Gestão

O papel fundamental de RH

de Paulo Jebaili em 22 de março de 2010
Michele Hunt: não espere pelas avaliações de performance, seja franco

Ser um catalisador da mudança. Essa é a essência da liderança na visão da consultora norte-americana Michele Hunt. Ex-vice-presidente de pessoas na empresa de móveis Herman Miller, onde ficou por 13 anos, Michele também passou pelo poder público, quando foi diretora-executiva do Federal Quality Institute, durante o governo do presidente Bill Clinton. Em 1995, fundou a consultoria Vision&Value, sediada em Washington, especializada em liderança, mudança e eficácia organizacional. O nome da empresa reflete os pontos básicos que, uma vez postos em prática, podem operar, segundo ela, mudanças consideráveis nas organizações e nas comunidades. Autora do livro DreamMakers (lançado no Brasil em 2002, com o título Fazedores de Sonhos, pela Qualitymark), Michele Hunt concedeu a seguinte entrevista, por e-mail, à MELHOR. Entre os aspectos abordados, a consultora diz que “os tradicionais sistemas, processos e programas de RH não são adequados ao ambiente de mudança atual”.

MELHOR – Existem similaridades que permeiam as histórias de DreamMakers – Fazedores de sonhos? A propósito, o que esses líderes visionários têm em comum?
Michele – Cada história é única; cada um tem seus próprios sonhos e desafios. No entanto, aquilo que eles têm em comum é bem mais importante do que aquilo que os diferencia. Identifiquei dez características que os DreamMakers têm em comum. A mais poderosa, que transcende todas as coisas, é o modelo mental, uma atitude de que tudo é possível. E está enraizada em valores, que conferem a eles uma firmeza de propósito e orientam suas decisões e comportamentos. Mas três características todos têm:
Como veem o mundo: eles compartilham um senso de responsabilidade que vai além de suas próprias vidas, se responsabilizam pelo mundo em que vivem e são comprometidos em torná-lo melhor. Seus sonhos são grandes, profundos e à prova de cinismo. São o que eu chamo de “otimistas práticos”. Eles percebem claramente a realidade e ainda a confrontam de forma resoluta.

Como tratam as pessoas: compartilham uma profunda fé nas pessoas, suas capacidades e potenciais e sua bondade básica. Prezam as relações interpessoais, que estão na essência de tudo o que fazem. E conduzem suas organizações com reverência a todas as relações humanas.

Como montam equipes: sabem que somos todos imperfeitos; no entanto, colocam o foco nos talentos e nos pontos fortes da pessoas. Formam equipes que suprem nossos pontos fracos, nos permitindo focar nossos pontos fortes. Entendem o valor da colaboração e da cooperação para o cumprimento de metas, obtenção de resultados
melhores e satisfação da nossa necessidade básica de ter um senso de pertencimento.

Pesquisas apontam o desenvolvimento de novos líderes como um desafio crítico para as empresas. O que elas podem fazer para desenvolver e reter líderes?
Eu ocupei posições de liderança em uma corporação, em governos estadual e federal, e numa pequena empresa. Eu não teria alcançado essa condição sem meus mentores. Os programas podem agregar valor, porém, nada é mais poderoso do que um líder que investe o tempo dele em você, aconselhando-o, sendo “durão” quando necessário e levantando-o quando você cai. Essa dedicação pessoal e orientação impactam e aceleram significativamente o desenvolvimento de líderes emergentes. E também impacta profundamente o desenvolvimento do mentor, contribuindo para o desenvolvimento de lideranças em vários níveis. Acredito que as organizações se beneficiariam imensamente se desenvolvessem as relações de mentoring “um a um” e oportunidades de diálogos de grupos de mentores. 

