Gestão

Lições de gestão

de Chieko Aoki* em 12 de agosto de 2011

O ser humano é avesso a mudanças por natureza, pois, sem elas, tudo é previsível, colocando-nos na zona de conforto. Alterações bruscas não são bem-vindas para a grande maioria das pessoas. Quando o terremoto atingiu Tóquio no dia 11 de março às 14h48, eu estava em reunião no lobby de um hotel com mais de 500 apartamentos, a cerca de 10 minutos de carro da minha casa. Como o mundo acompanhou pelos noticiários, a catástrofe deixou um saldo terrível – mais de 20 mil pessoas entre mortos e desaparecidos, destruição de cidades inteiras com suas estradas, casas, indústrias, lojas, campos, navios pesqueiros, prefeituras, hospitais, escolas.

O comportamento esperado em condição adversa, como no terremoto seguido de tsunami no Japão, é o de pânico e tumulto, com pessoas correndo para todos os lados, cada um defendendo seus bens e familiares. Contudo, no país nipônico, apesar das dificuldades, vimos um comportamento diferente da população. Parte por já estar exaustivamente treinada a como agir em situações como essa, parte pela disciplina e aplicação da gestão no jeito de ser e de fazer. Analisando o comportamento dos japoneses sob o ponto de vista da gestão, podemos aprender algumas lições valiosas:

1. Todo processo apresenta variação: essa premissa da estatística leva à necessidade de capacitação de toda a equipe para a possibilidade de ocorrências inesperadas.

2. Foco em metas: mesmo na situação extrema causada pelo terremoto e tsunami, os japoneses tinham uma noção clara do que deveria ser feito e como deveriam ser as ações para sair da situação – falando, ouvindo, pensando, encorajando, juntando-se para definir ações prioritárias para o grupo. Qualquer que seja o processo, a existência de um objetivo ou meta é fundamental para a superação das adversidades. Mesmo quando os obstáculos se mostram intransponíveis, a meta guia e alinha os esforços das pessoas e equipes. Quando todos estão conscientes e comprometidos com as metas, os esforços são todos no mesmo sentido.

3. Trabalho em equipe: crianças, idosos e até deficientes físicos participaram ativamente nos abrigos pós-desastre, cada um contribuindo de forma efetiva e com seus dotes e capacidades para situações adversas. O trabalho em equipe motiva e faz aflorar o melhor de cada pessoa. Isso pode acontecer se as metas estão claras, mesmo que as habilidades de cada um aparentemente não sejam úteis e suficientes à primeira vista.

4.  Alinhamento de metas: após a catástrofe, como a meta maior era salvar a maior quantidade de pessoas, muitos japoneses sacrificaram suas próprias vidas.  Uma senhora com pressão alta, por exemplo, faleceu porque, mesmo devendo beber bastante água, se recusava receber mais do que outros durante o racionamento. Se as metas individuais estão alinhadas com as metas do grupo, as pessoas geralmente entendem quando há necessidade do sacrifício ou postergação das próprias metas em função das da equipe. O alinhamento de propósitos permite a automotivação individual e do grupo, como as metas definidas pelas próprias vítimas, que foram: vou aguentar, suportar, ter paciência, resistir (gaman suru); vou superar as dificuldades, vou me empenhar, farei o meu melhor (gambaru); sou grato e reconheço o que acontece de benéfico (kansha shimasu); vamos nos ajudar mutuamente, cooperar, contribuir (tasukeau).

5. Delegação de tarefas e concessão de autonomia para as equipes: adolescentes japoneses de 12 a 13 anos cozinhavam e distribuíam comida, outros meninos e meninas de 6 a 8 anos começaram a se reunir por iniciativa própria para diversas ações: uns formaram equipe de massagem dos idosos; outros elaboravam questionários para identificar o que cada vítima estava precisando. A delegação de tarefas com metas individuais e de equipe bem definidas e o estabelecimento de indicadores para monitoramento das ações possibilitam agilidade, geração de motivação e comprometimento. Assim, permite-se o foco de cada um em seus próprios objetivos e, através da confiança, todos desenvolvem o que têm de melhor.

