Gestão

Manter os colaboradores ligados

de Natalia Gómez em 8 de julho de 2011

 

Ivana, do HSBC: liberdade para conversar com seus gestores sobre o que precisam e desejam

O espertador que toca de manhã soa como uma condenação: mais um dia de trabalho está para começar. O percurso até o escritório parece longo demais; a rotina e a relação com os colegas é quase uma tortura; a melhor parte do dia é o término do horário de serviço. O desempenho cai, o chefe ameaça, a desmotivação aumenta. Pena que no dia seguinte começa tudo de novo. Quem nunca passou por uma situação como esta provavelmente já acompanhou de perto o sofrimento de outra pessoa desmotivada no trabalho. É um círculo vicioso que gera perdas tanto para a empresa quanto para o funcionário.

 

Em muitos casos, os empregadores têm dificuldade para entender o porquê do comportamento, que costuma ser atribuído exclusivamente ao trabalhador. Mas embora a motivação seja de fato um processo interno, pessoal e intransferível, as empresas têm grande poder e responsabilidade sobre esse quadro. Seu papel é o de criar um ambiente favorável para acionar a energia interna dos colaboradores, favorecendo a criatividade, a participação e valorização do ser humano – tomando todo o cuidado de não transformar o que é motivação em arma de chantagem ou até mesmo punição (veja mais na pág. 42). Outros itens fundamentais passam pelo clima, por possibilidade de desenvolvimento na carreira e até mesmo pelo conforto físico oferecido no ambiente de trabalho.

Como a motivação é um processo interno, os profissionais de RH dizem que “ninguém motiva ninguém”. Porém, criar condições para que a motivação ocorra é possível, e o nome dado a esse processo é engajamento – este, sim, pode ocorrer “de fora para dentro”. Segundo a coordenadora do núcleo de liderança da FGV in company, Vera Cavalcanti, cada pessoa é motivada de forma diferente, já que as prioridades não são iguais. Por isso, o ambiente de trabalho deve trazer ingredientes variáveis para despertar o interesse de diferentes tipos de pessoas.

A grande chave para o sucesso é manter a consistência dessas iniciativas no dia a dia. Medidas pontuais, como premiações, viagens ou confraternizações, não são consideradas eficientes porque são desconectadas do trabalho e têm efeito momentâneo. “Não adianta levar a equipe para fazer rafting se depois, quando a pessoa volta para a realidade, vê que nada mudou”, afirma a gerente de RH do Mercado Livre, Helen Menezes. Oferecer aumento de salário somente quando a pessoa quer deixar a empresa ou tentar incentivar com base na pressão são outras práticas fadadas ao fracasso.

A famosa “fiscalização” que muitos chefes praticam sobre seus funcionários pode até funcionar na hora em que eles estão olhando, mas basta  virar as costas para que deixe de funcionar. Outro  efeito colateral gerado por uma relação tensa com o chefe é a redução da produtividade, com o surgimento de sintomas físicos de mal-estar e o deslocamento da insatisfação para a vida
pessoal ou até mesmo para os colegas.

O pacote de salário e benefícios, ao contrário do que se costuma pensar, não é suficiente para garantir o comprometimento das pessoas, segundo a coordenadora da FGV in company. “Acredito que isso pode atrair os profissionais, mas o que retém é uma boa liderança”, afirma a especialista, que é autora do livro Liderança e motivação, da Editora FGV. O gestor imediato é um importante personagem nessa história, pois é ele quem pode ser um facilitador no processo de desenvolvimento de carreira. “Motivar é algo muito difícil. Mas, é possível desmotivar uma pessoa em uma fração de segundos”, diz Vera.

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Metas de desenvolvimento
O desenvolvimento pessoal não depende apenas do tradicional plano de carreira, mas de o profissional se desenvolver de acordo com os seus objetivos. Isso pode ser feito com um diálogo constante sobre as metas individuais, de modo que a pessoa contribua na determinação das suas metas de desenvolvimento. “A prática do diálogo permite que o trabalhador veja sentido no seu percurso dentro da empresa”, explica Caroline Marcon, do Hay Group.

