Migração reversa

de Juliana Holanda em 10 de agosto de 2011
Gustavo Morita
A vida de flexibilidade de um consultor proporciona capacidade de antecipar problemas, Sérgio Nogueira, gerente de RH da Kimberly-Clark

Que tipo de profissional de RH você é? Do tipo que gosta de ver o seu trabalho se completar e acompanhar resultados ou do tipo “desapegado”, que sabe que toda estratégia é um filho criado para a vida (ou para o mercado)? Raros, mas não inexistentes, alguns profissionais reúnem essas duas características. E, em algum momento de suas carreiras, são capazes de fazer uma transição que, se não pode ser considerada uma tendência, tem se tornado frequente: mudar de lado e deixar de ser consultor para se tornar um executivo de RH dentro de uma organização. Esse caminho inverso (a maioria dos profissionais de recursos humanos pensa em, um dia – quem sabe na aposentadoria – se dedicar à consultoria) pode ser benéfico tanto para a empresa quanto para o contratado. A visão estratégica aliada à diversidade da experiência de um consultor agrega pontos para a companhia contratante. Por outro lado, a capacidade de adaptação ao ambiente organizacional – e à rotina aliada a ele – pode ser um fator de preocupação para ambas as partes.

Thiago Zanon decidiu fazer o investimento antes, em busca de ampliar a sua vivência profissional. Atualmente diretor-executivo de recursos humanos da Sodexo Motivation Solutions, Zanon passou oito anos de sua carreira em consultorias – metade na estratégica Monitor Group, e outra metade na Hewitt, especializada em RH. O convite da cliente Sodexo o motivou a “mudar de lado”. Ele abandonou a flexibilidade com que organizava seu trabalho para se dedicar ao horário comercial da empresa. O assédio não foi o primeiro. Pela proximidade com os projetos de várias companhias, os convites para assumir cargos executivos são comuns entre os consultores. Mas o que o fez, finalmente, mudar de ideia e aceitar o convite? “Minha resistência não estava relacionada ao tamanho do desafio nem à proposta financeira. Na verdade, não via possibilidade de adaptação do ponto de vista da cultura e dos valores da empresa”, explica.

Sérgio Nogueira, que ficou cinco anos na Mercer, também teve de avaliar várias vezes o que era melhor para a sua carreira. A autonomia conquistada na consultoria era fator fundamental em sua decisão. Cedeu quando recebeu o convite para ocupar o cargo de gerente de RH da Kimberly-Clark, empresa na qual já havia trabalhado entre
2001 e 2003. Ele conta que, na consultoria, tinha muita autonomia e lidava com vários projetos simultaneamente. “Cheguei a tocar dez projetos ao mesmo tempo. As empresas, muitas vezes, têm uma estrutura muito hierarquizada. Na Kimberly temos essa autonomia para trabalhar, o que me fez aceitar o convite”, justifica.

Glamour ou trabalho
Nogueira lembra, por outro lado, que a percepção do mercado sobre a carreira de consultor nem sempre está de acordo com a realidade. “Muitos pensam que os consultores trabalham meio período e veem a área com um certo ´´´´´´´´glamour´´´´´´´´. Sempre notei esse estereótipo por parte das empresas”, conta. “Mas a vida de consultor é de muito trabalho e dedicação”, completa. Ele acredita que essa ideia estereotipada pode ser uma barreira na hora de as empresas apostarem na contratação de um consultor. “As companhias se perguntam qual ritmo a pessoa tem, como vai lidar com a questão da autonomia, se vai querer trabalhar como funcionário”, explica Nogueira.

A adaptação ao ambiente corporativo pode realmente ser um problema para os consultores e para as empresas. Afinal, abrir mão da diversidade de projetos e da flexibilidade pode ser um desafio pessoal. Zanon admite ter tido receio sobre como iria administrar uma área de RH todo dia. “Não é todo consultor que se adapta ao ambiente de uma empresa. A organização tem uma realidade diferente, com rotina e relações mais estáveis. Não é uma transição que dá certo para todo mundo”, avalia. E agora do outro lado, quando tem à sua frente o currículo de um consultor, continua a avaliar esses quesitos. “Avalio a competência técnica, mas resta a habilidade do dia a dia, que é diferente”, afirma. Mas, segundo ele, a transição para o outro lado também é muito difícil. “As empresas de consultoria tradicionais dificilmente contratam executivo em etapas de média carreira”, ressalta Zanon.

