Juntos. E agora?

de Paulo Jebaili em 26 de julho de 2010
Maria de Fátima, da Totvs: um dos segredos do êxito das F&A é respeitar a história dos novos colaboradores

Ao observar o histórico recente da empresa de desenvolvimento de softwares Totvs, a impressão é de que uma aquisição é quase tão recorrente quanto um upgrade de algum programa. Não chega a tanto, evidentemente, mas o fato é que desde o surgimento da Totvs (resultante de outras junções), em 2005, a empresa adquiriu 25 outras empresas, num calendário que inclui a incorporação de uma grande concorrente, a Datasul, em 2008. A diretora de relações humanas da empresa, Maria de Fátima Albuquerque, pega esse episódio para explicar como esses processos se dão. “A aquisição da Datasul aconteceu no meio do ano.

Durante o segundo semestre, montamos um grupo da alta administração e de gestores – um grupo pequeno – que monitorava e soltava um comunicado todas as sextas-feiras. Essa é uma ferramenta de comunicação poderosa, porque o presidente está dizendo a todos o passo a passo do que está acontecendo e onde queremos chegar”, explica a diretora. Ela acrescenta que outras medidas foram implementadas no processo de integração, como visitas técnicas, grupos de trabalho com funcionários das duas empresas e reuniões em cidades diferentes. “O objetivo é que eles vissem como a empresa se estrutura e se organiza. Hoje, nós temos espaço de socialização, no qual escrevemos os comportamentos e valores que queremos que estejam em todos os lugares”, relata.

Segundo Maria de Fátima, a participação da área que dirige começa antes do aperto de mãos entre as partes. “É preciso atuar um pouco antes de terminar a negociação. É necessário entender qual é a distância que existe na identidade das duas empresas, pois a integração pressupõe que você integre carteiras de clientes e de fornecedores, processos e controle, mas integre também conhecimento, pessoas e culturas”, observa. Com as empresas imantadas, a Totvs tem hoje um contingente superior a nove mil colaboradores, sendo cinco mil diretos e os demais nas redes de distribuição.

Muitos deles eram antigos concorrentes. Como, então, fazer com que ex-adversários vistam a nova camisa? “Lidamos com isso criando uma meta comum, que não é mais ganhar daquele outro. Juntos, nós temos uma meta maior. Assim, se começa a gerar um senso de corporação”, explica a diretora. Segundo ela, é preciso criar, também, uma identidade comum, com desafios comuns, o que envolve a empresa inteira. “Então, buscar uma identidade nova desse grupo, a identidade e os valores que trouxeram a empresa até aqui, é duradouro. Isso é o que distingue a companhia e precisa ser compartilhado com os que estão chegando”. Ela conta que o segredo é respeitar a história dos novos colaboradores e fazer esse contingente entender que “agora, depois de juntos, somos melhores do que éramos separados”.

A preocupação com os rescaldos dos processos de F&A faz sentido, ainda mais que essas ações são cada vez mais comuns no ambiente de negócios. Uma pesquisa da KPMG mostra que o número de fusões e aquisições registrou um número recorde no primeiro trimestre em 2010. Foram realizadas 160 transações de janeiro a março, número 16% acima do registrado no trimestre anterior, e 58% maior se comparado com o primeiro trimestre de 2009. É bem provável que o profissional de recursos humanos passe por essa experiência ao longo da carreira. A propósito, tais ocasiões são sempre sinônimo de que o RH terá um árduo trabalho pela frente. É variada a gama de desafios que passa pela gestão do capital humano. A começar pelo zum-zum-zum que se instala aos primeiros rumores de que a empresa vai ser vendida ou se fundir a outra. E os desdobramentos podem ser penosos para o patrimônio intangível da organização. Um estudo da PricewaterhouseCoopers (PwC), de 2008, aponta que 25% do capital intelectual abandona a empresa no início do processo de integração ou mesmo antes.

O executivo de comunicação Carlos Parente já vivenciou seis processos de F&A, e dos dois lados do balcão, como comprador e como comprado. Ele explica que a sensação predominante nas pessoas nessas situações é de insegurança em relação ao próprio emprego, algo mais intenso nos funcionários com anos de casa. Além da preocupação com a carreira, existem outros fatores que tiram a pessoa da zona de conforto. Esses fatores, segundo Parente, podem ser tangíveis, como a ausência dos amigos que dividiam a mesa nos almoços agora dispersados em outros locais. E intangíveis, como o vínculo emocional que as pessoas têm com as marcas, com a identidade da companhia. “O que era rotineiro e familiar é substituído por incertezas: ´Como serão as novas relações de trabalho?´, ´Qual o perfil do novo chefe?´”, comenta Parente. Diante de tais circunstâncias, o engajamento necessário para a mudança demanda tempo. “Nessas fases, as pessoas nem sempre estão dispostas a se empenhar por algo que não sabem exatamente o que é, nem o que vão ganhar com isso”, analisa.

Esse ambiente pontuado por incertezas faz com que as pessoas comecem a prospectar oportunidades no mercado. A percepção generalizada é de que os contratos em curso ficam em suspensão. Patrícia Molino, sócia-líder da área de People & Change da KPMG, reproduz o pensamento que costuma visitar as pessoas nessas situações: “Aquele curso que o meu chefe me prometeu vai ter de esperar porque eu nem sei se o meu chefe vai ser meu chefe. Aquela promoção que eu estava batalhando, será disputada pela qual um monte de gente da outra empresa. Eu nem sei se a nova empresa terá aquela área nova”, exemplifica. Nessa fase, os projetos, promoções e aumentos dos salários vão para o freezer. “As pessoas têm uma leitura de que a carreira delas vai patinar por um período, até que os novos contratos sejam feitos”, observa. Além disso, os talentos viram alvo de investidas da concorrência. Segundo Patrícia, headhunters e concorrentes, ao ouvirem os rumores de venda, se aproveitam da provável insegurança dos funcionários para lançar mão de convites e propostas àqueles que fazem a diferença.

Paralelamente a isso, a energia das pessoas se dilui. “As pessoas começam a fazer fofoca, dedicar uma parte do dia a discutir com os amigos quem sabe o quê, e quem acha que vai acontecer o quê. Elas direcionam uma parte da energia originalmente destinada ao trabalho para fazer rádio-peão, outra parte dessa energia para sentir medo e uma terceira parte para procurar emprego. Então, a produtividade cai”, ressalta Patrícia.

Faro, da PwC: pessoas são a dimensão com menor nível de atenção em processos de F&A

Comunicação clara
O que RH pode fazer diante dessa situação? “Quanto mais respostas, quanto mais comunicação oficial o gestor de capital humano der, menos rádio-peão, menos espaço para a especulação vai haver”, diz Patrícia. Mas ela ressalva que não basta comunicar só por comunicar, no intuito de simplesmente acalmar as pessoas.”A comunicação tem de ser muito clara e muito honesta. Se falar que a empresa não vai ser vendida e depois ela é vendida, na próxima coisa que se falar, as pessoas não acreditarão mais”, diz.

Outra questão crítica é assegurar que as pessoas-chave para o futuro da organização continuem com seus crachás. Para Eduardo Faro, gerente sênior da PwC, o melhor caminho para essa permanência é convocar os colaboradores para participar do processo de mudança. “Pode-se chamar a pessoa para um grupo de trabalho que vai estudar a integração de um determinado processo, por exemplo. Além disso, é preciso dar uma visão de futuro. Sinalizar que ela tem o potencial de ter uma posição dentro daquela organização e que a liderança conta com ela para viabilizar aquela visão de futuro”, diz.

Mas os desafios de RH não se restringem à comunicação e retenção. A chapa esquenta também na hora de inserir o novo contingente na cultura da organização. Segundo Faro, esse processo – tanto em casos em que uma identidade se sobrepõe à outra como nos casos em que há uma mescla de modelos das culturas das partes – tem de ser paulatino. “Não adianta de um dia para o outro querer que as pessoas se identifiquem com uma nova cultura, pois isso não acontece dessa forma. As pessoas podem até aceitar, mas isso não quer dizer que estejam comprometidas”, observa. O consultor recomenda campanhas que vão introduzindo gradativamente a nova identidade e os novos valores. “Aos poucos, as pessoas vão percebendo as vantagens de estar naquele ambiente.” Um outro aspecto que costuma perturbar o sono dos gestores é o desligamento das pessoas que não terão espaço no desenho da organização reconfigurada.

Dependendo da forma como for conduzido, pode afetar a imagem da empresa – para o bem ou para o mal. Patrícia Molino considera que o efeito é parecido com o que é gerado em questões de sustentabilidade. “Assim como se disser que uma empresa está empregando mão de obra infantil, queimando florestas, ou tem trabalho escravo, se souberem que ela faz demissões cruéis ou não administra as pessoas de uma maneira ética, isso também vai impactar essa marca”, afirma.

Mas há o outro lado da moeda. “Se a pessoa diz: ´Houve um processo de fusão, meu cargo ficou redundante, saí, mas fui bem tratado, tive apoio, fui comunicado´, ela sai com uma outra relação com essa marca. E, às vezes, vira representante, assistente técnico ou revendedor e vai continuar defendendo aquela bandeira.” Além de afetar a marca, as dispensas também podem influir significativamente no clima da companhia. “As empresas têm de perceber – algumas têm essa consciência, mas muitas não – é que impacta quem fica, porque afeta a confiança dos remanescentes”, analisa Eduardo Faro. “A companhia precisa dessas pessoas e é fundamental estabelecer um vínculo de confiança com elas. Aí não tem receita de bolo, cada caso é um caso. Mas é preciso conduzir esses processos de forma cuidadosa e com o envolvimento do principal executivo. Se houver perda de compromisso, vai haver perda de engajamento e consequentemente perda de produtividade”, completa.

O período é turbulento, muitas vezes traumático até, mas pode-se fazer uma limonada desses limões dados pela vida corporativa. Até porque as experiências com fusões, aquisições, cisões e outras movimentações de vai-e-vem estão cada vez mais frequentes. “Hoje, não causam tanto medo quanto há 20 anos”, relata Faro, que atenta que essas vivências podem até ser um aspecto valorizado na trajetória do profissional. “As pessoas que conseguem colocar no currículo que participaram, que de alguma forma ajudaram num processo desse tipo, têm muito a ganhar. Esse é um valor para a experiência da pessoa, porque todo mundo quer um profissional em sua equipe que já passou por isso”, diz.

A mais completa tradução

Processos seriam menos penosos se o RH e a alta gestão falassem a mesma língua

Motivados por ganhos de competitividade, os processos de fusão e aquisição sempre apontam para cima. Os discursos carregam um tom triunfalista de crescimento e benefícios generalizados. Mas, no dia a dia, o curso dessas operações é recheado de perdas: de engajamento, de produtividade, de pessoas talentosas, entre outras.

Por que isso acontece? “Grande parte dos processos de F&A não consegue aproveitar as sinergias e gerar o valor que poderia devido a questões relacionadas a pessoas”, analisa Eduardo Faro, gerente sênior da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC). “E normalmente é a dimensão a que se dá menos atenção nos processos de due diligence [prospecção e avaliação do negócio] e de integração.”

Esse aparente paradoxo, na visão de Faro, se estabelece porque ainda não há um idioma comum entre os tomadores de decisão e os profissionais de RH. “Os executivos que estão à frente desses processos ainda têm um formação quantitativa muito forte. Eles têm uma certa dificuldade em compreender as sutilezas e as nuances de aspectos qualitativos, como questões culturais, de competências e valores das pessoas. E por outro lado, há uma incapacidade das áreas de RH ainda de tornar a leitura desses aspectos qualitativos mais palpáveis para os executivos que vão tomar a decisão. Muitas vezes, o profissional de RH tem dificuldade de quantificar e de mostrar os impactos desses aspectos em termos objetivos”, comenta.

 

Comunicação na dose certa

Nem silêncio, nem avalanche de informação. Processos de integração demandam mensagens claras e contextualizadas

O executivo da área de comunicação Carlos Parente já passou por seis processos de aquisições – duas como comprado e quatro como comprador. Professor da ESPM e da FGV-SP, ele explica que, quando nasce uma nova organização, surge uma cultura diferente, ainda que resulte da junção das culturas anteriores, em que cada parte carregará suas peculiaridades. “Construir uma cultura, portanto, é chegar ao consenso e praticar um determinado conjunto de valores”, diz. Segundo Parente, um atributo fundamental da liderança na integração é criar uma visão e inspirar a atitude nas pessoas de que será essencial para a boa condução do processo. “Sem pessoas comprometidas qualquer travessia torna-se inviável”, afirma.

Sob o ponto de vista da comunicação, o executivo explica que a função da área é apoiar o processo, oferecendo às pessoas as informações e o suporte necessários. “Isso significa explicar o contexto da mudança, bem como a visão criada – isto é, onde se quer chegar e os benefícios – e os objetivos da organização.”

Segundo Parente, esses processos exigem muita sensibilidade por parte do profissional de comunicação. “Um cuidado que se deve ter é encontrar a dose certa na emissão das mensagens. As pessoas querem saber o que se passa na organização. Não se deve deixá-las no vácuo nem soterrá-las com uma avalanche de mensagens sucessivas”. Outro aspecto importante, aponta, é a área de comunicação mostrar-se disponível para sanar dúvidas e eliminar ruídos. “Isso demonstra respeito com os colaboradores e contribui para o senso de pertencimento, o que é fundamental para se construir uma nova organização”, explica.

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