Pensar no coletivo

de Carolina Sanchez Miranda em 18 de maio de 2009
Guimarães, da BPI: as empresas que melhor se saem são as que sabem gerenciar seus processos de mudanças. Essa é a grande disciplina do momento

Férias coletivas, licenças remuneradas, rescisão de contratos de temporários e terceirizados, redução de jornada, de salários e qualificação profissional para funcionários afastados (o chamado layoff). Todos esses recursos, previstos na legislação trabalhista brasileira, a partir de acordos coletivos, estão sendo usados por algumas empresas para evitar a demissão em massa. Mas nem sempre isso é possível, como demonstra o caso da Embraer, que demitiu mais de 4 mil funcionários com a justificativa de que era necessário para garantir a sobrevivência da empresa. O fato, aliado ao atual cenário de crise econômica, ressuscita a discussão sobre a necessidade de criar uma legislação que regule especificamente a dispensa de um grande número de profissionais.

Os advogados trabalhistas têm visões semelhantes sobre o assunto.”Sem dúvida, nossa legislação deveria evoluir com a sociedade, mas isso não se faz de uma hora para outra. Deve haver um debate profundo sobre a atualização de nossa legislação trabalhista. Deve haver, antes, uma reforma sindical, sendo que, se tivéssemos um sistema sindical dinâmico, não precisaríamos modificar as normas já existentes”, afirma a advogada trabalhista Ana Paula Simone de Oliveira Souza, do escritório Peixoto e Cury Advogados.

Oksana Maria Dziura Boldo, procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, tem uma visão semelhante. “Penso que o maior obstáculo não está com os legisladores, mas com a necessária mudança da consciência social da parte empregadora, da sociedade e do próprio governo, no que lhes toca quanto à arrecadação”, afirma.

Para as especialistas, a adesão à Convenção 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece mecanismos que impedem a demissão sem justa causa e é adotada por alguns países na Europa – entre eles Espanha, França, Portugal, Suécia e Finlândia -, também não resolveria o problema. Em duas ocasiões tentou-se, no Brasil, implementar tal convenção. Na primeira, ela foi ratificada e, logo em seguida, denunciada, ou seja, rejeitada. A mais recente foi em fevereiro do ano passado, quando o presidente Lula recomendou ao Congresso a ratificação, mas os parlamentares votaram contra por acreditarem que a legislação atual já contempla indenização no caso de despedida sem justa causa, o que hoje representa uma dificuldade para a demissão. Entidades de classe como Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação do Comércio (Fecomercio) comemoraram a decisão.

“O retorno da Convenção 158, da OIT, em nosso ordenamento, na minha opinião, iria gerar mais conflitos jurídicos, como se verificou por ocasião de sua ratificação pelo Brasil. O argumento utilizado na época para denúncia da Convenção 158, que até hoje é mencionado para justificar a não adesão do Brasil, é de que o nosso país ficaria em desvantagem com outros, perdendo a competitividade”, diz Ana Paula. “A melhor saída, sem dúvida, seria uma ampla reforma na organização sindical. O que vemos hoje com os impasses nas negociações demonstram essa necessidade”, reforça.

Para a procuradora Oksana Boldo, apenas a concordância com a 158 não representa um grande avanço, pois não resolve o desemprego ou a manutenção de postos de trabalho. “É preciso repensar todos os sistemas que envolvem as relações de trabalho, de consumo e de sobrevivência digna do homem”, afirma.

Se o modelo proposto para OIT não solucionaria as questões relacionadas à demissão em massa no Brasil, as práticas decorrentes de sua adoção na Europa podem servir de inspiração para minimizar os impactos econômicos e psicossociais decorrentes da perda do emprego e da renda de um número significativo de pessoas. “Imagine o impacto do desemprego das mais de quatro mil pessoas que foram demitidas pela Embraer em uma cidade como São José dos Campos”, lembra Gilberto Guimarães, presidente do Grupo BPI no Brasil.

Segundo ele, além das medidas já praticadas pelas companhias que operam no Brasil para salvaguardar os empregos – envolvendo redução de jornada, salários etc. -, na Europa, ao constatar a necessidade de reduzir o quadro de funcionários, as empresas têm de apresentar um plano social. “Esse plano prevê, também, a instalação de uma célula de emprego, uma estrutura física em que se oferece apoio à recolocação, com consultores que dão tratamento individual aos profissionais e apoio psicológico”, explica Guimarães. Além disso, as empresas também precisam pensar em ações de apoio ao desenvolvimento da microrregião econômica onde vivem as pessoas demitidas e, com isso, estimular a criação de novos postos de trabalho. “Se existisse uma lei no país que regulamentasse a demissão em massa de maneira semelhante ao modelo europeu, a Embraer não teria sofrido o desgaste de imagem que sofreu e também não teria se onerado”, comenta Guimarães.

Ele estima que o custo total para uma empresa colocar em prática um plano social no momento de uma demissão em massa é de um salário a mais para cada empregado demitido. “Ou seja, nada, comparado a todos os custos, como a multa do fundo de garantia, as indenizações etc. E o benefício para o empregado é elevadíssimo”, ressalta. Ele conta que em trabalhos realizados pela BPI com a Volkswagen, entre os anos 2000 e 2003, realizaram a recolocação de 93% do total de demitidos.

“As empresas, hoje, estão despreparadas para gerenciar uma crise”, afirma Ana Paula, do escritório Peixoto e Cury Advogados.

Na opinião dela, não fazem uso adequado nem das ferramentas já disponíveis na legislação para minimizar o choque causado quando a decisão da demissão é inevitável. Por essa razão, ela defende a negociação. “Para isso, não precisaríamos de nova legislação, bastando que as partes se empenhem para chegar a um acordo que seja favorável a ambas”, conclui.

Guimarães lembra que um executivo não tem ferramentas para fazer um plano social. “As empresas que melhor se saem são as que sabem gerenciar seus processos de mudanças. Essa é a grande disciplina do momento. E existe pouca literatura a respeito da gestão de processos de mudança. Além disso, há poucas empresas especializadas no apoio ao desenvolvimento de um plano social. O que existe bastante é a oferta do serviço de outplacement, o é que bom, mas representa apenas uma parte do processo”, diz Guimarães.

Com ou sem uma nova legislação específica para as demissões em massa, e considerando que a criação de uma regulamentação leva tempo, o fato é que é premente a necessidade de avançar na reflexão sobre caminhos mais sustentáveis para a solução do problema. “Receio fazer prognósticos, mas uma mudança na mentalidade, não só do empregador, como também do trabalhador, é urgente imperativo para vencer essa apregoada crise exterior que aqui se reflete. A urgência a que me refiro significa agora, já em 2009”, defende Oksana.

Guimarães segue a mesma linha de raciocínio. “Estamos vivendo um período de transição que já dura 30 anos e está sendo exacerbado pela crise, que apenas acelera a implantação de um novo modelo econômico. Há 30 anos, a indústria representava entre 50% e 30% dos empregos; hoje, esse percentual varia entre 30% e 20%. É o setor que mais demite por razões econômicas. O novo modelo é o de empresas como Apple e Microsoft, que foram feitas praticamente sem dinheiro, mas a partir do capital do conhecimento”, finaliza.

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