoradas num estágio primário, elas podem ser controladas e o custo com o tratamento pormenorizado. Essa é a principal bandeira da atenção primária à saúde, que tem como princípio trabalhar com partes do conceito do médico da família, integrando ações preventivas e 360 graus de atenção à saúde do paciente. “A curva desses gastos é enorme e muitos desses eventos podem ser prevenidos com uma gestão adequada dessas doenças crônicas”, afirma Robert Janett, um dos grandes defensores da saúde primária.

Professor-assistente da Universidade Harvard e coordenador do Cambridge Health Alliance (CHA), Janett estará no Congresso Internacional de Saúde Corporativa: estratégias para redução de custos e melhora de resultados, evento realizado pela Editora Segmento, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, nos dias 30 e 31 de agosto, na capital paulista (para mais informações, clique aqui). Ele fará a palestra Benefícios da atenção primária à saúde em termos populacionais e financeiros, no dia 31 de agosto, às 11h15.

Como o senhor analisa o atual sistema de saúde brasileiro?
Ele é bem interessante e complicado, especialmente, a saúde suplementar. A saúde suplementar no Brasil oferece aos indivíduos, por meio das organizações, uma oportunidade de ter fácil acesso a especialistas, hospitais renomados e complexos diagnósticos. Todavia, algo faltava na concepção da saúde suplementar. Havia a presunção de que as pessoas que precisavam de atenção primária à saúde sempre poderiam ter acesso a esse atendimento por meio do SUS. Mas sabemos que poucos beneficiários da saúde suplementar recorrem ao SUS. Há, portanto, um interessante problema a resolver, um sistema que é passivo em termos de empreender esforços para controlar problemas de saúde de sua população. Na verdade, sem a atenção à saúde primária, não há ganhos para os atores na saúde suplementar, a não ser para os planos de saúde.

E como essa falta de investimento na atenção primária à saúde afeta o nosso sistema de saúde?
Lidamos com o excesso de uso de diagnósticos, de hospitais e especialistas, que não beneficiam os pacientes. Simultaneamente, há uma espetacular taxa de não utilização de serviços essenciais que todo paciente merece ter, como o acompanhamento de doenças, serviços preventivos e gerenciamento de doenças crônicas, em especial, nos estágios primários da doença. Contudo, precisamos ter empatia por todos os atores desse sistema. Acredito que as companhias de seguro e os especialistas de hospitais fazem o seu melhor. Mas precisamos lembrar que todos somos humanos e sabemos que seres humanos erram. Em 2003, um jornal médico publicou que o sistema de saúde americano tinha em torno de 50% de taxa de erros. Se você constrói um carro que tem um sistema produtivo com erros em torno de 50%, você compraria esse carro? Do meu ponto de vista e de muitos colegas, isso é inaceitável.

E como mudar essa situação?
Mais uma vez, devemos investir na atenção primária à saúde. Dessa forma, é possível, por exemplo, conhecer os nomes de cada paciente que tem diabetes. Sabemos que médico está conectado a qual paciente e quais as necessidades médicas dele. Temos linhas mestras clínicas que nos dizem que cada diabético precisa de uma série de exames anuais – glicose no sangue, testes de colesterol, rastreamento para doenças nos rins, exame de retina para observar se há retinopatia diabética e exames de pressão arterial. Se o paciente cumprir todos esses passos, chamamos de atendimento perfeito. Quando implementamos o nosso modelo de atenção primária à saúde no Brasil, em um pequeno hospital em Guarulhos (SP), o índice de atendimento perfeito para diabetes era zero. Mas, quando começamos a trabalhar na divulgação e lembretes para recordar aos médicos tudo o que era necessário em cada visita, com times multidisciplinares para desempenhar algumas rotinas médicas e uma equipe de suporte especializada, descobrimos que poderíamos melhorar a taxa desse atendimento. Depois de 14 meses, crescemos de 0 para 20%, depois 33%, mais tarde para 40%. E veja: essa melhoria não foi produzida por especialistas renomados de grandes universidades, mas sim por um bom grupo de médicos generalistas, que trabalham na atenção primária à saúde.

Na sua opinião, o sistema de atenção primária à saúde poderia ajudar a diminuir as taxas de doenças crônicas no Brasil?
O Brasil sofre uma epidemia de doenças crônicas. O sistema de saúde brasileiro foi desenhado para lidar com as necessidades momentâneas da população, dores de garganta, ossos quebrados, laceração etc. As doenças crônicas são relegadas a um segundo plano no atual sistema e isso gera um aumento superlativo dessas doenças. Por essa razão o Brasil deve abraçar a atenção primária à saúde.

