Gestão

No meio do caminho

de Camila Mendonça em 13 de outubro de 2014
Feedback: Crédito Adriano Vizoni
Feedback / Crédito: Adriano Vizoni

“Você é ingerenciável.” A administradora de empresas Ana Lúcia Emmerich, de 38 anos, ouviu esta frase em 2007, e nunca a esqueceu. A afirmação veio do gestor de Ana em uma reunião de feedback formal da empresa onde trabalhava e não foi acompanhada de grandes explicações. Na verdade, nenhuma. “Até perguntei sobre os motivos dessa afirmação, mas o gestor não conseguiu esclarecer ou me trazer um fato que consolidasse o que ele disse. Fiquei realmente surpresa e travei, primeiro porque eu não entendi o que ele queria dizer e depois porque eu não consegui ver propósito na afirmação”, conta.

Quando o feedback é….

Apropriado
Quando está embasado em números, fatos e exemplos. Neste caso, o gestor tem propósito claro de orientar o funcionário em direção a um crescimento e mostra a ele qual caminho tem de seguir.

Inapropriado
Um feedback mal feito é aquele no qual o gestor mais ataca do que orienta. Quando não há argumentos que justifiquem as avaliações dadas e nenhuma orientação e sugestão de melhorias.

Erros no feedback
A profissional explica que o gestor que deu esse feedback era o líder da área havia poucos meses, tinha forte conhecimento técnico, mas fama de ser uma pessoa difícil. Até então, ele não havia dito nada negativo a respeito de Ana. Os líderes anteriores, diz ela, não tinham apontado nada que não fosse útil para o desenvolvimento da profissional. “Eles falavam comigo embasados, faziam a análise de maneira estruturada e conseguiam construir um feedback que ajudasse no meu desenvolvimento”, conta.
Por isso a surpresa, que se transformou em questionamento, e logo Ana Lúcia se perguntou se os oito anos que tinha de empresa na época não foram suficientes. “Acendeu a luz vermelha e comecei a me questionar se eu tinha desaprendido alguma coisa”, conta. Quando saiu da sala, a profissional chamou uma colega para tomar um café e ali desabafou. “Estava indignada e saí da sala me sentindo arrasada, porque os números mostravam que eu não tinha uma avaliação ruim, mas entendi que ingerenciável é um profissional ruim, que não aceita chefe e que não sabe transitar no mundo corporativo – coisas que não me trouxeram algo positivo”, afirma. “Naquele momento eu me perguntei o que existia por trás dessa afirmação”, conta. Dúvidas, questionamentos e indignação são os sentimentos mais comuns após um feedback pouco estruturado e sem embasamento. E isso acontece, em linhas gerais, porque não há uma preocupação por parte das empresas de transformar o feedback em ferramenta de desempenho, afirma Daniela Simi, diretora do Hay Group.

Segundo ela, os problemas de uma avaliação de desempenho mal conduzida começam com o modo como essas análises são estruturadas. “O feedback hoje tem uma conotação negativa, porque as pessoas não sabem fazer de maneira apropriada nem receber de maneira correta”, avalia. Ela explica que essa avaliação é uma ferramenta para desenvolver as competências e elevar o desempenho dos profissionais e só terá validade quando respeitar este princípio básico.

Mara Turolla / Crédito: Divulgação
Mara, da Carrer Center: o feedback pode ser um aliado da carreira / Crédito: Divulgação

Imaturidade da liderança
O que parece simples na teoria tem se mostrado difícil para boa parte das empresas, avalia Silvio Celestino, sócio-fundador da Alliance Coaching. Segundo ele, falta preparo dos gestores. E isto porque os profissionais têm ocupado cargos de liderança cada vez mais cedo – o que não dá a eles tempo para amadurecer competências comportamentais. Além disso, eles adotam referências que pouco contribuem para o acerto na prática do feedback. “A maioria dos líderes desenvolve a liderança por experiência e com os exemplos anteriores, de ex-gestores, e sem conhecer os fundamentos”, avalia.

