Para o barco não virar

de Jacqueline Sobral em 13 de novembro de 2012
Divulgação
FPSO OSX-1, primeira unidade marítima a integrar a frota da OSX: indústria naval a todo vapor

Depois de anos de marasmo, a indústria naval está aquecida, com novos projetos e expectativas positivas. Grande parte desse movimento se dá em virtude da encomenda de 49 navios recebida pelo Brasil e dos estaleiros em construção. No entanto, o setor vive um problema que é velho conhecido de outros mercados: a falta de mão de obra qualificada e a dificuldade de retenção dos poucos talentos disponíveis. Esse é o desafio principalmente das empresas que atuam no Rio de Janeiro, estado que responde por cerca de 40% da força de trabalho do setor no país e que possui 15 dos 25 principais estaleiros em operação, além de dois novos, em construção. No ano de 2000, a indústria naval brasileira tinha menos de dois mil trabalhadores. Hoje, já são 70 mil pessoas atuando no setor, e de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), nos próximos três anos a expectativa é de contratar mais 27 mil profissionais. “O setor superou, nos últimos dez anos, importantes desafios. Recuperou estaleiros, tornou-se importante fabricante de navios de apoio marítimo offshore, construiu petroleiros, navios porta-contêineres, graneleiros, plataformas de petróleo e, agora, se prepara para iniciar a construção de navios-sonda para perfuração no subsolo marinho, em águas profundas. Um dos desafios que temos é a formação e a qualificação de recursos humanos”, afirma o presidente da entidade, Ariovaldo Rocha.

Especificamente no estado fluminense, de acordo com estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), os investimentos previstos para a indústria naval são da ordem de 15,4 bilhões de reais de 2012 a 2014, enquanto no período de 2010 a 2012 o setor recebeu praticamente um quarto desse valor (3,7 bilhões de reais).  “Os investimentos anunciados para a indústria naval têm crescido sistematicamente em importância no Rio, e englobam tanto a construção, expansão e modernização de estaleiros, quanto a construção de embarcações”, comenta o gerente de competitividade industrial e investimentos da Firjan, Cristiano Prado. Segundo ele, esse bom momento vivido pelo setor está motivando a construção e ampliação de diversos estaleiros no estado, uma vez que os existentes não possuem capacidade suficiente para atender à grande demanda por novas embarcações, sobretudo da Petrobras, mas também de empresas privadas.

Parcerias para contratar
A OSX se prepara para inaugurar no primeiro trimestre de 2013 a Unidade de Construção Naval do Açu, em São João da Barra, que, segundo a empresa, será o maior estaleiro do continente americano com uma área total de 3,2 milhões de metros quadrados. Só para esse empreendimento está prevista a contratação de cinco mil profissionais até dezembro de 2013. É por isso que a organização decidiu fechar uma parceria com o Senai do Rio e com o Instituto Tecnológico Naval (ITN) para o treinamento de 3.100 pessoas por meio dos 23 cursos do Programa de Qualificação Profissional em Construção Naval as aulas são gratuitas e os participantes recebem bolsa-auxílio. Entre as áreas abordadas estão metal-mecânica, solda, caldeiraria, metalurgia, entre outras. As aulas terminam até o final deste ano, e o objetivo da OSX é incorporar esses profissionais ao seu quadro de funcionários, principalmente para atender ao estaleiro do Açu. “A procura por esse programa foi alta, 19 mil pessoas se inscreveram, o que mostra o aquecimento do setor”, comenta a gerente de RH da empresa, Monica Barbosa. Nesse processo seletivo promovido pelo Senai, OSX e ITN, 65% dos candidatos tinham de 19 a 29 anos e um dado interessante foi o aumento da presença do sexo feminino (42%). “Estamos percebendo que, devido à competitividade da indústria, as mulheres começam a se interessar pelo mercado, assim como os jovens que, ao terminar o ensino médio tradicional ou o ensino médio técnico, já querem se profissionalizar na área”, comenta a gestora da OSX. O presidente do Sinaval afirma que a remuneração oferecida hoje pelo setor é responsável pela atração de profissionais para a construção naval – de acordo com a Firjan, o salário inicial de um técnico é de cerca de 3 mil reais,  o ganho médio do setor no Estado do Rio é de 9.672 reais e, na capital, de 13.630 reais. “A boa qualidade das relações trabalhistas com respeito à saúde e segurança do trabalhador, e a perspectiva de manutenção do emprego pelos próximos 15 a 20 anos também entram na lista”.

Descompasso da qualificação
O coordenador de projetos educacionais do Senai, Allain Fonseca, explica, porém, que a falta de experiência no mercado é um dos maiores problemas enfrentados pelas empresas do setor. “O crescimento no número de encomendas de navios e plataformas e as perspectivas de investimentos, sobretudo no que se refere à exploração e produção de petróleo e gás natural, vêm, ano após ano, abrindo um maior número de postos de trabalho na indústria naval”, destacou. No entanto, segundo Fonseca, a desmobilização do segmento no passado agravou a percepção do descompasso entre a oferta e a demanda dos trabalhadores qualificados. Os problemas decorrentes do longo período de inatividade destas atividades produtivas, e a consequente migração das competências profissionais para outros segmentos, tornam-se, então, um fator crítico para a retomada destas atividades. “É preciso ressaltar ainda que, muitas vezes, há exigências previstas em contrato de certificação profissional que são incompatíveis com o contexto de desaquecimento verificado.” Segundo representantes do mercado, não existe uma área específica da indústria naval que esteja mais carente de mão de obra qualificada.