E como os profissionais de RH podem contribuir para o desenvolvimento de novos líderes?
O papel mais importante dos profissionais de RH é liderança e desenvolvimento organizacional. É preciso desenvolver o papel dos profissionais de recursos humanos nas organizações atuais. Acredito que exista uma grande oportunidade para os profissionais dessa área se tornarem catalisadores da mudança organizacional ao descobrirem e desenharem soluções inovadoras para o desenvolvimento de pessoas, líderes e organizações. No ambiente desafiador e mutável em que vivemos, o profissional de RH precisa desenvolver líderes. Se você está no lado operacional do RH (remuneração, folha de pagamento, compliance) ou no lado do desenvolvimento, tudo precisa ser desenhado e alinhado para desenvolver e reter líderes em todos os níveis. Os tradicionais sistemas, processos e programas de RH não são adequados ao ambiente de mudança atual. Nossas organizações não são desenhadas para os seres humanos crescerem e se desenvolverem. O desenvolvimento de pessoas, equipes e lideranças precisa ser o alvo de todos os nossos sistemas e políticas de RH. Na maioria dos casos, as pessoas fazem seus trabalhos a despeito dos nossos sistemas de RH.

Como assim?
Nós encaixamos pessoas nas descrições de cargos que limitam suas capacidades de contribuir com seus talentos em direção aos objetivos organizacionais. Se as pessoas não conseguem usar seus talentos e habilidades, será difícil se tornarem líderes. Nós detestamos dar e receber relatórios de performance, que raramente motivam as pessoas a aprender e a crescer. Eles nos exigem que sejamos bons em tudo, em vez de maximizar nossos talentos e aprendermos a trabalhar com outras pessoas cujos talentos são complementares aos nossos. Reconhecemos e premiamos os “heróis” quando sabemos que ninguém consegue nada sozinho. Trabalho em equipe está no cerne das grandes conquistas, ainda que dediquemos pouca atenção ao desenvolvimento de times e raramente ensinemos às pessoas as competências necessárias para liderar equipes. Fazemos com que as pessoas sirvam às estruturas, processos e sistemas mais do que colocamos as estruturas, processos e sistemas a serviço das pessoas. Frequentemente, sofremos com a crença errada de que as pessoas são preguiçosas, pouco confiáveis e limitadas, quando, de fato, elas são extraordinárias quando tratadas com dignidade e respeito e quando se permite que elas contribuam com suas ideias.

Isso reforça uma atuação maior do RH…
Os profissionais de RH podem se tornar inovadores, aconselhando e ajudando as lideranças a criarem um ambiente em que valha a pena as pessoas se comprometerem. Os líderes poderiam detonar o potencial de suas organizações ao acessar mentes, corações e imaginações das pessoas para cumprir a missão, visão, valores e metas. Isso permitiria o desenvolvimento de lideranças. Eu testemunhei e fiz parte de organizações que atuavam dessa maneira. Os resultados eram excelentes sob qualquer métrica: produtos e serviços, satisfação do cliente, performance financeira, e estabelecia uma cultura de alta performance. Tudo porque eram dadas oportunidades para que as pessoas participassem. Participação faz com que as pessoas se sintam proprietárias e quando mobilizamos esse sentimento coletivamente, o trabalho em equipe e a inteligência coletiva em torno de uma missão organizacional são sempre notáveis. Isso também cria um terreno fértil para desenvolver líderes por toda a organização.

E seria um trabalho circunscrito apenas à empresa?
Acredito que a responsabilidade do profissional de RH não deva se limitar aos muros da organização. Pessoas, famílias, comunidades e organizações estão fortemente conectadas. Quando nossas comunidades são lugares saudáveis para viver e trabalhar, isso se traduz em pessoas, famílias e organizações saudáveis. Recrutamento e retenção são muito mais valiosos quando “qualidade de vida” é vista como “um bom negócio”, quando as pessoas se orgulham do comportamento de sua empresa em termos de sustentabilidade, e quando as pessoas veem suas empresas respeitando famílias e desenvolvendo comunidades. Dessa forma, esse sentimento de orgulho se traduz em comprometimento.

Como os líderes e gestores podem lidar com o moral daqueles que não atingem os melhores resultados?
A maioria das pessoas quer o sucesso, mas muitas vezes nós as colocamos em cargos para os quais elas não estão preparadas. Temos um ótimo colaborador e, então, o promovemos para um cargo de liderar pessoas quando está pouco habilitado para isso. Em alguns casos, não temos clareza do que é esperado delas ou damos os cargos sem os recursos necessários. Porém, se uma pessoa está realmente falhando, fale com ela. Não espere pelas avaliações de performance, seja franco. Trate-a como adulto, dê a chance de mudar, crescer ou ir embora. No longo prazo, as pessoas gostam da verdade – quando é falada com respeito e dignidade.