Como as doenças crônicas são tratadas atualmente no Brasil?
As pesquisas mostram que uma pessoa que sofre de doença crônica no Brasil consulta de quatro a 16 especialistas por ano. E se não há, de princípio, uma coordenação e organização desse atendimento, sem que os médicos especialistas se comuniquem, podem ocorrer graves erros. Um médico prescreve um medicamento e outro prescreve uma receita que vai interferir no tratamento anterior. Nesse modelo, o paciente é o mensageiro e sabemos que pacientes não são bons nessa tarefa.

E como funciona essa comunicação no modelo de atenção primária à saúde?
Se você observar na minha clínica em Cambridge, perceberá que todos os pacientes estão conectados com o médico que fez o primeiro atendimento – em grande parte dos casos, os pacientes recorrem sempre a esse médico para resolver qualquer problema de saúde. Esse profissional ajuda o paciente a resolver o problema ou direcioná-lo para outro especialista. Sem essa linha mestra do médico de atenção primária, o paciente é deixado a sua própria sorte. E muitos acabam se autodiagnosticando.

E isso ocorre muito no atual sistema de saúde?
Sim, veja o Dr. Google: ele acaba sendo o primeiro médico a diagnosticar o paciente. Digamos que o Dr. Google diz que seu problema provavelmente está relacionado ao coração. Sua primeira reação é consultar um cardiologista. Este vai pedir uma série de exames para depois constatar que não há nada de errado no seu coração, é que o problema pode estar relacionado aos pulmões. Você consulta então um especialista na área. Ele vai solicitar a você uma tomografia axial computadorizada e mais testes no pulmão para depois constatar que também não há nada de errado com seus pulmões. E finalmente você resolve ir até um gastroenterologista, que solicita uma endoscopia e prescreve uma simples pílula para resolver o seu problema. Estou sendo um pouco simplista, mas é mais ou menos assim que o sistema funciona sem um guia. Os pacientes são inocentes; eles realmente não sabem como proceder.

Há uma certa desvalorização da atenção primária à saúde no Brasil?
O atendimento de médicos generalistas é tradicionalmente desvalorizado aqui no Brasil, no meu país e em qualquer outro lugar. O mais paradoxal nesse caso é que não encontramos, de fato, qualquer sistema de saúde que funcione bem se o foco não for a atenção primária à saúde. Se você perguntar a um brasileiro quem é o verdadeiro médico, ele te responderá que é um especialista. De forma que precisamos mudar uma série de fatores culturais. Precisamos mudar a ideia de que atendimento primário é algo básico, mas sim fundamental e pode ser de extrema ajuda para os pacientes. Esse sistema é focado para atender às necessidades dos pacientes, não as necessidades dos médicos.

Se fosse o RH, o que faria para cortar os custos com saúde?
Se eu fosse gestor de RH, eu me preocuparia com o planejamento adequado do dinheiro investindo em saúde. Eu revisaria o planejamento de saúde da corporação para assegurar que ele fosse baseado na atenção primária à saúde para toda a população: empregados, aposentados e familiares. Na verdade, colocaria como regra que cada uma dessas vidas da companhia deveria antes passar por um médico generalista. Mas antes dessa tomada de decisão é preciso trabalhar a rede de atendimento desses médicos. Esse é um processo de alguns anos, não há como mudá-lo de um dia para outro. Por outro lado, se eu fosse um colaborador que possui um plano médico patrocinado pela empresa, eu forçaria que os operadores de saúde oferecessem planos baseados na atenção primária à saúde. Após tomar esses passos, abriria um debate se os serviços estão de fato funcionando, trabalhando com os meus empregados e sua família como manter a melhor forma de saúde deles trabalhando com médicos generalistas.

E não perca o Congresso Internacional de Saúde Corporativa: Estratégias para redução de custos e melhora de resultados, evento realizado pela Editora Segmento, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, nos dias 30 e 31 de agosto, em São Paulo (SP). Para mais informações, clique aqui

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Karin Hetschko

Foi subeditora de "MELHOR - Gestão de Pessoas" e hoje é colaboradora. Sua última empreitada antes de escrever sobre gestão de pessoas foi na área de comunicação corporativa, o que lhe rende até hoje boas pautas e impressões sobre este universo.