O ouro da base

de Paulo Jebaili em 16 de maio de 2011

Atrair e reter profissionais qualificados. Formar líderes para garantir o futuro do negócio. Captar trainees oriundos das melhores escolas. Aprimorar o capital intelectual. Contar com gente criativa e capaz de ideias inovadoras em suas fileiras. Todas essas questões palpitantes (e absolutamente legítimas) desafiam e mobilizam os gestores de RH mundo afora, num contexto de absoluta competitividade.

Porém, parte significativa do desempenho das organizações decorre do que acontece na base da pirâmide corporativa, o que nem sempre é percebido pela alta gestão. “Há uma discussão enorme das coisas de recursos humanos, mas sempre voltadas para o escritório central – executivos, trainees – e muito pouca discussão a respeito dos trabalhadores da base”, diz o consultor José Emídio Teixeira, da Dialogar. “E do humor, do comprometimento do trabalhador da base vai depender muito a produção em si e a qualidade da produção.”

Tal observação encontra ressonância numa pesquisa conduzida por Jody Heymann e Magda Barrera, da McGill University, no Canadá. Intitulado Profit from the bottom of the ladder , o estudo conecta os investimentos feitos nos trabalhadores da base com a lucratividade das empresas. A pesquisa durou seis anos e foi feita junto a empresas do setor privado de nove países (em cinco continentes) de variados segmentos econômicos e de todos os portes, com contingentes de 27 a 126 mil funcionários. Logo em suas primeiras páginas, o estudo expõe a existência de uma suposição de que “os trabalhadores da base são mais prontamente substituíveis ou não são tão valiosos para o desempenho das empresas e, dessa forma, investir neles não é visto como algo lucrativo”. E, na sequência, trata de demolir tal pressuposto.

O estudo demonstra que esses investimentos podem ser de várias naturezas: na saúde e bem-estar dos trabalhadores; no treinamento e na perspectiva de crescer na carreira; na oferta de incentivos; nos canais de comunicação, sobretudo para ouvir o que os funcionários da base têm a falar; e nas relações com a comunidade. (observe o quadro Cinco investimentos com retorno).

Ambiente de confiança
Para Emídio, as empresas precisam olhar para o seu trabalhador da base como alguém que vai agregar valor. Ele considera que existem quatro palavras-chave que pautam a atitude das chefias na relação com esse grupo de profissionais: justiça, respeito, confiança e reconhecimento. “O trabalhador da base tem uma sensibilidade grande em relação ao modo como é tratado, se é respeitado, se há justiça e reconhecimento por parte da empresa. E se efetivamente existe um ambiente de confiança, que é resultado de uma equação relativamente simples. Quanto mais o discurso da empresa corresponder à prática, maior será o ambiente de confiança.”

Outra característica que denota uma mudança do perfil desse segmento de profissionais nas últimas décadas, segundo o consultor, é um maior conhecimento e uma percepção mais aguçada a respeito do que se passa no mundo do trabalho. “Às vezes, as empresas não olham para eles como se fossem capazes de compreender e discutir sobre o que se passa no mundo corporativo nos dias de hoje. Não é verdade. Primeiro, porque eles são cada vez mais qualificados. Segundo, porque têm acesso às mesmas fontes que o resto do pessoal da empresa tem. Todos acessam a internet, todos sabem o que se passa, eles acompanham as coisas”, observa Emídio.

Algumas empresas até estimulam que os funcionários tenham uma visão mais ampla do negócio. No hotel JW Marriott, no Rio de Janeiro (onde o presidente dos EUA Barack Obama ficou hospedado em visita ao Brasil em março), os empregados são convidados para uma reunião mensal em que o Balanced Score Card da empresa é discutido. Os associados (como são tratados os funcionários) ficam a par de temas como resultados financeiros, operacionais, níveis de satisfação do hóspede e podem expor seus pontos de insatisfação. “O associado tem acesso a todas as informações relevantes, independentemente de sua posição dentro do hotel”, explica a diretora de RH, Tereza Guimarães.

Investir na base, num caso como o do Marriott, é vital para o desempenho do negócio, uma vez que esses funcionários lidam diretamente com o cliente e acabam sendo representantes da marca junto ao público-alvo. A análise numérica reforça a importância dessas pessoas: dos 253 associados, 15 são gerentes e 238 são da base.

