Carreira e Educação

Novos tempos

de Luciano Velleda em 28 de maio de 2010

 

De modo silencioso, por vezes até mesmo imperceptível para os menos atentos, o ambiente de trabalho tem vivido, nos últimos anos, uma significativa mudança comportamental. Na maioria dos casos, isso tem se refletido na própria visão que o empregador tem do seu negócio. A princípio pode parecer supérfluo, mas a crescente aceitação de funcionários que possuem tatuagens visíveis aos olhos de qualquer pessoa é uma singela amostra dos novos tempos vividos no mercado de trabalho.

 

Profissionais que outrora seriam discriminados sem qualquer constrangimento, hoje, assumem postos importantes nas companhias em que trabalham, até mesmo de chefia ou coordenação, independentemente do dragão que tenham no braço ou da borboleta no pescoço. O que mudou não foi apenas a capacidade técnica dos tatuadores, hoje inclusive reconhecidos como artistas mas, fundamentalmente, o modo como os gestores analisam (e avaliam) seus empregados, deixando de lado questões estéticas e valorizando, acima de tudo, a capacidade, o comprometimento e o rendimento profissional, como explica a gerente de pessoas da Brasilprev, Regina Frederico: “As pessoas estão enxergando um pouco melhor aspectos que antes eram vistos como inaceitáveis . Aqui, temos como valor a alta performance e a técnica, e não apenas o comportamento individual e o estilo de cada pessoa”.

Embora atue no ambiente financeiro, conhecido por sua formalidade, Regina conta que diversos colaboradores da Brasilprev possuem tatuagens e não sofrem qualquer tipo de discriminação por isso, seja para entrar na empresa, seja para alcançar novos cargos e promoções. Entretanto, ela reconhece que há momentos em que é necessário ser mais formal. “Quando visitamos o Banco do Brasil, por exemplo, as pessoas se vestem de maneira mais social, mas isso não impede que tenhamos nosso próprio perfil”, ressalta a executiva.

Mas nem sempre foi assim. Regina lembra que, até meados de 2004, a Brasilprev posicionava-se de modo mais tradicional. Foi a entrada dos profissionais da geração Y que fez a empresa mudar seus conceitos e adotar uma nova postura. “Eles trouxeram para a companhia uma cultura mais aberta, na qual o uso de tatuagens deixou de ser um tabu”, analisa. O resultado, segundo ela, foi um expressivo aumento no índice de satisfação dos funcionários, que até 2003 era de 51% e atualmente é de 76%, de acordo com pesquisas internas.

Segmentos distintos
E a tendência é valorizar, cada vez, a capacidade profissional do empregado e não suas tatuagens ou qualquer outro tipo de adereço. “Com a ascensão dos jovens da geração Y, essa transformação será ainda mais rápida”, afirma. “Eles são diferentes; por isso, quando forem lideres, trarão uma nova maneira de gestão”, analisa Regina.

Quem compartilha a mesma ideia é o gerente da Robert Half, Roberto Britto. Para ele, esse processo começou nos últimos dez anos e não tem volta. “Antes, havia um preconceito em relação às atitudes que não fossem usuais. Agora, as empresas têm uma visão diferente, olham e se interessam mais pela capacidade que a pessoa tem de gerar benefícios e resultados positivos para o negocio”, sustenta Britto.

Entretanto, ele ressalta que ainda há alguns segmentos em que a exposição de uma tatuagem pode acarretar prejuízo, como a área comercial. Mas tudo é questão de visibilidade. “Aquelas que não podem ser escondidas, como as tatuagens nas mãos ou pescoço, podem prejudicar a aceitação do profissional com clientes tradicionais, por exemplo. Mas, quando falamos de um mercado mais eclético e informal, não há muitos problemas”, completa Britto.

Por outro lado, a diretora de RH da Mercer, Neusa Neves, apesar de reconhecer que o uso de tatuagens é cada vez mais frequente entre os jovens, ressalta que a transformação interna das empresas acontece numa velocidade diferente das mudanças de gerações. Mas, assim como Britto, ela acredita que a questão fundamental está relacionada ao tipo de área de atuação, os diferentes perfis empresariais e o tamanho da tatuagem ou de sua visibilidade. Segundo Neusa, empresas de tecnologia e comunicação são mais liberais, enquanto empresas de serviços de consultoria ou advocacia são mais conservadoras. “Não se questiona mais a capacidade da pessoa – muitos são bem tatuados e criativos -, mas não acredito que esse seja o ponto”, enfatiza. Ela acredita que o fato é que algumas empresas ainda buscam trabalhadores que sigam seus conceitos e padrões.

