Gestão

O poder do diferente

de Paulo Otto Vonsperling em 9 de maio de 2014

A nova licença paternidade dos empregados da Petrobras, de dez dias, é sintoma de mudanças que se operam na sociedade e no mundo do trabalho. Como pai, fui um dos primeiros a usufruir da nova licença, com o nascimento da minha filha Helena, em novembro de 2013. Como ouvidor geral, pude perceber que sua ampliação causou elogios dos empregados e também sugestões para prolongar o benefício.

A alegria se justifica: trata-se do dobro do tempo permitido anteriormente. Já a reivindicação de um período maior parece refletir tendências da família atual: muito mais do que no passado, os homens são cobrados quanto a seu papel na formação do vínculo com os filhos. É natural, portanto, que alguns manifestem o desejo de compartilhar com as esposas uma fração maior do tempo que se segue à chegada de uma criança.

Isso nos coloca frente a frente com a questão da diversidade, à qual a Ouvidoria Geral da Petrobras precisa ser extremamente sensível, para o bom desempenho de suas funções. Diversidade é assunto que tem lugar em qualquer discussão mais detida sobre o mercado de trabalho na atualidade. Basta olhar com cuidado para perceber que há um universo de pessoas, hábitos e culturas diversificadas formando as organizações atuais.

Dados oficiais comprovam que o mercado formal tem passado por grandes transformações. Em poucas décadas, a representatividade das mulheres no mercado de trabalho aumentou significativamente. O acesso ao trabalho, antes quase uma exclusividade masculina, hoje é uma realidade para as mulheres. A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, revelou que as mulheres constituíam, no fechamento do ano de 2012, 42,47% da força de trabalho (1).

Na última década, o ingresso de mulheres na Petrobras apresentou desempenho significativamente superior ao dos homens. Em 2003, elas somavam 12% do quadro de efetivo da companhia. Em dezembro de 2012, esse percentual aumentou para 15,6% do total de empregados. Isso significa que, em nove anos, a taxa de crescimento relativo da força de trabalho feminina na Petrobras foi de 119%, enquanto que a taxa de crescimento relativo da força de trabalho masculina foi de 63,5%. A mudança atingiu todas as carreiras, incluindo as que, classicamente, apresentam predomínio masculino – geofísica, geologia, engenharia naval, ambiental, de produção e de processamento, por exemplo (2).

O crescimento da economia e a melhoria dos indicadores de escolaridade têm produzido outra transformação, que é o ingresso de pessoas com níveis educacionais mais avançados. Assim, o mercado de trabalho vem sendo disputado por público potencialmente formador de opinião e, portanto, mais crítico. Entre 2011 e 2012, foi verificada uma tendência de crescimento na escolaridade, com destaque para o ensino superior completo (+7,49%) e ensino médio completo (+4,89%), também pelos números da RAIS.
Na composição do trabalho formal, em 2012, aumentou-se o nível de escolaridade dos trabalhadores. Os dados mostram que o trabalho formal é composto majoritariamente de trabalhadores com escolaridade igual ao ensino médio completo (44,24%) ou ensino superior completo (17,80%). As faixas de menor escolaridade tiveram uma tendência de queda em ambos os gêneros (3).
#Q# 
Para além da questão de gênero e escolaridade, temos como resultado das ações afirmativas a implantação do sistema de cotas no acesso às universidades e a entrada do negro em ambientes que foram historicamente de brancos: em 1997, somente 2,2% de negros frequentavam o ensino superior; atualmente, são mais de 10% (4). Do conjunto de empregados da Petrobras, 33,2% já se declaram afrodescendentes (pretos e pardos) (5).

Mudanças culturais e sociais, por outro lado, fazem com que aspectos então restritos à vida privada venham à tona para o pleno exercício de direitos civis e sociais àqueles que mantêm famílias constituídas sob distintas formações. Esses exemplos renderiam análises mais aprofundadas, mas são suficientes para levar à reflexão de que a diversidade não está apenas “no papel”, e sim nas decisões do nosso dia a dia.

Nas organizações, a diversidade coloca os gestores frente a situações até então evitadas, ou tidas como de menor expressão. A diversidade exige de cada um a capacidade de reconhecer que as diferenças podem se transformar em desigualdades. Assim, podemos dizer que prezar a diversidade, tê-la como valor, é reconhecer que é necessário agir para mitigar as desigualdades.

A Ouvidoria Geral, neste aspecto, é um canal que tem sido procurado para que situações desiguais possam ser repensadas. Nos exemplos referidos a seguir, tratamos de várias questões que traduzem a diversidade no cotidiano da Petrobras. Um dos casos foi apresentado por uma empregada, mãe de criança com doença degenerativa e que necessita de cuidados 24 horas por dia. O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional estava longe de ser uma realidade para essa empregada. Esse tipo de demanda nos faz refletir: será que há 40 anos a Petrobras enfrentaria uma questão dessa natureza?  Provavelmente não, pois havia a predominância do trabalho doméstico feminino que conciliava a necessidade de cuidado de uma criança e a presença da mãe.
A situação da empregada foi levada à gestão que avaliou as necessidades apresentadas e trouxe uma solução para que ela não fosse prejudicada, de forma a conseguir harmonizar o trabalho com as tarefas de mãe. 
Essa mesma demanda propiciou um ganho coletivo. Ela motivou a inclusão de um auxílio-cuidador para inscritos no Plano de Assistência Especial (PAE), decisão aprovada no acordo coletivo dos empregados da Petrobras, em 2013 (cláusula 75ª). Outra demanda representativa da diversidade, em que a Ouvidoria teve um papel relevante, foi a decisão pioneira de se permitir que um empregado acompanhasse seu companheiro, também empregado da Petrobras, em curso de longa duração no exterior. Até 2013, somente pessoas em uniões heterossexuais haviam lançado mão dessa possibilidade.  
Nossa conclusão é que a trilha da diversidade ainda nos trará inúmeros desafios. Há muito que se trabalhar para se enxergar no indivíduo, em cada universo particular e diverso, a humanidade que nos faz únicos. Certamente, valorizar a diversidade na gestão da Petrobras é termos a chance de superarmos as desigualdades.

* Paulo Otto vonSperling é ouvidor geral da Petrobras desde 2009

(1)Dados disponíveis em www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2013/10/mulheres-tem-maior-participacao-no-mercado-de-trabalho-em-2012.
(2)Fonte: Gerência de Recursos Humanos da Petrobras, base 2012.
(3)Dados disponíveis em www.brasil.gov.br/economia-e-emprego.
(4)http://noticias.terra.com.br/educacao/mesmo-com-avanco-pelas-cotas-negros-enfrentam-racismo-na-universidade,527ecf9404272410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html
(5)Fonte: Gerência de Recursos Humanos da Petrobras. Dados da Ficha Perfil 2012 do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça. Observação: cerca de 22% dos empregados não autodeclaram cor/raça no cadastro funcional.

 

 

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