A própria cultura das empresas brasileiras influencia na percepção falha sobre feedback. “Prezamos mais os relacionamento e as pessoas querem estar de bem com as outras, evitando situações mais difíceis”, avalia Celestino. Falta de objetividade também contribui para retornos falhos. “Não vamos direto ao ponto, como fazem os europeus e os norte-americanos. Tendemos a dar mais voltas”, completa Mara Turolla, diretora de coaching da Career Center. Para Celestino, o mais importante é tanto líder quanto funcionários entenderem o propósito da companhia, as metas e, ao fim, alinhar tudo isso ao objetivo do feedback. “A ideia é reforçar um comportamento ou interrompê-lo para que ele esteja alinhado aos propósitos da empresa, do departamento ou à tarefa”, adiciona. Quando essas avaliações fogem de todo este escopo, os problemas começam e as consequências vão além de futuras demissões.

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Daniela Simi / Crédito: Divulgação
Daniela, do Hay Group: é preciso ter maturidade de ambos lados / Crédito: Divulgação

Impactos
Ana não se deixou abater com o feedback sem argumentos dado há sete anos. “Não me traumatizou, mas foi algo que me incomodou tanto, que estou falando sobre isso até hoje”, conta. “Transformei a experiência em algo positivo e foquei em alavancar minha performance. Não deixei que isso transformasse o meu histórico profissional bom em ruim”, avalia. Nem todos têm essa mesma maturidade. Feedbacks mal estruturados podem trazer consequências danosas tanto para os profissionais como para as empresas. “Se o conteúdo é negativo, mas a forma como o feedback é feito é positiva, pode alavancar o desenvolvimento e inspirar, mas quando a forma é negativa, desmotiva e o profissional pode começar a se preparar para sair da empresa”, afirma Mara. A executiva explica que um retorno mal elaborado pode impactar toda a equipe, pois gera mal- estar, principalmente se o profissional que o recebeu for uma referência entre os colegas. Neste caso, eles podem se sentir pessoalmente atingidos e as consequências podem ser imediatas, como queda no desempenho de todo o time.

Embasamento
Para o profissional, um feedback sem embasamento pode fazê-lo se sentir perdido. “Ele perde a referência e isso cria um estresse desnecessário no ambiente de trabalho que pode acarretar sintomas emocionais”, analisa Celestino. “Esse estresse impacta o funcionário à medida que ele começa a ficar mais inseguro”, avalia Meiry Kamia, psicóloga e consultora organizacional. “Ele fica com medo de fazer qualquer coisa e, por medo de errar, erra mais ainda. Ele entra em um estado de ansiedade muito alto e o corpo começa a sucumbir”, afirma. Esse estado pode agravar ainda mais o relacionamento com o gestor e o risco é de o funcionário levar a avaliação inapropriada para o lado pessoal. “Ele começa a pensar que o chefe não gosta dele e que o trabalho dele não vale nada. Isso atinge a autoestima”, diz a especialista. Assumir o papel de vítima também é comum em situações como esta. E o resultado é o aumento da insatisfação e desgastes físico e mental, que podem resultar na saída do profissional.

Os riscos podem ultrapassar o campo profissional e, a partir de um retorno mal acabado, o funcionário pode ter uma percepção distorcida da própria imagem. E esse desvio de avaliação pode resultar em uma desilusão difícil de superar, afirma Marcelo Katayama, terapeuta e instrutor do curso Leader Training, promovido pelo Núcleo Ser. “Precisamos entender que autoimagem nada mais é do que a forma como o indivíduo se percebe, quer seja sobre o aspecto físico, quer seja por suas habilidades ou atitudes. Ela é construída pelo indivíduo a partir do peso dado para as informações externas e das convicções e crenças preexistentes”, explica. O especialista conta que a desilusão acontece quando os resultados apresentados pelo profissional não condizem com o esperado. “Superdimensionada uma competência, característica ou habilidade, o resultado será aquém do desejado, gerando no profissional frustração e raiva por não conseguir atingir o objetivo. Ao passo que o subdimensionamento de uma habilidade ou atitude faz com que o indivíduo não explore totalmente o seu potencial”, avalia.