A diretora de RH considera que a possibilidade de crescer na carreira é um dos maiores fatores de retenção dos funcionários. Há diversos mecanismos em que o associado pode se candidatar a outras funções, passar por treinamentos em áreas afins e receber feedback constante dos gestores. “Existem vários programas e a pauta vem sendo desenvolver novos gestores. O associado de linha, quando entra, começa a criar sonhos, a ter expectativas. Muitos nem imaginam assumir posições executivas. Mas o ambiente é muito favorável para que esse tipo de pensamento seja formado”, diz Tereza. Ela mesma começou como recrutadora há nove anos e foi galgando posições até se tornar diretora de RH há dois anos.

Foco na saúde
Outro investimento do JW Marriott que gerou bons resultados foi em qualidade de vida. Tereza conta que uma pesquisa feita pelo fornecedor de serviço de saúde detectou que 70% dos funcionários eram sedentários. “Nós cuidamos muito bem dos nossos associados, mas esse índice não foi algo que nos deu orgulho”, diz. O hotel lançou mão de políticas internas para fazer o pessoal se mexer. Uma delas foi incentivar a participação nas diversas corridas de rua que acontecem na orla carioca. “Há um grupo de atletas que corre. Depois, eles tomam banho no hotel e vão para casa. Nas corridas de rua, bancamos a inscrição, montamos uma tenda em frente ao hotel com bebidas e frutas para reposição energética”, conta a executiva. Também foi posto em prática o programa Perder para ganhar com orientação e acompanhamento de uma nutricionista. 

Essas medidas tiveram impacto nos custos do benefício saúde. “Ano passado foi tão bom que a proposta inicial de reajuste, que tinha sido de 14%, caiu para 4%. A gente tinha vindo de um ano com um reajuste de 20% (2008-09). Conseguimos reduzir para 4% porque a sinistralidade foi baixíssima”, conta Tereza. Mas ela ressalva que esse resultado se deve também a um trabalho de conscientização quanto ao uso do plano. “O associado tem uma tendência a usar muito a emergência, em vez de fazer a prevenção. Isso aumenta o custo do beneficio. Um problema de pressão alta,  que ele só ia ver quando começava a se sentir mal, mudou. Ele passou a consultar o médico com mais regularidade.”

Investir na base também está na pauta da Motorola Mobility para 2011. A empresa planeja um aumento de 20% nos investimentos em capacitação. Uma das ações mais relevantes será a implantação de um centro de aprendizado na unidade de Jaguariúna (SP), que deve entrar em operação neste semestre. De acordo com a coordenadora da universidade corporativa da empresa, Helena Costa, o projeto nasceu da necessidade de qualificar o pessoal do chão de fábrica, especialmente por conta de novos produtos da empresa. Mas servirá também para reciclar o conhecimento dos trabalhadores de linha, bem como treinar novos funcionários. “A partir de um conhecimento mais focado, de simulações, a ideia é construir um espelho de uma linha de produção, simular defeitos nos equipamentos, treinar a parte prática”, conta Helena. Segundo ela, as atividades do centro devem abranger cerca de 2 mil funcionários e ajudar a melhorar indicadores, como de qualidade, de índice de defeito zero e de satisfação total do cliente.

São exemplos assim que dissipam argumentos que eventualmente contrapõem cuidado com as pessoas e obtenção de resultados. “Eu acho perfeitamente possível equilibrar as duas coisas. Ao dar atenção às pessoas, você constrói um modelo de relacionamento. Não é preciso ficar 100% do tempo cuidando das pessoas. Mas é preciso se dedicar, parar para pensar nisso. Às vezes, as empresas só pensam nesse tema quando alguma coisa não está indo bem”, analisa Emídio.

Cinco investimentos com retorno
Conduzido por Jody Heymann e Magda Barrera, pesquisadores da McGill University, no Canadá, o estudo Profit from the bottom of the ladder mostra as formas como empresas. Lá fora, conseguiram bons resultados para o negócio ao cuidar daqueles que compõem a base da organização:
1 Saúde e bem-estar
Esse é um dos caminhos que, segundo a pesquisa canadense, contribui para reduzir os índices de rotatividade e absenteísmo, e elevar a produtividade.

