Carreira e Educação

Lições do idioma estrangeiro

de Leandro Quintanilha em 14 de janeiro de 2015
Mariane Guerra / Crédito: Divulgação
Mariane, da ADP: não há uma receita para todos os casos / Crédito: Divulgação

É uma proeza que um país como o Brasil, com dimensões continentais, tenha o português como o único idioma oficial. Em contrapartida, a fácil comunicação entre as diferentes regiões não se repete no contato com outros países. De acordo com um levantamento do British Council, apenas 5% dos brasileiros falam inglês. E, muitas vezes, entre os que falam, há um exagero quanto à proficiência declarada. Outra pesquisa, realizada pelo site de empregos Vagas.com, que ouviu 37.389 mil pessoas em 12 estados, mostra bem isso: entre os que afirmaram ter inglês avançado ou fluente, apenas 36% falavam a verdade.

No mercado de trabalho, a deficiência em língua estrangeira torna-se um desafio para os departamentos de recursos humanos. Quais seriam os melhores caminhos para proporcionar uma boa qualificação em idiomas? Depende, é preciso analisar caso a caso, afinal há formatos, duração e custos bem distintos, desde aulas em convênio com escolas, passando por cursos in company, até experiências de imersão no exterior.

“A melhor estratégia vai depender de cada caso”, afirma André Rocco, gerente de negócios e desenvolvimento de pessoas da BR Talent Consultoria. “O maior erro é enxergar o idioma como um benefício oferecido ao colaborador, quando é, na verdade, uma competência a ser desenvolvida.” Pela mesma ótica, ele avalia, o grau de incentivo da empresa a esse aprendizado vai depender do quão urgente e/ou crucial é essa qualificação para os negócios da companhia.

Assim, a organização tanto pode viabilizar descontos quanto pagar parcial ou integralmente pela formação. “Quanto maior é o investimento da empresa, maior deve ser a contrapartida”, ressalta Rocco. Quando o custo é alto, a organização pode exigir índices mínimos de presença e nota, para aumentar as chances de obter melhores resultados.

Leque de escolhas
Dependendo do tamanho da organização, o melhor é que vários formatos sejam implementados simultaneamente, de acordo com o objetivo e o contexto de cada área. Na multinacional ADP, especializada em softwares de gestão de pessoas, há pelo menos quatro modalidades em funcionamento no Brasil, conforme explica a vice-presidente de RH da organização na América Latina, Mariane Guerra.
Em uma delas, a empresa mantém convênios com escolas de atendimento in company e proporciona 35% de desconto para os colaboradores participantes. Os cursos, de espanhol e inglês, ocorrem nas instalações da própria ADP, em horários convenientes: antes ou depois do expediente e no horário do almoço. Com o tempo de deslocamento suprimido, a adesão dos colaboradores é mais fácil e a evasão, muito menor. O formato também é ideal para assistentes e analistas nos quais a empresa quer investir a longo prazo.

Outra possibilidade são cursos personalizados (individuais ou em pequenos grupos), integralmente pagos pela organização e também realizados in company. Como a multinacional é americana e mantém unidades no Chile, no Peru e na Colômbia, muitos gerentes e diretores foram estimulados a obter proficiência em inglês e espanhol mais rapidamente. No caso de aulas particulares, o cronograma pode ser encaixado na agenda do executivo, de acordo com a rotina de trabalho.

Nota vermelha em inglês

O Brasil aparece em 71º lugar no ranking mundial de fluência na língua inglesa no ambiente de trabalho, de acordo com um estudo da Global English Corporation, empresa internacional que realiza testes de proficiência no idioma para negócios. Em 2013, foram testadas mais de 212 mil pessoas de 78 nações – ou seja, o Brasil, figura na lista dos dez países com piores desempenhos.

Com nota média de 3,27 em uma escala de 1 a 10, o Brasil ficou não só abaixo da média mundial, de 4,75 pontos, como também do índice de referência da América Latina, 3,38. O país também ficou atrás de mercados emergentes concorrentes, como a China (5,03), a Coreia do Sul (5,28) e a Índia (6,32).

A escala considera a nota 1 como a mera capacidade de leitura e de comunicação com perguntas e frases simples e 10 como a habilidade para se comunicar no ambiente de trabalho praticamente como um falante nativo de inglês. Com 3,27, a média do executivo brasileiro corresponde ao nível iniciante, anterior ao básico (iniciante: de 1 a 3; básico: 4-6; intermediário: 7-8; avançado: 9-10).
Os primeiros colocados no ranking foram Filipinas (7,95), Noruega (7,06) e Holanda (7,03). México (3,14), Colômbia (3,05) e Honduras (2,92) foram os piores colocados.