E isso já vem sendo visto na prática. Na agência de publicidade e propaganda DM9, por exemplo, tatuagens deixaram de ser tabu há algum tempo. De acordo com Duda Lomanto, gerente de recursos humanos da agência, a tatuagem não representa problema algum. “É um desejo da pessoa, não interfere em nada no trabalho. E se for uma tatuagem bonita será até elogiada”, afirma. Duda, que enxerga a tatuagem como um estilo de vida, garante que não há qualquer tipo de preconceito durante um processo de seleção. “Na DM9, valorizamos aspectos como a história de vida do candidato, sua capacidade de comunicação, de criatividade e como ele gera resultados”, reforça.

Hora certa de mostrar
O executivo Cristiano Wortmann, de 32 anos e com três tatuagens grandes, já aprendeu a transitar no mundo dos negócios sem deixar que suas tatuagens atrapalhem a relação que tem com seus clientes da Representações Wortmann Ltda., na qual é um dos sócios.

Ele sabe o momento certo de colocar uma roupa que as cubra, e a hora que pode deixá-las à mostra e ate usá-las a seu favor. “Tudo depende do perfil do cliente”, conta. Porém, em diversos países da América do Sul, como Bolívia, Colômbia, Paraguai e Argentina – onde a empresa também tem clientes e não há uma cultura forte da tatuagem como no Brasil -, os cuidados precisam ser maiores, para não atrapalhar os negócios. “Se apareço todo tatuado na Bolívia eles me veem como um alienígena”, conta Wortmann, em meio a gargalhadas. “Em alguns casos, até deixo o cliente ver minhas tattoos depois de estabelecer uma relação de confiança com ele, no ambiente de um bar descontraído ou na piscina do hotel”, explica o jovem executivo. Mesmo assim, há casos em que, mesmo depois de já haver estabelecido uma boa relação com os clientes, os cuidados com a vestimenta permanecem, pois são empresas mais tradicionais. 

A relação da confiança foi durante algum tempo a mesma estratégia utilizada por Luciana Passos Martins, de 33 anos, atualmente coordenadora de comunicação da Lacoste Brasil. Ela conta que primeiro analisava o perfil do cliente para, então, decidir se deixaria (ou não) suas tatuagens à mostra. “Minha ideia era a de esconder até ter a confiança dele no meu trabalho”, explica.

Com o passar do tempo, e com maior experiência e confiança no próprio potencial, Luciana deixou de se preocupar com essas questões. Hoje, sabe que o que realmente vale é seu trabalho. “Mudei minha relação com a tatuagem, pois o que realmente importa é o comprometimento e a dedicação que tenho no trabalho”, ressalta. No entanto, ela reconhece que, por vezes, ainda existe um conceito estereotipado e lembra de um momento em que a tatuagem atrapalhou. “Aconteceu recentemente, na seleção de um modelo para uma sessão de fotos da Lacoste, em que o candidato foi excluído por ter muitas tatuagens”, relata. Segundo ela, ele chamava mais atenção do que a roupa – o que para modelo é complicado. “Mas isso vem mudando. As pessoas têm de ser respeitadas pelo que são, independentemente de tererem ou não um desenho no corpo”, completa Luciana.  

O assessor jurídico da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (SMIC), da Prefeitura de Porto Alegre, Alexandre Guterres, de 41 anos, é outro exemplo de profissional bem-sucedido que possui tatuagens. “Nunca tive qualquer problema. Acredito que o mais complicado é para quem faz atendimento ao público, o que não é meu caso”, explica o assessor, que ressalta que tem de manter uma postura de procedimento e vestimenta.

Ambiente mais flexível
Na visão de Guterres, a tendência no ambiente de trabalho é que o preconceito com as tatuagens diminua. Ao menos, é a sua esperança. “Sou completamente contrário a qualquer tipo de discriminação, não posso aceitar esse tipo de comportamento, mas é uma questão complicada, principalmente nos casos de atendimento ao público. Não tem como negar que ainda há pessoas que não aceitam determinadas posturas”, lamenta. No entanto, sua esperança é que aos poucos a sociedade comece a aceitar com mais naturalidade as diferenças e seja mais tolerante quanto a isso, respeitando o jeito de ser de cada um.

E isso tende a acontecer, segundo Neusa, da Mercer, em função da chegada dos Ys ao mercado de trabalho, que trazem mais flexibilidade nas empresas. “Trata-se de uma geração com valores e ideias diferentes. Mais cedo ou mais tarde as companhias terão um ambiente mais flexível e informal”, adianta.

Dessa forma, o que se percebe no mercado é uma mudança gradual, na qual o que importa são as características profissionais, o talento e o comprometimento que o profissional tem no trabalho, e não os desenhos que ele possa ter no corpo. Mas, como em toda relação, o bom senso deve sempre prevalecer – tanto por parte da empresa quanto por parte dos executivos (com tatuagens ou não).

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