#Q#

6. Gestão por processos e não por hierarquia: no Japão, as lideranças naturais foram fundamentais para identificar e organizar os pedidos, manter relatório diário da situação das vítimas e atender às demandas de cada um dos abrigados e suas famílias. Em uma situação de desastre inesperado, não há condições de estabelecer uma liderança formal, mas os processos e a adoção de controles garantem a boa execução das tarefas e metas claras e definidas para manter a equipe focada nos resultados. É quando as lideranças aparecem naturalmente, muitas vezes em função de especialidades, o que permite aflorar o melhor de cada um.

7. Filosofia do pensamento enxuto e do Kaizen: os abrigos levantavam as suas necessidades e passavam-nas para as entidades, de forma que não fossem destinados medicamentos ou roupas não necessárias para os locais, o que também facilitava o recebimento e destinação do que era enviado a cada localidade. A filosofia do pensamento enxuto, o lean thinking, diz que se deve utilizar um mínimo de recursos para atingir as metas estabelecidas. Por meio dessa filosofia se estabelece uma visão por processos que garante a melhor distribuição dos recursos (físicos e pessoal) disponíveis em situações de crise. O conceito kaizen (pequenas melhorias continuamente) possibilitou o surgimento de inovações e aperfeiçoamento dos processos.

8. Planejamento e execução alinhados: mesmo em estado de grande dificuldade, quando os fatos exigem ações rápidas e eficazes, o planejamento é fundamental para minimizar os erros.

9. Estabelecimento e monitoramento de indicadores: com o perigo da contaminação radioativa, devido à ação do terremoto na usina atômica de Fukushima, o estabelecimento de indicadores de radiação monitorados continuamente permite adoção de medidas imediatas e prevenção de ocorrências de maiores proporções.

10. Filosofia do 5S: as vítimas da catástrofe somente pegavam as doações de que estavam precisando, mesmo porque, pela cultura japonesa, é de certa forma vergonhoso precisar de ajuda a ponto de receber objetos, assim como não há como guardar, cuidar ou mesmo usar. Por isso, as chamadas dos abrigos com lista das necessidades restringiam-se a produtos de real necessidade. Manter consigo somente o necessário e distribuir os recursos existentes de forma a maximizar os benefícios estão completamente alinhados com a filosofia do 5S, que diz respeito à potencialização do uso dos recursos disponíveis e à organização para executar o serviço no menor tempo e da forma mais otimizada possível.

11. Aprendizado com experiências anteriores: a experiência dos japoneses com o terremoto de Kobe, há cerca de 16 anos, fez com que ao longo dos anos dados de pessoas que sofreram com  terremotos fossem coletados. A experiência deu velocidade e foco no atendimento. Do aprendizado com ocorrências anteriores vêm os princípios comuns nas empresas de “zero defeito”, “fazer certo da primeira vez”, “tolerância zero ao defeito” e o corolário que criamos na Blue Tree: “Vamos errar todos os dias, só que erros novos”.

12. Foco nos resultados: foi fundamental para todos ver velocidade nas ações de recuperação, para poder começar a reconstrução de suas vidas com esperança e fé. Toda ação deve focar os resultados visando, sempre na busca da meta estabelecida. Em situações de crise, a velocidade nas ações é fundamental para o moral da equipe e a crença nas melhorias, daí vem a importância do foco nos resultados.

O Japão estabeleceu um lema: Gambare Nippon (“Força, Japão, fazendo junto, formamos uma grande força”). Isso permite o alinhamento de todos e a consolidação da crença como cultura para todos. Verificamos que os conceitos aplicados às indústrias e aos prestadores de serviços em todo o mundo são igualmente utilizáveis em lares e nas nações. A adoção dos princípios da gestão assegura o sucesso de instituições em seus mercados de atuação, bem como possibilita a sobrevivência durante crises, quer sejam essas previsíveis ou não.

*Chieko Aoki é presidente da Blue Tree Hotels

 

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