Em casos extremos, essa falta de equilíbrio entre o que de fato o profissional apresenta e o retorno que ele tem sobre o feito também pode fazer uma pessoa desistir da carreira que está seguindo. “Pode ser muito destrutivo”, afirma Mara. Para evitar isso, contudo, conta muito a personalidade do profissional. Para Katayama, a autoestima natural do profissional tem forte peso no modo como ele encara o feedback inapropriado. Se ele sabe e reconhece o valor do próprio trabalho, conseguirá sair da situação sem fortes danos. “Já quando existe uma necessidade grande de aprovação externa, desenvolve-se um processo de ‘dependência’ emocional. Se o indivíduo tiver o discernimento para dar o devido peso para o retorno, as chances de se elevar ou reduzir demais a confiança diminuem”, afirma o especialista.

Silvio Celestino / Crédito: Divulgação
Celestino, da Alliance Coaching: falta de objetividade na cultura brasileira / Crédito: Divulgação

Propósito da empresa
Criar referências internas é fundamental, avalia Celestino, principalmente em ambientes muito competitivos, onde estão em jogo altos cargos e salários e onde o profissional pode estar diante de competidores desleais e lideranças inseguras. “Ele precisa se reconhecer e entender o propósito da empresa e ter consciência com relação a tudo o que está acontecendo. O papel do funcionário não é aguentar feedbacks, é conseguir material para se desenvolver. E, para isso, é preciso ler o ambiente antes de validar o feedback recebido”. Nesta leitura, o funcionário deve considerar os retornos recebidos anteriormente e principalmente ouvir outras fontes. Foi conversando com os colegas que a administradora Ana saiu da situação em que se encontrava. “Eram meus pares e me conheciam há mais tempo e ninguém validou o feedback que tive”, conta. O retorno positivo dos colegas deixou Ana mais tranquila. Poucos meses depois, o gestor saiu da empresa e ela, no ano seguinte, recebeu reconhecimento interno pelo trabalho e uma bolsa da empresa para fazer um MBA. “O grande aprendizado é que chefe não é o dono da verdade e o que é falado sobre você não necessariamente corresponde ao que você é.”

A receita do feedback (um guia para os gestores)

*1 Observe: Para avaliar, é preciso entender, conhecer a equipe, o comportamento e os resultados de cada profissional. Estabelecer uma periodicidade para manter a pessoa informada sobre o seu desempenho, para além do feedback formal, ajuda a consolidar a visão sobre o funcionário.
*2 Descreva o fato: A abordagem descritiva, falando de fatos e não suposições, ajuda o funcionário a entender no que ele errou e acertou. A ideia é dar referências a quem está ouvindo.
*3 Cuidado com o tom: Positivas ou negativas, as palavras ganham força conforme o tom utilizado pelo gestor. Uma linguagem e tom amenos ajuda o profissional a entender a mensagem. Construa empatia com a equipe ao longo do tempo – isso é importante nos momentos críticos.
* 4 Seja claro: Quando disser algo, principalmente negativo, não dê voltas, vá direto ao ponto. E sempre com argumentos baseados em fatos e números. Deixe claro, principalmente, os objetivos a serem alcançados e o que você espera do profissional.
*5 Oriente: Apontar os erros e acertos, ainda que baseado em fatos, não é suficiente sem orientação posterior. O que você teria feito no lugar do funcionário, qual teria sido o melhor caminho? Lembre-se de que o feedback tem o objetivo de melhorar a performance do profissional.
* 6 Recorde o propósito: Sempre que for avaliar um funcionário, lembre a ele o objetivo da avaliação – comportamental, resultados, metas. A ideia é ajudá-lo a entender para onde ele tem de ir e onde ele está.
*7 Fale dos pontos positivos: Ainda que a avaliação tenha sido negativa, fale, primeiramente, dos pontos positivos do profissional. Isso ajuda a aumentar a empatia e cria um vínculo de confiança com o gestor.
*8 Crie o ambiente:Há especialistas que defendem a máxima de que elogios devem ser feitos em público e críticas reservadamente. Isso para feedbacks informais, que ocorrem no dia a dia. Há quem diga, porém, que tanto os retornos positivos como os negativos devem ser feitos em sala reservada. Não há uma regra, depende do feeling do gestor.

