Gestão

Por que eles vão embora

de Caroline Marino em 5 de fevereiro de 2015
Anna Paula Rezende / Crédito: Divulgação
Anna Paula, da Whaite Martins: cuidados especiais com os líderes / Crédito: Divulgação

Há cada vez mais colaboradores trocando de emprego. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), houve um aumento de 82% nas taxas de turnover voluntário de profissionais brasileiros entre 2010 e 2013 – nos demais países, esse aumento ficou em torno de 34%. E, do lado das empresas, o impacto da saída de um profissional (acima do nível operacional) representa um custo de 93% a 200% do salário anual daquele posto — nessa conta estão inclusos os gastos para recrutar, contratar e treinar o colaborador.

Engana-se quem pensa que o salário é o principal motivador das saídas. Ausência de um plano de carreira, falta de reconhecimento e desconexão com os valores e cultura da empresa são alguns dos principais motivos. Esses foram alguns dos resultados de uma pesquisa elaboradora por Manoela Ziebell de Oliveira, líder da prática de análise de turnover da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira, e professora da PUC-RS.

Comunicação clara
Depois de entrevistar cerca de 900 profissionais de empresas e cargos diferentes, ela constatou que os profissionais tendem a ficar em companhias nas quais se sentem desafiados e estimulados a desenvolver suas carreiras. “Só o salário não é o fator de retenção”, afirma Manoela. Segundo ela, se a empresa conseguir ter uma conversa clara com os profissionais e sinalizar as expectativas que a companhia tem em relação a ele e a sua carreira, ela consegue fazer com que os profissionais peçam menos demissão.
Muitas companhias apostam em um pacote de benefícios atrativo e se esquecem de que muitas empresas oferecem o mesmo. “Isso é o básico”, diz Willian Bull, sócio-consultor do Instituto Pieron. Segundo ele, benefícios como plano de saúde, bolsa de estudo e oferta de carro não são mais diferenciais como prática de mercado, a empresa tem de se preocupar em fazer com que o profissional se sinta parte da companhia e compartilhe os valores e cultura empresariais. “A ideia não é retê-lo e, sim, engajá-lo”, reforça Bull. O consultor acredita que a palavra retenção já está fora de moda. “Retenção é aprisionamento. Temos de falar sobre engajamento”, afirma.

* Aspectos do estudo
Para conduzir a pesquisa, Manoela se baseou nas forças motivacionais para a saída voluntária do emprego, citadas em alguns estudos internacionais. Elas estão divididas em aspectos organizacionais — como o funcionário se sente na empresa, quais são suas chances de crescimento, a sua percepção sobre o cumprimento do contrato psicológico e seu relacionamento com pares e chefe, os aspectos contextuais — crenças dos colaboradores sobre as sua própria capacidade de obter alternativas de emprego; e aspectos individuais — relacionados aos valores e preferências dos profissionais.

O tamanho do desafio
Para Bull, o que mais retém um profissional na empresa é o tamanho do desafio que ele tem no exercício da sua profissão. Contudo, alerta, esse estímulo deve ser compatível com as capacidades e competências do colaborador. Além disso, diz, o desafio reforça a questão do significado do trabalho, ou seja, o profissional tem de ver sentido no que faz e compartilhar os valores da companhia.

Um ótimo exemplo de desafio profissional está na história recente da Bematech, empresa de tecnologia. A companhia realizou, no fim do ano passado, uma reestruturação de cultura e missão que envolveu sugestões de todo o seu quadro funcional, aproximando empresa e colaboradores. “Crescemos bastante nos últimos anos e precisávamos de uma cultura direcionada para os novos desafios da empresa”, explica Nilson Vieira Nascimento, gerente de RH da companhia. E para isso fez questão de ouvir seus profissionais. “A ideia era chegar a um modelo compatível com o que nossos colaboradores querem e pensam”, afirma Nilson.

