Gestão

Gestão boa para todos

de Caroline Marino em 13 de outubro de 2014
José Luiz Weiss / Crédito: Adriano Vizoni
O modelo desafiaos líderes a repensar o significado da existência das corporações / Crédito: Adriano Vizoni

Nos últimos anos muita coisa mudou na gestão de pessoas das empresas. Novos valores foram incorporados e a preocupação com o bem-estar das pessoas, bem como os investimentos em desenvolvimento e qualidade de vida, foram reforçados no ambiente corporativo. Quando pensamos em empresas que se destacam no Brasil e no mundo na prática de gestão de pessoas como Google, Southwest Airlines, Whole Foods Market, Patagonia e UPS, observamos um ponto em comum: todas incorporam em sua gestão aspectos do capitalismo consciente.

Mas o que vem a ser o tal capitalismo consciente? Segundo a ONG Capitalismo Consciente Brasil, o termo é cunhado para empresas que visam sim o lucro, mas que, além disso, trabalham para gerar valores não só para si, mas para toda a cadeia de stakeholders: clientes, funcionários, fornecedores, investidores, comunidade e meio ambiente. De acordo com José Luiz Weiss, cofundador da entidade Capitalismo Consciente Brasil, trata-se de uma filosofia baseada na crença de que uma forma mais complexa de capitalismo está emergindo. Capitalismo este que tem o potencial para melhorar o desempenho das empresas e, simultaneamente, promover a qualidade de vida das pessoas. “Ele [o movimento] desafia os líderes empresariais a repensar por que suas organizações existem e a reconhecer os papéis de suas empresas no mercado global”, explica. De acordo com o executivo, é um grande mecanismo de geração de valor e de evolução da sociedade. “Mas ainda há muito a evoluir no Brasil”, ressalta.

Princípios do movimento
E essa evolução passa pela percepção da importância dos princípios do capitalismo consciente, que estão baseados em quatro pilares: propósito maior, liderança consciente, atenção a todos os stakeholders e cultura empresarial consciente (veja mais no boxe Os quatro elos do capitalismo consciente). “O movimento foca a intersecção desses quatro pontos”, explica Weiss. Para ele, não existe a empresa perfeita, nem totalmente consciente. “O que existe são companhias que estão em uma jornada de busca de consciência”, explica.

Em geral, as empresas que são muito fortes em sustentabilidade também atuam observando a necessidade de todos os stakeholders, por exemplo. Mas pode haver uma ou outra empresa que não trabalha tão bem esses pontos, contudo têm uma cultura de valores e propósito mais clara. “Cada uma é mais forte em um dos princípios”, complementa Mauricio Goldstein, fundador da Corall Consultoria e autor do livro Novas organizações para uma nova economia, da editora Elsevier. Na visão do executivo, esses princípios são uma direção para as empresas que querem adotar o modelo, mas isso não significa que as companhias precisam adotar necessariamente todos esses princípios para serem consideradas empresas de capitalismo consciente. “Tem empresa que trabalha mais um princípio que o outro”, afirma.

#Q#

Os quatro elos do capitalismo consciente

1. Propósito maior: o resultado financeiro é consequência de maximizar o propósito, não o contrário. O foco está na cultura e valores e nas formas de engajar e envolver as pessoas.

2. Liderança consciente: além de a empresa ter um propósito, é preciso ter líderes que a conduzam. Eles precisam ter uma forma de olhar para o mundo diferente e valorizar as pessoas que trabalham com ele, pois são elas que criam a consciência da empresa.

3. Atender aos stakeholders: o objetivo é maximizar valor para todos os envolvidos: funcionários, cliente, fornecedor, acionista, comunidade e meio ambiente. Neste caso, o acionista não é o foco.

4. Cultura consciente: uma cultura que foque o bem- estar social para, assim, melhorar a produtividade de todos os envolvidos, com transparência e participação de todos.