No HSBC Bank Brasil, os líderes são incentivados a identificar os motivos individuais dos membros da sua equipe, deixando o canal de comunicação sempre aberto. De acordo com a superintendente executiva de treinamento e desenvolvimento do banco, Ivana Linsingen, os colaboradores têm liberdade para conversar com seus gestores sobre o que precisam e desejam, tanto no dia a dia quanto nas avaliações de desempenho. “O plano de carreira não deve atender só o que a empresa precisa, mas também aos anseios do empregado”, explica.

Segundo ela, isso é possível desde que os anseios tenham relação com a natureza do negócio e não fujam das alternativas que já existem. Um funcionário que deseje exposição internacional, por exemplo, pode ser incluído em um grupo de estudos ou participar de teleconferências internacionais, sem necessariamente ser expatriado.

Testes psicológicos também podem ser usados como ferramenta para conhecer melhor os profissionais e trabalhar de acordo com a personalidade de casa um. Segundo a diretora da área de gestão de talentos da Mercer, Marisabel Ribeiro, alguns dos testes que são usados para isso são o Myers-Briggs Type Indicator (MBTI) e o Teste de Tendências Comportamentais (DISC). São avaliações que dão sinais sobre a forma como a pessoa toma decisões e gosta de ser tratada.

A consultoria trabalha ainda com coaching individual para líderes desenvolverem sua relação com os liderados, melhorando o relacionamento interpessoal, a comunicação e a capacidade de dar retornos. “Trabalhamos com os líderes para que eles identifiquem, aprendam a ouvir e a perceber melhor que as pessoas são diferentes umas das outras”, explica. De acordo com Marisabel, a função da liderança na atualidade é conhecer os seus funcionários, saber quais são seus gostos e o que pretendem na vida e na carreira. Porém, ela acredita que a classe ainda não está preparada para isso. Os testes psicológicos são uma ferramenta de apoio, especialmente quando o número de liderados supera trinta pessoas. Uma das empresas que utiliza os testes psicológicos para desvendar as características pessoais é a KPMG. Segundo a diretora de recursos humanos da KPMG no Brasil, Adriana Zanni, o MBTI é aplicado nos funcionários e o resultado pode ser compartilhado com o gestor, caso o funcionário autorize. O objetivo é melhorar o autoconhecimento. “Se a pessoa conseguir se entender melhor, poderá também entender o outro”, afirma. As conversas oficiais com o gestor ocorrem três vezes por ano na KPMG, e nessas oportunidades o líder tenta entender quais são as motivações de cada um e apontar as soluções possíveis para impasses.

 

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Definição do horário de trabalho
A flexibilidade no horário de trabalho também costuma surtir efeitos positivos, pois facilita o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, tão desejada por qualquer pessoa. Quando possível, é indicado permitir que o funcionário participe na definição do seu horário de trabalho, optando pelo turno que seja mais produtivo. Se a empresa fica distante da moradia, é possível dar condições de trabalho remoto para cargos de maior qualificação, como os ligados a consultoria ou tecnologia.

No caso de indústrias que têm mais de uma unidade, uma solução é alocar o funcionário para uma planta mais próxima da sua casa. “Hoje, existe uma preocupação maior com isso, o que se traduz em maior produtividade”, afirma Caroline, do Hay Group. Iniciativas pontuais voltadas para qualidade de vida, como ginástica laboral, já não são vistas como suficientes pelas corporações. A saída mais efetiva é apoiar o funcionário para que ele tenha uma vida mais produtiva dentro e fora da companhia.

A Totvs, da área de softwares, oferece alternativas de horários para todos os seus funcionários, que podem entrar entre 7h e 9h e sair entre 17h30 e 19h30. Os horários ficam registrados e o empregado precisa cumprir uma carga mensal, mas tem a possibilidade de compensar o tempo de um dia em outro. De acordo com o diretor de relações humanas da Totvs, Alexandre Mafra, a companhia pretende criar uma política formal de home office no futuro, mas ainda está em busca de um formato ideal.