Apesar da nota baixa, o Brasil melhorou em comparação a 2012, quando ficou com 2,95. Contudo, caiu do 67º lugar para o 71º, diante de uma melhora de 14% na média global.

 

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André Rocco / Crédito: Divulgação
Rocco, da BR Talent: observar a estratégia da empresa / Crédito: Divulgação

Expatriação
Quando a ADP decide expatriar um colaborador brasileiro para outra unidade no exterior, o ritmo de aulas pode ser intensivo – ou seja, diário. Como se vê, quase tudo é customizável. “Lido com idiomas em RH há 20 anos e sei bem que não há uma mesma receita de bolo que funcione para todos os casos”, garante Mariane.

A companhia também paga metade do curso em escolas conveniadas para quem prefere estudar fora da empresa. “Percebemos que não é produtivo pagar 100% das mensalidades de cursos avulsos, porque o colaborador acaba faltando muito”, afirma a executiva. O comprometimento financeiro do funcionário tende a favorecer a disciplina nessas circunstâncias.

A política de RH da ADP também é flexível com outras possibilidades de qualificação, que partem de iniciativas isoladas dos próprios colaboradores. “Quando alguém decide fazer um curso de férias por conta própria, costumamos liberar o colaborador de alguns dias de trabalho quando a experiência excede os 30 dias habituais”, diz. “Também já tivemos uma funcionária que pediu demissão porque queria fazer uma imersão de seis meses na Austrália, para resolver sua deficiência em inglês – negociamos uma licença sem remuneração e ela já voltou assumindo uma nova área, em que o idioma era importante.”

Monitoramento de resultados
Mariane ressalta que, além de flexibilidade, um bom plano de qualificação em idiomas requer métricas de acompanhamento. Muitas vezes, as próprias escolas contratadas se encarregam dessa monitoria, mas incumbir uma terceira instituição para a tarefa tem uma vantagem: a isenção. “Na ADP, optamos por uma empresa especializada em avaliações de nível, que não ministra aulas.”

Além da credibilidade relacionada (visto que a instituição avaliadora não lucra com o fornecimento de cursos), o modelo garante também uma monitoração padronizada. Isso é importante porque uma mesma corporação pode manter diferentes escolas conveniadas, com variadas organizações de conteúdo, divisões de nível e nomenclaturas afins. “A nossa avaliadora usa uma escala europeia de proficiência escrita e oral, muito conceituada no mercado.” Desse modo, fica mais fácil para o RH identificar cursos ou formatos que não funcionam bem para determinado grupo ou profissional – e reverter a situação, com outro convênio ou modalidade.

O fato é que o aprendizado de um idioma estrangeiro pode proporcionar benefícios em uma organização para muito além das rotinas imediatas, como bem lembra Mariane Guerra. Em multinacionais, muitas certificações internas só estão disponíveis on-line, no idioma da matriz – em geral, inglês, francês ou espanhol. Ao proporcionar a qualificação no idioma mãe, a organização tende a contar, a longo prazo, com profissionais melhor sintonizados com seus objetivos e valores.

Planejar para qualificar

Uma pesquisa da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), em parceria com a Integração Escola de Negócios, revela que, em média, as empresas brasileiras proporcionam 16,8 horas anuais por funcionário em treinamento (nos EUA, são 30,3 horas) – o que inclui a qualificação em idiomas, entre diversas competências. Cerca de 44% dessas despesas são alocadas em treinamentos terceirizados e 11,8% são ações de e-learning. Intitulada como O panorama do treinamento no Brasil, a pesquisa ouviu 599 empresas em 2014 para chegar a esses dados, que acabam de ser divulgados.

Fernando Cardoso, sócio-diretor da Integração, ressalta que o investimento em treinamento no Brasil ainda é muito pequeno em relação ao que se pratica em países desenvolvidos. “Muitas vezes, treinamentos como os de idioma acabam ficando fora das ações estratégicas das empresas.” Como as equipes de T&D são muito enxutas por aqui, o investimento em treinamento acaba sendo realizado com base em critérios desatualizados (e mais fáceis de se obter): 50% praticam orçamentos com base nos valores do ano anterior, contra 48% que também consideram o planejamento do ano que está por vir.

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