Gestão

Obstáculos do dia a dia

de em 17 de outubro de 2011
Getty Images

A globalização promoveu um aumento considerável no número de expatriados ao redor do mundo, e no Brasil não é diferente. Segundo dados do Ministro do Trabalho e Emprego (MTE), a emissão de vistos de trabalho aumentou 19,4% no primeiro semestre, levando os números deste ano para 26.545 autorizações de trabalho. O mercado brasileiro está aquecido e a demanda por mão de obra especializada vem crescendo rapidamente. Quase 80% dos profissionais estrangeiros vindos ao Brasil têm formação de nível superior e com mestrado. “As autorizações de trabalho permanente se destinam, na maioria, para diretores e presidentes de companhias multinacionais, bem como para investidores pessoa física, enquanto as autorizações de trabalho temporário se destinam em sua maioria para mão de obra em navios ou plataforma de petróleo, e assistência técnica”, diz Alexa Miranda, diretora da consultoria A Vida Bem Organizada, especializada em expatriados.

Apesar do crescimento expressivo, o processo de expatriação continua não sendo uma tarefa fácil para a área de recursos humanos. Além dos altos custos diretos e indiretos, como equiparação salarial, passagens aéreas, despesas com viagens, cursos de idioma, encargos sociais etc., diversos outros aspectos devem ser considerados para o sucesso de uma operação como essa. “É importante conhecer o perfil do expatriado e entender suas expectativas. Nem sempre morar perto do trabalho é a melhor opção de moradia. Precisamos levar em consideração o perfil de cada pessoa”, diz Alexa. Que o diga a italiana Renata*. Natural de Milão, ela sempre se considerou uma pessoa muito cosmopolita e independente. Veio para o Brasil a trabalho, já bem informada sobre o roteiro gastronômico da capital paulista. Como a sede da empresa ficava em Alphaville, no município de Barueri, na Grande São Paulo, Renata até pensou em morar em alguns dos condomínios que existem próximos ao escritório. “Estava praticamente fechando um contrato de locação, mas procurei outras soluções com a ajuda que a empresa me permitia”, diz. “Apesar de considerar agradáveis as moradias em Alphaville e entender a dinâmica do trânsito em São Paulo, me sentia insegura quanto à decisão de viver em um condomínio fechado fora do circuito gastronômico e noturno da capital”, conta a jovem, que acabou escolhendo outro lugar para morar. “A vida no condomínio não me parecia muito excitante.”

Choque cultural
Segundo a Pesquisa Global Mobility Effectiveness, o índice global de expatriação malsucedida é muito alto: quase 55% dos expatriados voltam ao país de origem antes do tempo previsto. Isso significa prejuízo para as empresas e muita dor de cabeça para o RH. Ainda de acordo com o levantamento, as maiores dificuldades enfrentadas pelo expatriado nesse processo são as questões relacionadas à adaptação pessoal e familiar (47%), seguida pelo pacote de compensações. “O executivo expatriado e sua família que desembarcam no Brasil precisam reestruturar toda sua vida. A adaptação a um novo país é uma exigência que se soma a todos os demais desafios profissionais a que é submetido e a maioria ainda tem de administrar o processo semelhante pelo qual passam os integrantes da sua família. O choque cultural, já percebido como doença ocupacional, é capaz de derrubar a produtividade e secar a criatividade de muitos executivos experientes”, conta Alexa.

Um exemplo de choque cultural: quem nunca ouviu ou falou “Vamos tomar um cervejinha esse fim de semana”? Para nós, nativos e bem adaptados, é algo comum, mas para Peter*, recém chegado da Alemanha, não. “Não entendia que a frase não era exatamente um convite formal. Passava o sábado e domingo aguardando um telefonema que nunca acontecia. Da mesma maneira também não entendia as reuniões agendadas para dali a 15 minutos. Na Alemanha, as reuniões são agendadas com antecedência suficiente para você se preparar. O imprevisto não fazia parte da minha rotina”, conta o executivo. Além das barreiras culturais, comportamentais e muitas vezes de língua, Alexa conta que existem as dificuldades de ordem prática, como identificar e montar uma casa que se transforme num lar, com todas as suas necessidades passando pelas rotinas diárias que a vida demanda.

#Q#

Três estágios
Para que um processo de expatriação tenha bons resultados, é preciso saber lidar com o choque cultural, tão comum nesses casos. “Kalervo Oberg, renomado antropologista que dedicou grande parte de seus estudos a esse tema [choque cultural], mostra que a curva de adaptação a uma nova cultura é representada graficamente como a curva de um U, com três estágios básicos”. No primeiro, chamado de “Lua de Mel”, o expatriado vive um momento de euforia e excitação. É uma fase relativamente curta, conforme conta a consultora, de cerca de duas semanas. O expatriado, nesse período, se apresenta na empresa muito interessado com o trabalho, é dinâmico e leva o gestor de RH a crer que o processo de expatriação será fácil e sem transtornos.

“Já na segunda fase encontramos o período mais crítico”, adianta-se Alexa. Aqui, o profissional estrangeiro enfrenta as dificuldades que vão desde a comunicação verbal limitada pelo idioma até a comunicação não verbal (gestual e comportamental) que ele ainda não compreende. “Enfrenta, também, problemas em localizar moradia que atenda a suas expectativas. Ainda não sabe se locomover sozinho na cidade, estranha a alimentação e não sabe onde comprar alimentos com sabor mais próximos daqueles a que está habituado. O ritmo de vida exige atenção constante: o cônjuge, ainda sem vida social própria, exige atenção constante, além da grande responsabilidade assumida no âmbito profissional, ou seja, são vários aspectos que afetam diretamente a sua produtividade e humor. A alegria da primeira fase se transforma em irritação e cansaço.” Alexa conta o caso de um executivo de uma grande indústria de alumínio que já estava instalado em seu novo apartamento quando sua esposa chegou ao país.

Infelizmente, devido à limitação do idioma, ela se sentia incapaz de tomar as mínimas iniciativas e resolver as mais simples tarefas do dia a dia. O executivo era interrompido no trabalho diariamente por ela, as queixas aumentavam a cada semana, e ele, sem perceber, começou a perder produtividade e a mergulhar no segundo estágio de Oberg. “Eu não estava mais sabendo como atender às demandas da minha família e da empresa. Me sentia muito pressionado”, conta Fernando*. “Com apoio especializado, minha esposa teve a oportunidade de se situar no bairro e na cidade, conhecer os caminhos para ir sozinha ao supermercado e farmácias, soube onde encontrar produtos culinários importados, teve acompanhamento para as primeiras compras, e assessoria para identificar e se matricular num bom curso de português, conheceu centros culturais de nosso país e pode iniciar novas amizades.

Agora sim ela está se integrando”, afirma o executivo. É apenas no terceiro estágio que expatriado e família já estarão bem instalados, os aspectos básicos de moradia, alimentação e segurança estarão resolvidos e já se sentirão confortáveis para navegar pelas diferenças culturais, mantendo uma vida bem organizada e de qualidade.


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Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados

 

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