A flexibilidade também é considerada um fator importante no Mercado Livre. Cada funcionário da empresa negocia com seu gestor a entrega de seu trabalho, mas tem total autonomia sobre a definição de seus horários, desde que cumpra a carga de 220 horas por mês. Segundo a gerente de RH, Helen Menezes, alguns gestores estranham o sistema de liberdade no início, mas o equilíbrio entre vida profissional e pessoal é cada vez mais valorizado, em especial pelos jovens.

A idade dos empregados do Mercado Livre é de 23 a 24 anos, em média. A área de atendimento é a única que tem menos flexibilidade de horário, mas conta com um banco de horas que permite que um colega compense o trabalho do outro, e vice-versa. O escritório do Mercado Livre também reflete essa flexibilidade, com um ambiente aberto, espaços de “descompressão” onde as pessoas podem se encontrar e até fazer ligações particulares com privacidade. Um pilar importante para sustentar uma equipe motivada é a clareza na comunicação. De um lado, a empresa deve deixar muito claro o propósito da organização para que os trabalhadores vejam sentido no seu trabalho. De outro, deve deixar abertos canais de comunicação para que as pessoas possam levar sugestões e tirar dúvidas quando necessário. No Santander, existe um esforço para comunicar às equipes qual é o propósito da empresa. “A conversa é: para onde estamos indo?”, segundo o diretor de RH, Marco André Ferreira da Silva. Em sua visão, um propósito empresarial claro pode se conectar com os propósitos individuais.

Em época de mudança, a importância da comunicação fica ainda mais evidente. Se a liderança não explicar os motivos das decisões, as pessoas tendem a não concordar porque não entendem, não veem propósito e nem sabem como isso afetará suas próprias vidas. Segundo Caroline, do Hay Group, o funcionário só vai contribuir para o processo de transição se conseguir conectar o fato à sua vida. A comunicação deve ser feita com clareza e em uma linguagem acessível a todos. “Quando existe clareza, a chance de motivação é maior, mesmo que as pessoas não concordem”, afirma. “O que assusta é a mudança pela mudança.”

Quando se mudou da Vila Olímpia, na capital paulista, para Alphaville, em Barueri, na Grande São Paulo, o Mercado Livre montou um plano de comunicação para avisar seus funcionários sobre a mudança com meses de antecedência. No período, os trabalhadores tiveram dúvidas sobre a mudança, com temores de uma reestruturação maior, mas todas foram sanadas pela equipe de RH. “É importante que o funcionário não seja pego de surpresa”, diz. O HSBC utiliza um canal corporativo de televisão para ajudar nos seus processos de comunicação.

A figura do presidente da empresa pode ter um papel importante no diálogo com a base da pirâmide. A KPMG promove encontros do presidente com diferentes áreas da companhia, como os sócios, o time júnior, gerentes e diretores. O tema do encontro, batizado de “café com a liderança”, é livre, aberto a perguntas e ocorre nos 20 escritórios da empresa espalhados pelo país. O caminho inverso também é fundamental. Na Amil, uma iniciativa para dar voz à base da pirâmide é um programa que coleta sugestões e premia a melhor delas, uma vez ao ano. A diretora de RH, Cláudia Danienne, explica que as pessoas que atuam no “front” podem contribuir com ideias que muitas vezes não ocorrem aos líderes, que estão mais voltados para o aspecto estratégico. A política de portas abertas contribui para esta troca, assim como a política de feedback dos gestores.

Para as empresas que buscam o engajamento dos profissionais, não basta optar por um só caminho, pois o processo depende de diferentes variáveis ligadas ao cotidiano: gestores preparados, comunicação arejada, espaço para autonomia e tolerância. Tudo isso para que o toque do despertador de manhã seja, para cada colaborador da empresa, apenas o sinal de que um novo dia começa.

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