A demanda por profissionais preparados é alta em todas as atividades desse setor: procuram-se caldeireiros, soldadores, montadores de estruturas metálicas, encanadores navais, eletricistas navais, ajustadores mecânicos, desenhistas mecânicos, montadores de andaimes, especialistas em construção de sistemas de tubulações e em limpeza de tanques, entre outros. O próprio Senai oferece diversos cursos de formação que englobam essas funções – a entidade, que costuma atender cerca de 20 mil profissionais por ano no estado do Rio de Janeiro, conseguiu atingir esse número em 2012 já no primeiro semestre. “Além da intensiva utilização de mão de obra nas atividades de construção e reparo navais, a introdução de inovações tecnológicas e novos arranjos produtivos requerem dos trabalhadores não apenas uma maior base de conhecimento técnico específico para o desempenho de suas funções, mas também uma série de competências mais gerais, diretamente relacionadas a patamares de escolaridade mais elevados e ao desenvolvimento de competências relacionadas à gestão do próprio trabalho, como: capacidade de mobilizar recursos, de resolução de problemas, de tomada de decisão frente a imprevistos, entre outras”, avalia o coordenador do Senai.

Para atender a essa crescente necessidade de mão de obra, a Transpetro inaugurou em agosto a Academia Marítima Transpetro, em conjunto com a Marinha do Brasil. As primeiras turmas de formação de oficiais já foram abertas no Rio de Janeiro com 120 alunos, e no Pará com 200 alunos a meta da empresa é graduar cerca de 400 oficiais por ano nos dois estados.

Procuram-se engenheiros
Apesar das ações de capacitação promovidas por diversas empresas da construção naval, o professor de engenharia oceânica da Coppe/UFRJ Floriano Alves alerta que os investimentos vêm deixando de lado a formação ou a especialização de engenheiros para atuarem no setor, priorizando somente o treinamento a curto e médio prazo de profissionais para ocuparem postos operacionais e realizarem atividades de produção. “Eventualmente, algumas empresas buscam um curso de mestrado ou de MBA para seus engenheiros, mas isso não ocorre com a frequência necessária. A maioria desses profissionais que está participando de um programa nosso paga o curso do seu próprio bolso e, no máximo, consegue da empresa dispensa para assistir às aulas.”

Segundo Alves, a rotatividade pode ser a grande explicação para isso. “A empresa não quer investir, porque sabe que corre o risco de perder o engenheiro para outra companhia.” Mas, para o professor, isso é um ciclo, porque se a empresa também não investir em um política de educação continuada e de carreira a longo prazo, não vai mesmo conseguir reter talentos.

Não perder o profissional para a concorrência é justamente o desafio que as empresas enfrentam após conseguirem treiná-lo e prepará-lo para atuar no setor com eficiência. “O aumento da procura por vagas na construção naval é ótimo, mas a retenção de talentos é uma das nossas maiores preocupações. Muitas vezes, investimos alto em capacitação e depois acabamos perdendo esses profissionais para o mercado”, comenta a gerente de RH da OSX. Como estratégia para retenção, a companhia investe em uma política de remuneração diferenciada e um pacote de benefícios que inclui bônus por desempenho, auxílio educacional a organização custeia de 60% a 80% dos cursos realizados pelos funcionários – e vale alimentação. “Nosso objetivo é fazer com que o profissional desenvolva sua carreira e cresça conosco, investimos para não ter rotatividade.” 


Construção naval em números

> Em 2016, o setor terá 100 mil oportunidades diretas de emprego no Brasil (número que pode chegar a 400 mil, se forem incluídas as vagas nos setores subsidiários de equipamentos e serviços): ou seja, para cada profissional contratado por um estaleiro, três ou quatro começarão a atuar em empresas dos elos da cadeia

> Há atualmente 62 mil trabalhadores atuando diretamente em estaleiros nacionais

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Existem hoje no país 26 estaleiros em operação e 10 em implantação, além de 385 obras em andamento no setor

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Daqui a quatro anos, quando os 37 complexos estiverem em total funcionamento, ao todo 1,2 milhão de toneladas de aço serão processadas

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Até 2020 a expectativa é que sejam investidos 180 bilhões de reais no setor


Rio em foco

> De 2012 a 2014, a previsão é que a indústria naval do Rio de Janeiro terá investimentos de 15,4 bilhões de reais, um crescimento de 17% em relação ao anunciado para o período de 2011 a 2013

> Desse montante, destacam-se os investimentos referentes à construção do estaleiro da OSX no Porto de Açu (3 bilhões de reais) e do estaleiro para fabricação de submarinos da Marina Brasileira em Itaguaí (2 bilhões de reais)

> A expectativa é que 27 mil novos empregos sejam gerados, dos quais 11 mil na construção de novos estaleiros

> O Rio de Janeiro possui 42% dos empregos diretos do setor no Brasil


Para ser mais produtivo
O Sinaval fez um levantamento com as empresas que atuam no mercado e estabeleceu uma média de tempo que profissionais com diferentes perfis levam para conquistar um índice de produtividade considerado adequado para a realização de suas atividades:

> Profissional sem experiência em estaleiro: de dois a quatro anos

> Profissional com experiência em estaleiro: um ano

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 Profissional com qualificação técnica: de três a seis meses

> Profissional que precisa lidar com novas técnicas, novos equipamentos ou ajustes no detalhamento do projeto: de três a seis meses

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