Como surgiu
Para chegar a esses princípios e entender, de fato, o movimento do capitalismo consciente, um dos fundadores do conceito, Raj Sisodia, estudou as práticas de companhias que eram amadas por todos os stakeholders. O estudioso queria entender o que tornava essas empresas tão únicas. Em suas pesquisas, Sisodia descobriu algo estonteante: enquanto o mercado normal cresceu, em valor, durante 15 anos, algo em torno de 160%, as companhias bem ranqueadas pela comunidade cresceram dez vezes esse valor. Em outras palavras, ao buscar o bem comum da companhia e dos stakeholders, as empresas encontraram o lucro acima da média. Era um novo modelo de negócios que nascia. 

A fórmula do sucesso
Depois de ouvir mais de 60 empresas no Brasil, Estados Unidos e Europa, Goldstein chegou à conclusão de que além dos princípios mencionados outros ingredientes foram acrescidos à fórmula de sucesso do capitalismo consciente. São eles: 1. Ter um líder ou fundador com um sonho mobilizador, uma pessoa que ajuda a empresa a realmente inovar no modelo de gestão. 2. Esse perfil tem, geralmente, uma crença fundamentada no trabalho das pessoas. “É um líder que confia em seus profissionais. Ele não parte da premissa de que as pessoas são preguiçosas e querem puxar o tapete umas das outras”, diz. 3. Um modelo de gestão inovador. Neste caso, a empresa pode investir em horários flexíveis de trabalho, pode convocar os seus stakelholders para uma gestão participativa (onde todos dão palpites e dicas sobre a administração da empresa) ou ainda trabalhar de forma acentuada e clara os propósitos e a cultura da companhia.

Dentro desse contexto o RH tem um papel essencial. Cabe a ele influenciar os líderes sobre cada um dos princípios do capitalismo consciente. “O RH tem um desafio muito importante de auxiliar, provocar, inspirar e promover a evolução da consciência na empresa”, afirma Weiss, da Syngenta. Com isso estruturado e bem alinhado no RH, a empresa gera mais valor e tem resultados mais sustentáveis.
E os impactos na gestão de pessoas são significativos. Quando a empresa possui um propósito mais claro, o colaborador consegue visualizar melhor o significado do seu trabalho, como ele gera valor para a empresa e à comunidade. “Quando o colaborador vê significado no trabalho, ele se dedica mais e fica muito mais interessado em contribuir com o resultado”, afirma Weiss.

Escolha pelos valores
Para Samy Dana, Ph.D. em Business e professor de carreira na Escola de Economia de São Paulo (FGV), as empresas ganham muito em fazer parte do movimento de capitalismo consciente, principalmente pela questão da identidade. “Hoje em dia, vemos muitos jovens que não querem trabalhar em empresas que não são corretas”, diz Samy. Ele reforça que não se escolhe mais uma companhia apenas pela questão do salário.

Quem compartilha do mesmo pensamento de Samy é Goldstein, da Corall Consultoria. Para ele, o capitalismo consciente é um modelo que está crescendo muito no Brasil, como reflexo da nova geração de colaboradores que busca mais participação e conexão à empresa. É o colaborador que não quer apenas apertar o parafuso; ele quer saber como o trabalho dele é imprescindível para a empresa e para a sociedade. “As empresas que não se adaptarem vão se tornar menos atraentes para os profissionais em médio prazo”, ressalta Goldstein.

Segundo os consultores entrevistados, não existe uma fórmula certa para entrar nesse movimento, mas conseguir conversar sobre isso e implantar práticas mais inovadoras ajudam e muito nessa busca. “Há muitos caminhos para chegar ao modelo de capitalismo consciente, mas um ponto essencial é o comprometimento dos líderes”, afirma Weiss, do Capitalismo Consciente Brasil.
Uma coisa é certa: os benefícios desse modelo vão além de apenas uma causa nobre. Trata-se de uma vantagem competitiva. Diferente do capitalismo tradicional que preza a individualidade, o consciente propõe que todos trabalhem juntos e por uma causa comum, o que reforça a satisfação dos funcionários, traz mais felicidade e engajamento e, de quebra, aumenta o desempenho da companhia.

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