Ouvidos de mercador

de em 17 de julho de 2009
Francisco Viana: os diferentes papéis da comunicação devem estar interligados

Prestar atenção apenas ao lucro ou à rentabilidade não combina com o modelo de negócios que a sociedade exige das empresas, agora mais do que nunca. O mercado apresenta consumidores mais conscientes e exigentes em relação ao que uma companhia oferece, seja produto ou serviço. Os avanços tecnológicos e a velocidade da informação são duas grandes molas propulsoras dessa transformação, que atinge também os colaboradores das empresas. Afinal, também são consumidores e vendedores da marca de uma organização. No entanto, muitas empresas ainda são incapazes de ouvir as demandas da sociedade, no geral, e dos clientes e colaboradores, no particular.

Quem afirma é o jornalista e consultor Francisco Viana, autor de A surdez das empresas: como ouvir a sociedade e evitar crises (editora Lazuli). “Essas organizações herdaram estruturas dogmáticas. É preciso romper com os dogmas. Abrir-se ao mundo. Quem assim agir irá se renovar, evoluir. As que permanecerem prisioneiras da surdez irão perecer”, diz.

Qual o papel da comunicação como fator de retenção de talentos em tempos de crise como a que vivemos?
Comunicar é partilhar. Se as pessoas se sentem participantes, a tendência é se engajarem nos projetos. Se há engajamento, há confiança. Portanto, se a empresa pratica a boa comunicação, é muito mais fácil reter e mobilizar seus talentos.

De forma geral, os gestores estão preparados para cuidar da comunicação no dia a dia?
Não. A comunicação está muito voltada para dar ordens e exigir metas. A comunicação é um ponto muito frágil nas empresas. As escolas de administração não dão grande importância a esse tema. Ainda impera a ideologia funcionalista do início do século 20. É hora de mudar. Criar um ambiente de trabalho regido pelo diálogo e pela convergência, não pelas pressões ou pela competição. Nesse contexto, a comunicação face a face é vital. Mas a alta gestão tem de dar o exemplo, precisa ir para a linha de frente.

Em muitas empresas a comunicação está ligada ao RH. Em outras, é uma área à parte. Como deve ser?
Onde fica o núcleo de liderança da comunicação é irrelevante. O importante é que os diferentes papéis da comunicação estejam interligados. O que se pode afirmar é que cada vez mais existe uma tendência de mestiçagem das equipes de comunicação, ou seja, de reunião de pessoas de diferentes formações e habilidades, entre elas os profissionais de RH. Ninguém deve ser subestimado ou excluído.

O que vem a ser a cultura da surdez das empresas?
É a incapacidade de ouvir as demandas da sociedade, no geral, e dos clientes e colaboradores, no particular. O foco exclusivo no lucro e na rentabilidade não combina com o modelo de negócios que a sociedade atual exige. Os avanços tecnológicos e a velocidade da informação culminaram num perfil de consumidor consciente, participante e exigente não apenas quanto à qualidade dos produtos e serviços, mas ao comportamento das empresas.

E as empresas já acordaram para isso?
Muitas ainda não perceberam isso. Certamente, a maioria. As empresas herdaram a influência de estruturas da Igreja e do Exército. É preciso romper com os dogmas. Abrir-se ao mundo. As organizações que assim agirem irão se renovar, evoluir. As que permanecerem prisioneiras da surdez irão perecer. A liberdade de empreender não significa falta de limites éticos. O grande problema das empresas é que elas não estão ouvindo a voz dos seus funcionários. O trabalho tornou-se opressivo. Aliás, esta é a tradição histórica do trabalho: a dor, o sacrifício. Existe uma diferença entre trabalho e labor. O labor, ensina Hannah Arendt, uma filósofa liberal, está relacionado às necessidades da sobrevivência. Em inglês, francês, alemão e grego quer dizer “dor” e “sacrifício”. Já o trabalho é a construção do mundo, a produção da cultura. Estamos confundindo trabalho com labor. Assim, a produção, cuja raiz etimológica latina, labore, quer dizer “cambalear sob uma carga” tornou-se dominante.

Isso significa que o trabalho, no sentido de prazer, participação,  vem perdendo terreno?
Sim. Seu significado profundo precisa ser recuperado. É indispensável que o ócio seja valorizado. No Renascimento, a vida ativa – trabalho e política – e o ócio – o nada fazer – eram muito evidenciados porque é no ócio que se pode pensar o mundo. Hoje, trabalhar em excesso virou um valor. Cumpre-se uma meta e logo mais outra. Não há tempo para pensar. Uma comunicação de qualidade passa pela visão política dessas questões. Não é técnica apenas, é política. Política empresarial, no sentido da convivência, da construção das relações, de uma visão de mundo mais profunda. São essas questões que a crise está trazendo à luz.

Isso reforça a necessidade de escutar o público interno…
Sem dúvida. O maior patrimônio das empresas, há muito se sabe, são as pessoas. Elas são a alma das organizações, responsáveis diretas também por sua imagem e reputação. Nenhuma empresa vai muito longe sem ouvir e valorizar o público interno. Ela é externamente o que é internamente. A construção é de dentro para fora.

Qual o papel do gestor de pessoas quando a empresa passa por uma crise de imagem?
É garantir a transparência das informações, a unificação do discurso e o comprometimento das pessoas com a resolução dos impasses, dentro da estratégia de gestão de crise adotada. Nessas situações, o treinamento dos funcionários é primordial, pois eles vão funcionar como embaixadores da empresa junto a amigos, familiares e outros públicos.

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