Exemplos:
A Autoliv, da Austrália, ao implementar políticas de horários flexíveis e de licenças obteve um aumento significativo na retenção de trabalhadores. O turnover que girava entre 15% e 20% caiu para 3%, o que superou os custos que a empresa teve com a adoção da medida. A SA Metal, na África do Sul, propiciou o acesso gratuito ao tratamento de Aids para seus funcionários. Um dia de tratamento para a companhia sai por cerca de 3,5 dólares, ao passo que um motorista de caminhão parado por motivo de saúde custa de 105 a 140 dólares por dia.

2 Treinamento e perspectivas de avançar na carreira
Capacitar a mão de obra e oferecer oportunidades de crescimento contribuem para aumentar a retenção, facilitar o recrutamento e aumentar a eficácia dos profissionais. É também uma ferramenta motivacional para aqueles contemplados com essas oportunidades.

Exemplos:
Ao enfatizar as oportunidades de carreira, a Xerox Europe reduziu os altos índices de turnover característicos do segmento de call center. Em um ano, 20% dos funcionários da base foram promovidos e outros 20% foram transferidos para outras funções às quais se candidataram.
A Dancing Deer, empresa com uma fábrica em Boston (EUA), ofereceu aulas gratuitas de inglês para seus funcionários da produção. A medida melhorou a comunicação entre os trabalhadores, muitos vindos de vários países e que não falavam um idioma comum. Isso tornou o trabalho mais eficiente.

3
Oferecer incentivos
Empresas lançam mão de vários mecanismos para incentivar todos os trabalhadores: articipação nos lucros, stock options entre outras medidas, que fizeram com que os funcionários se sentissem também donos do negócio. Como resultado, aumento de produtividade e da retenção.

Exemplos:
A American Apparel implementou um sistema de trabalho em equipe em que as costureiras eram remuneradas conforme a produtividade. Com um aumento de 12% no número de profissionais, a produção passou de 30 mil para 90 mil peças de vestuário por dia. A Dancing Deer implantou um programa de stock options extensivo a todos os empregados. Em um ano, as vendas cresceram 74% e as stock options se valorizaram cerca de 40%.

4 Engajar os trabalhadores e ouvir o que eles têm a falar
Os funcionários da linha sabem como boa parte do trabalho do dia a dia se dá e o que pode ser feito para melhorá-lo. Ouvir suas sugestões pode levar à redução de custos e melhorar a eficácia.

Exemplos:
A Isola reestruturou a produção por meio de um sistema de trabalho em equipes, formadas por seis ou sete funcionários e um líder, que se reportavam ao gestor da fábrica. A gestão das equipes pelos próprios funcionários levou a reduções do absenteísmo em 28% no verão e em 39% no inverno. A Great Little Box estabeleceu um programa de reconhecimento de ideias. O objetivo foi incentivar os empregados a detectarem erros no trabalho do dia a dia e a propor medidas para reduzir gastos. As premiações superaram 2,5 mil dólares canadenses (2,6 mil dólares), mas a economia gerada para a empresa superou esse valor.

5 Assegurar que empresa e comunidade ganhem juntas
Investir nas comunidades pode ser economicamente benéfico para todas as partes.

Exemplos
Para extrair calcário e reduzir custos com transporte, as empresas de cimento costumam se instalar em áreas rurais e adquirir propriedades onde haja esse material. A ACC, além de oferecer a infraestrutura necessária para o seu negócio, como estradas e eletricidade, também investiu em bens para a comunidade, como escolas e clínicas. Com isso, estimulou que os trabalhadores permanecessem na comunidade. A Costco ofereceu boas condições de remuneração e benefícios nos locais onde abriu suas lojas no EUA. A remuneração inicial na empresa é bem maior que o mínimo praticado. Um caixa com quatro anos de casa, por exemplo, pode ganhar 43 mil dólares por ano, enquanto a média nacional para a função é de pouco mais de 18 mil dólares. Com isso, a empresa tem encontrado bem menos resistência do que os concorrentes para se instalar nas comunidades.

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