O executivo conta que para chegar ao modelo atual, a empresa fez três perguntas aos funcionários: quais são seus valores, como você vê os valores atuais da empresa e o que você espera da empresa. “Chegamos a um modelo com que todos acreditam”, completa. Na Bematech, ouvir os profissionais é essencial. Com um plano de carreira sólido e um recrutamento interno que funciona, a empresa tem hoje 70% de seu time de coordenadores promovidos por meio desses processos. “Criar condições para que o talento apareça é essencial para que ele permaneça”, diz Bull.

As questões de remuneração e benefícios estão se tornando apenas base para o início de uma conversa, e não mais o diferencial de uma empresa. Segundo Juliana Rissardi, consultora da People & Results, os profissionais atuais querem saber se seus valores estão alinhados com os valores da empresa, se têm perspectiva de crescimento e como é o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Os motivos para um pedido de demissão estão se ampliando. Não estão mais concentrados em salários”, afirma.

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Nilson Vieira Nascimento / Crédito: Divulgação
Nascimento, da Bematech: envolver o colaborador na estratégia do negócio / Crédito: Divulgação

Papel do RH
Para reter os profissionais e, mais importante, engajá-los, é essencial que se tenha uma área de RH que saiba investir em ações estratégicas claras e alinhadas com o board da companhia. “A área precisa refletir estrategicamente as possibilidades e discuti-las com seus funcionários”, diz Juliana. Segundo ela, o papel dos gestores também tem impacto nesse quadro. “Ter uma liderança alinhada com suas equipes e com comunicação constante e eficaz é fundamental”, ressalta.

De acordo com Manoela, da Produtive, as empresas precisam prestar atenção nos aspectos organizacionais (aqueles relacionados a como o profissional se sente na empresa e quais suas perspectivas de carreira). “A capacidade da companhia em sinalizar para o profissional o que se espera dele e se ele vai conseguir alcançar seus objetivos de vida e carreira dentro na empresa é um dos fatores importantes para a pessoa querer ficar ou sair da companhia”, explica. São ações simples e que não custam muito para a companhia. “A remuneração pesa, mas uma conversa clara com o funcionário sobre carreira vale muito a pena”, ressalta. E nesse aspecto a liderança é essencial.

Na White Martins, empresa de gases industriais, essa questão é levada a sério. “O maior fator para as pessoas saírem da empresa é a liderança”, diz Anna Paula Rezende, diretora-executiva de RH da companhia. Lá, eles apostam em treinamentos para o desenvolvimento de líderes, em como ele deve se comportar e conduzir uma conversa de carreira com sua equipe. “Aqui os líderes conversam com seus funcionários sobre seus interesses profissionais”, afirma. A empresa oferece, ainda, mentoring e coaching para os profissionais de destaque — aqueles bem estimados nas avaliações de desempenho e que têm chance de alcançar um cargo de liderança.

Outro ponto de destaque é o portal de carreira, que disponibiliza a todos os colaboradores um modelo de orientação profissional e pessoal, com o objetivo de proporcionar o autoconhecimento e as ferramentas necessárias para o planejamento e a gestão da carreira. Os profissionais participam de diversas iniciativas focadas no autoconhecimento e na gestão de carreira. Os líderes participam de treinamentos sobre essa ferramenta para que possam dar o suporte necessário e acompanhar o processo junto às suas equipes, estimulando o desenvolvimento de suas habilidades e competências na gestão de suas carreiras. “O maior desafio é conseguir conectar os interesses do funcionário com os da empresa”, observa Anna Paula.

Fica claro que mais do que bons salários e um pacote de benefícios atrativo, a empresa deve apostar em conversas claras e em proporcionar aos funcionários desafios de acordo com a capacidade desses profissionais. Empresas que oferecem um pacote com os fatores mencionados, valores consistentes e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, já saem na dianteira na corrida da retenção de talentos.

Pesquisa Turnover / Credito: Revista Melhor

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