#Q#

Gustavo Morita
Os bons consultores que migram trazem uma perspectiva que, muitas vezes, falta para as empresas, Thiago Zanon, diretor executivo de RH da Sodexo Motivation Solutions

Ele define o consultor como alguém que precisa ter agilidade mental. “É um tipo curioso, indagador, que tem de gostar da instabilidade e trabalhar com muitas mudanças, informações insuficientes e ser capaz de construir hipóteses”, explica.  Já o executivo, além do pensamento estratégico, precisa possuir mais habilidades de relacionamento, ser um profissional mais “calmo” e ligado a acompanhar processos até o fim. “Deve ser alguém que tem o desejo de ver o ciclo fechado; o consultor faz um filho e já quer ter outro”, brinca.

Mas o que parece perfis conflitantes pode ser, na verdade, indícios de um novo tipo de gestor, desejado tanto nas consultorias quanto nas empresas. “Atualmente, está cada vez mais claro que ter uma experiência executiva agrega bastante ao consultor. Por outro lado, o profissional que está dentro das companhias tem de ser muito voltado para fora e ter uma visão de mercado mais ampla”, diz o diretor da consultoria Doers, Carlos Eduardo Koelle, que fez um caminho diferente. Assim que saiu da faculdade de administração foi atuar em uma consultoria estratégica, mas sentia falta de uma experiência mais consistente em empresas – antes havia passado por uma incubadora. “Fiquei cinco anos em consultoria, mas sempre imaginando que seria bom ter uma experiência em empresa de novo. Surgiu a oportunidade de ser gerente de RH da Red Bull, fiquei um tempo lá, mas vi que o meu perfil era de consultoria mesmo”, lembra.

Atualmente, Koelle aproveita a experiência que teve no ambiente organizacional para lidar com a própria empresa e coloca em prática o “híbrido” de papéis. “Hoje, a minha praia é consultoria, mas como diretor tenho uma certa responsabilidade pela empresa, como ter de lidar com temas financeiros, por exemplo. A experiência anterior também serviu para isso”.

Bom para todos
Essa capacidade de transição acaba sendo benéfica, tanto para a carreira profissional quanto para as empresas. “A experiência como consultor é excelente, nos dá visão de diferentes empresas e culturas, contato com multinacionais, flexibilidade e capacidade de entendimento rápido de diferentes cenários”, ressalta o gerente da Kimberly-Clark, Sérgio Nogueira.

A rica experiência dos consultores é o que as companhias mais procuram quando decidem apostar nessa capacidade de transição do profissional. A diversidade de situações às quais eles estão submetidos, a atuação em um nível mais estratégico e o contato com as pessoas nos cargos mais altos das organizações são “aceleradores” de carreira, na visão de Zanon. “Os bons consultores que migram trazem uma perspectiva que, muitas vezes, falta para as empresas. Eu posso, por exemplo, fazer as minhas propostas, implementar as ideias e agregar um pensamento estratégico e de produto. É claro que é possível adquirir tudo isso em uma carreira normal, mas o consultor faz isso de forma acelerada”, acredita.

Nogueira também acredita que voltou melhor para a Kimberley Clark. “A vida de flexibilidade do consultor, de ter de simular muito rápido diferentes cenários, proporciona uma bagagem grande e a capacidade de antecipar problemas. Também adquirimos flexibilidade na alocação de recursos, a ideia de tempo, de quanto vai demorar um processo”, diz o executivo, que avalia que a sua experiência em consultoria pesou no convite para voltar à Kimberly.

Visão ampla
Para Koelle, o fato de ter atuado em empresas agregou uma visão mais ampla do mercado e de melhores práticas ao seu empregador. “Passei a ter essa percepção de visão do mercado. A pessoa que fica só na consultoria tem a carência de saber como é o dia a dia do RH de uma empresa. Se já sentou na cadeira, é capaz de entender mais rapidamente um briefing, por exemplo”, diz.

A capacidade das empresas de oferecerem propostas interessantes aos consultores pesa no movimento migratório. Estar aberto para aproveitar as características desses profissionais é fundamental para a obtenção de melhores resultados. A prova disso é que nenhum dos consultores entrevistados pensa em voltar para a vida de “glamour” da flexibilidade. Agora, o que os anima é colocar em prática suas experiências com as próprias equipes. E aproveitar o melhor dos dois mundos. 
 

Leia também:

> Missionários e migrantes

 

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail