Tecnologia

Para descomplicar

de Karin Hetschko em 4 de fevereiro de 2014
Adriano Vizoni
Albuquerque e Moutte, da Propay: Ajudar o empresariado a prestar contas de uma forma correta e mais transparente sem ter que se preocupar com eventuais multas. Crédito da foto: Adriano Vizoni

A palavra imposto gera calafrios em pessoas físicas e jurídicas no Brasil. Não por acaso, nosso país é detentor de uma das redes mais complexas e burocráticas de taxação do mundo. É recolhimento de Cofins, ICMS, IR, INSS, IPTU… A lista de impostos é extensa. Junte a isso os diversos números que um cidadão acumula ao longo da vida, RG, CPF, PIS, título de eleitor etc. A bagunça é tanta que, às vezes, a pessoa acredita que está em dia com o Fisco e eis que recebe uma carta de notificação informando o contrário. Exemplos como esse não faltam Brasil afora.

Na tentativa de destravar esse sistema, gerando um saldo positivo para o país, foi criado o chamado eSocial, um projeto do governo de escrituração em meio digital das informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais relativas a todos os empregados, empregadores, contribuintes individuais e serviços tercerizados ocorridos em uma companhia. É como se estivéssemos contando para o governo a história de todos os funcionários e prestadores de serviços em tempo real.

“O governo posiciona o acontecimento como uma nova era nas relações de empresas, governo e empregadores”, afirma Angela Rachid, da ADP. Para ela, a proposta é excelente para todos os elos dessa cadeia. “Os dados dos funcionários serão lançados em tempo real e a fiscalização também acompanhará o mesmo ritmo. Dessa forma, por exemplo, daqui a alguns anos, o governo terá todas as informações num único meio; assim os profissionais não terão mais problemas em pedir a aposentadoria e a empresa não será mais multada por procedimentos burocráticos que desconhecia”, diz. Angela explica que, hoje, o processo de apuração das informações é lento porque tanto empresa quanto governo, às vezes, inserem dados incorretos que são difíceis de ser rastreados.

Telefone sem fio
Na verdade, o governo recebe todas as informações referentes à folha de pagamento de forma pulverizada. Leonardo Alburquerque, gerente jurídico da Propay, explica como funciona esse emaranhado de gatos do atual sistema de envio de dados. “Hoje, o Ministério do Trabalho sabe quando você demite ou admite um funcionário, mas ele não sabe ao mesmo tempo o salário daquele funcionário, porque este é informado em outro documento, o Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP). Portanto, mandamos para o Ministério do Trabalho o Cadastro Geral de Admitidos e Demitidos (Caged) uma vez por ano e enviamos separadamente a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) com informações salariais. E para o INSS mandamos informações relacionadas à previdência social. Só que na GFIP eu informo o PIS do funcionário; contudo, a receita só lê pelo CPF, mas o INSS não lê CPF.” Alburquerque foi bem detalhista, mas mesmo assim a confusão é tanta que, por mais que se explique, ninguém consegue decifrar os códigos de envio de informações para o governo, e acabamos mandando um pedacinho de informação para este, outro para aquele e o que formamos ao final é um verdadeiro Frankenstein.

A boa notícia é que o eSocial vai acabar com esse monstro. Com o fluxo de informações, o governo poderá fiscalizar mais, aumentando o poder de arrecadação, a aplicabilidade da legislação trabalhista. Segundo Albuquerque, podemos traçar uma analogia do projeto com o atual sistema de imposto de renda. O gerente jurídico lembra que quando a declaração ainda era em papel, o poder de fiscalização do governo era limitado. “Poucas declarações de pessoas físicas, ou jurídicas, chegavam à apreciação do Fisco. E, hoje, com o investimento em sistemas, a Receita Federal consegue pegar aquela pessoa física da classe média que antes nunca seria pega.”

Analisando sob esse contexto até parece que o governo planejou uma caça às bruxas, buscando identificar quem está tendo desvio de conduta. Mas essa é uma ideia deturpada, segundo especialistas. “A proposta não é necessariamente apenas gerar essa fiscalização, entendendo que algumas empresas agem de má-fé. Pela complexidade do processo, as empresas acabam também tendo dificuldades para repassar as informações de forma correta. Muitas, quando são autuadas, percebem que a maneira como conduziam o processo não era a correta”, explica Daniel Moutte, gerente de TI da Propay. Segundo ele, a simplificação do processo vai ajudar o empresariado a prestar contas de uma forma correta e mais transparente, sem ter de se preocupar com eventuais multas.
#Q#

Angela, da ADP: o governo terá todas as informações num único meio

Pela simplificação do processo
A recíproca é tão verdadeira que grandes empresas com atuação no Brasil foram chamadas para debater o tema com o governo. “A definição do eSocial contou com a participação de bases governistas, de empresas, lideradas pela Gerdau, e de companhias de softwares”, destaca Angela, da ADP. A executiva fala com propriedade de quem acompanhou de perto a argumentação da criação do sistema, afinal a ADP, ao lado de outras empresas de TI, participou durante três anos do projeto-piloto do eSocial.

Angela conta que o governo agiu de forma transparente e aberto às sugestões trazidas pelo empresariado. Contudo, alguns entraves mencionados nessas reuniões não puderam ser resolvidos. A executiva cita como exemplo a comunicação prévia de 30 dias sobre férias de funcionários, que depende de mudanças na CLT.
Para Gustavo Teixeira, diretor- presidente da LG Sistemas, que também participou do projeto- piloto do eSocial, com a proposta haverá uma diminuição do volume de relatórios enviados. “Embora as informações sejam as mesmas, a forma de transmiti-las será diferente, o que torna o processo desburocratizado.”
Na visão de Angela, da ADP, ainda haverá uma quebra de paradigma da cultura empresarial: se hoje é cada área por si na companhia, em breve, todos terão de prestar contas ao RH, afinal o eSocial também terá um braço que analisará dados de prestadores de serviço. “Uma consultoria de TI vai prestar um serviço na área contábil: esta terá de comunicar à área de RH para que os dados da consultoria sejam lançados no programa”, ressalta. De certa forma, a proposta concederá ao RH um fluxo de informações sobre toda a movimentação da empresa.

Suando a camisa
Mas, para integrar todas essas informações em apenas uma plataforma, os desenvolvedores de softwares estão suando a camisa. De acordo com Moutte, da Propay, esta é uma operação complexa. “Todas as demais adequações que presenciamos, como a mudança do relógio de ponto, foram adequações pontuais no sistema. Para o eSocial estamos construindo um módulo especial para gerenciar todas essas transações”, explica. A operação na LG Sistemas também está a todo o vapor. Teixeira conta que a empresa quer entregar uma ferramenta de fácil manuseio e de baixo custo. Outra novidade é o portal criado especialmente para esclarecer o tema aos clientes (www.lg.com.br/esocial).”Trabalhamos para gerar o máximo de informações para que os clientes entendam o contexto das mudanças e os próximos passos que devem ser dados para que não se atropelem no atendimento dessas novas obrigações”, diz.

E o tempo de adequação para essas mudanças está apertado. O cronograma oficial é que as empresas que optam pelo Lucro Real façam o primeiro envio de folha integrada a partir de maio do próximo ano. Uma das 20 empresas que se reuniram com a Receita Federal para colaborar no debate e troca de informações para a concepção e construção de um modelo para o eSocial, a Techware também está de olho nos prazos. “Já estamos atuando sobre o nosso software para atender a todas as determinações previstas. Todos os clientes com contrato de manutenção ativo receberão o release do nosso produto já preparado para a eSocial”, diz Emilia Shida gerente de produtos da companhia.

#L# As empresas estão se preparando para essa nova era, mas o governo também terá de fazer algumas adequações no atual sistema para suportar o fluxo de informações. “Como sofremos da síndrome do estudante – deixamos tudo para a última hora –, existe, hoje, um congestionamento na rede de dados, e você tem de tentar 20, ou 30 vezes até enviar a declaração de imposto de renda. Imagine que essa realidade vai deixar de ser anual para ser quase que diária: à medida que tem um evento na folha, você terá de descrevê-lo e enviar ao governo. Logo, a preparação do governo também é um passo importante”, detalha Moutte.

Apesar das dificuldades na implantação da proposta e do medo da mudança, uma coisa é certa: há mais oportunidades na implantação do sistema do que problemas. “Eu vejo que vai ser uma grande mudança do bem, não vai existir mais aquela burocracia e os RHs, provavelmente, não terão mais de manter papéis durante anos no escritório”, avalia Angela, da ADP.

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