Quando o conceito de lealdade acabou, os empregados tiveram de tomar as rédeas de suas carreiras. Por outro lado, as empresas têm de lidar com o desafio da retenção de talentos. Existe uma maneira de combinar os anseios dos dois lados?
Certamente, existe uma solução ganha-ganha: criar um ambiente em que os melhores e os mais brilhantes sejam atraídos para a sua organização. As pessoas querem ser parte de um lugar que as reconheça e as valorize. Querem se juntar a uma cultura que estimule a participação delas por meio de suas ideias e talentos. As pessoas, hoje, são como voluntários. Têm a liberdade de levar seus talentos e dons para outras organizações, especialmente quando a economia está fortalecida. O fator de diferenciação é como a organização trata as pessoas, e cada vez mais a definição de “pessoas” inclui famílias, comunidades e o meio ambiente.

As pessoas querem mais para suas vidas?
Há cerca de duas décadas vimos uma mudança: de pessoas que trabalhavam por 20, 30 anos numa organização para as carreiras múltiplas, com o profissional pulando de lugar em lugar. Parte dessa transformação foi causada pela era do downsizing e parte por conta das pessoas. O resultado incontestável é que as pessoas estão começando a tomar as rédeas de suas carreiras e de suas vidas. Não é somente o trabalho que as define. As pessoas querem mais para suas vidas. Parece haver uma movimentação global de pessoas fazendo perguntas muito profundas: O que é importante para mim? Como eu encontro sentido para a vida? Como eu quero passar o resto da minha vida? São questões que desafiam todos os setores da vida: familiar, da vida em comunidade e no local de trabalho. Em todo lugar, pessoas lutam por um futuro melhor. Ainda que passemos a maior parte da vida no trabalho, decisões sobre onde contribuir com nossos talentos se torna uma questão relevante. Cada vez mais pessoas querem que a vida tenha significado. Essa mentalidade crescente está arraigada em valores positivos transcendentais – independentemente de cultura, religião ou circunstâncias – que incluem: amor, compaixão, um senso de pertencimento, a chance de contribuir com seus talentos para crescer e se desenvolver.

E qual é o papel do líder nesse contexto?
O papel do líder é crucial para criar esse tipo de ambiente. Os desafios atuais demandam um tipo diferente de liderança. Hoje precisamos de líderes que entendam que servir é uma meta honorável. Que tenham respeito profundo e perene por todas as pessoas e um propósito que transcenda o egoísmo e a sedução do poder. Precisamos de líderes que realmente se importem com as pessoas, com as comunidades e com o meio ambiente. Que tenham a coragem e a convicção para ajudar a criar uma maneira nova e melhor de viver e trabalhar. Quando o líder tem a coragem e a inspiração para atuar assim, todos ganham.

Michele Hunt irá participar como facilitadora no Congresso RH-RIO 2010 que acontece entre os dias 8 e 10 de junho, no Centro de Convenções SulAmérica, no Rio de Janeiro. Michele irá falar da importância de sonhar e de transformar os sonhos em realidade, e qual o caminho para isso.

Perfil corajoso e inovador

Acreditar no potencial das pessoas, de que elas são capazes de realizar coisas extraordinárias, é uma das características que Michele Hunt gostaria de ver num profissional de RH, caso ela fosse CEO de alguma empresa e tivesse de encontrar um executivo para liderar a área de recursos humanos. Confira, abaixo, essa e outras qualidades desejadas desse profissional:

Valores compartilhados: acreditar que as pessoas são extraordinárias e capazes de conseguir coisas extraordinárias.

Visionário: ter a capacidade de enxergar o quadro maior e perceber as conexões entre os stakeholders da organização.

Coragem: não temer o risco de desafiar os líderes e a si mesmo e não temer me avisar quando “o rei estiver nu”.

Inovador: um desenhista criativo que se recuse a manter o status quo das soluções de RH e que esteja sempre em busca de novos modos eficazes de organizar e levar as pessoas a cumprir a visão, os valores e as metas organizacionais.

Conselheiro confiável: que me ajude a compreender o que as pessoas estão sentindo e me auxilie a crescer e desenvolver continuamente.

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