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Marcelo Katayama / Crédito: Divulgação
Katayama, do Núcelo Ser: Olhar características positivas e negativas / Crédito: Divulgação

Falar e ouvir
“Um feedback nada mais é do que um retorno, ou seja, comentários, uma avaliação sobre algo. Por se tratar de uma interação entre duas pessoas, está sujeita a dois vieses: o primeiro é da pessoa que está dando o feedback; o segundo da pessoa que recebe”, explica Katayama. Embora seja claro que boa parte das empresas (e dos gestores) não sabe estruturar uma avaliação, é preciso ver o outro lado da moeda. Como mencionam os especialistas ouvidos pela MELHOR, por vezes, o funcionário não sabe ouvir o retorno, principalmente o negativo, e não consegue encará-lo como parte do desenvolvimento. “Tão importante como treinar o líder para dar o feedback é treinar o profissional para ouvi-lo”, afirma Mara, da Career Center. Profissionais menos maduros, afirma, costumam ser mais sensíveis àquilo que ouvem e se desmotivam com facilidade. “Um ponto fundamental é a maturidade dos dois lados. Se o funcionário não está concordando, ele deve mencionar os pontos de que ele discorda. Se ele sabe que no fundo faz sentido ou se for uma novidade, o ideal seria absorver e digerir aquilo”, diz Daniela, do Hay Group.
A dificuldade de “ouvir calado” um feedback negativo é essencialmente humana, reforça Katayama.

Contudo, o funcionário precisa ter em mente que a avaliação sobre comportamentos e resultados dentro das empresas não reflete a identidade ou personalidade dele. “É fundamental que ambas as partes tenham claro que ao se dar um feedback sejam explicitadas quais atitudes e comportamentos foram positivos ou negativos, para não haver esse tipo de confusão”, afirma. “Se a pessoa que está recebendo um feedback não conseguir fazer essa distinção, entendendo as informações recebidas como pessoais ou referentes à sua personalidade, pode haver sim um impacto na autoimagem”, ressalta o especialista. Quando feito da forma correta, o feedback deve ser encarado como um aliado do funcionário e não inimigo.

Os danos não ocorrem apenas quando a avaliação é negativa. O contrário também ocorre. Segundo ela, o feedback exageradamente positivo causa um constrangimento para os profissionais mais maduros, que sabem o valor do trabalho que executam, e elevam a confiança daqueles menos autoconfiantes. “Quando você exagera, você dá ao profissional uma referência errada. Quando as pessoas fazem trabalhos medíocres e são bem avaliadas, o gestor reforça a mediocridade”, afirma Celestino. O resultado, de médio a longo prazo, é o aumento da confiança com bases pouco realistas. Quando esse profissional for mais exigido pelo mercado, ele não vai corresponder às expectativas e, pior, não vai entender os motivos. Por isso, como reforça Daniela, entender o próprio papel na empresa é ferramenta essencial para livrar-se de prejuízos trazidos por feedbacks mal estruturados ou mesmo negativos. “Se ele não sabe o seu valor, pode prejudicar o próprio desenvolvimento.”

Saber ouvir (um guia para aqueles que recebem feedback)
*1 Se conheça: À medida que for crescendo profissionalmente, tente reconhecer seu perfil profissional, atitudes e comportamentos. Tenha uma meta de carreira e não descuide da formação. Converse com profissionais mais velhos, que podem ser os seus mentores. Enfim, se conheça. Isso gera confiança para lidar com os feedbacks, sejam eles positivos ou negativos.
*2 Ouça: Ao sentar com o gestor, deixe-o falar. Não o interrompa. Respire e mantenha a cabeça aberta e tente digerir e entender tudo o que está sendo dito. Não responda na hora e controle a tendência natural de querer justificar tudo.
*3 Não ataque: O ataque é uma manifestação do medo e insegurança. Em feedbacks negativos, principalmente aqueles que são mal formulados e sem embasamento, tente não atacar o gestor.
*4 Agradeça: Ainda que seja em um retorno mal estruturado, após ouvir o feedback, agradeça o tempo que o gestor disponibilizou para avaliar o seu trabalho.
*5 Questione: Depois de terminada a avaliação, peça a palavra e esclareça dúvidas, sempre em tom de quem quer se desenvolver. Se o gestor não deu argumentos e exemplos, solicite. Lembre-se, essas avaliações têm o objetivo de lhe dar base para melhorar.

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