Gestão

Respeite a estratégia

de Gumae Carvalho em 8 de dezembro de 2014
César Souza / Crédito: Adriano Vizoni
Souza, do Grupo Empreenda: rumo e integração / Crédito: Adriano Vizoni

Que os líderes são importantes não há quem duvide. Pergunte a qualquer executivo que ele irá listar uma série de boas razões. Não é à toa, e nem novidade, que há uma grande preocupação nas empresas em identificar e desenvolver seus líderes, atuais e futuros. No entanto, ações como essas não devem ser resultado de um efeito manada (só porque outra companhia está fazendo também tenho de fazer). Formar líderes não é obra do acaso, afirma César Souza, presidente do Grupo Empreenda.

Para ele, a razão primeira de ser de um programa dessa natureza é a estratégia da companhia. Em outras palavras, se esse projeto não estiver atrelado ao que a empresa quer ser no futuro, nada feito. E ele tem bons argumentos para sustentar isso.

Desafio do novo ciclo
Em agosto, ele ouviu 51 CEOs e 143 líderes de RH de todo o país para entender esse grande dilema das organizações que é enfrentar e planejar-se para os desafios do novo ciclo que se inicia (2015-2018). O levantamento mostrou que 46% dos CEOs sentem-se atormentados no processo de execução da estratégia. E, na esfera qualitativa do estudo, veio à tona que estratégias brilhantemente arquitetadas simplesmente não conseguem sair do papel ou nem sempre funcionam quando começam a ser implementadas.

A razão disso pode estar no fato de que 71% dos CEOs (e 62% dos executivos de RH) não acreditam que suas organizações possuam líderes suficientes, em quantidade e em qualidade, para garantir a execução da estratégia nos próximos anos. “Cabe destacar que essa percepção dos CEOs vem crescendo ano a ano, visto que em 2009 equivalia a 63% das respostas deles”, lembra Souza.

Esses índices revelam que muitas empresas ainda precisam inovar seus modelos mentais de gestão e liderança. “Acreditar que o segredo é a alma do negócio faz com que conhecimentos e estratégias não sejam disseminados. Assim, torna-se difícil implementar algo que não é compartilhado. O maior remédio para execução de uma estratégia se resume em duas palavras: rumo e integração. É imprescindível compartilhar o rumo e as equipes precisam de um grau de integração muito maior”, diz.

Já segundo os líderes de RH participantes da pesquisa, montar uma “fábrica de líderes” (37%), criar cultura de empreendedorismo (33%) e garantir excelência na execução (33%) seriam atitudes positivas capazes de fazer as companhias darem um salto na gestão de pessoas. Porém, antes disso, o estudo trouxe uma “lição de casa” para alguns brasileiros: 25% dos líderes de RH apontam os profissionais pouco qualificados como uma de suas maiores preocupações em relação ao futuro do mundo corporativo.

Algumas empresas, no entanto, fogem desse cenário e partem da estratégia do negócio para criar suas lideranças. Na Solví, por exemplo, o estopim foi a mudança de mãos do controle da companhia. Um processo de internacionalização e a necessidade de rever o planejamento estratégico do RH em função disso foram os fatores que motivaram a Oxiteno a repensar a formação de seus líderes. E o início de processo de profissionalização da Passarelli tem levado a empresa a pensar em como formar esse pessoal.

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Lúcia Menezes / Crédito: Divulgação
Lúcia, da Passarelli: Processo de profissionalização / Crédito: Divulgação

Desenvolver um programa que esteja atrelado à estratégia e que ajude a sustentá-la é uma boa oportunidade de o RH mostrar seu verdadeiro lado. “É isso que vai ajudá-lo a sair de uma visão reducionista, que o remete ao que é transacional”, conta Souza.
Para o consultor, vivemos o paradoxo do RH, que precisa ser suplantado (o paradoxo, claro): “No momento em que a gestão de pessoas é cada vez mais valorizada nas empresas, a área de recursos humanos é menos valorizada quando comparada com as demais áreas funcionais, como finanças, comercial, logística, dentre outras.”

Obstáculos da formação
Geralmente, nas empresas em que há alguma preocupação com o tema sucessão, existe uma lista de nomes de executivos que estão aptos a ocuparem uma posição em aberto. Na maioria das vezes, são subordinados daqueles que organizaram a tal relação. Mas nem sempre quem integra o rol dos potentials em um ano pode figurar no seguinte.

No trabalho de formação de liderança que desenvolve, Souza percebe uma discrepância entre a lista oficial da empresa e aquela indicada por quem participa de seus projetos. A razão está no fato de que o olhar do líder em formação passa a ser diferente, pois começa a entender e a ampliar certas nuances que caracterizam um perfil como esse.

Pensar fora da caixa
Souza sempre pede que esses participantes indiquem possíveis líderes de outras áreas ou de um grupo de jovens da companhia ou alguma mulher. O importante é fazer com que esse profissional que indica saia da sala e circule mais para conhecer as outras pessoas e integrar-se mais com elas. É ajudar a pensar fora da caixa ou da sala.

Mas não basta apenas isso. Um ponto fundamental que ajuda nessa formação é a presença das principais lideranças da empresa em todo o processo. Na Solví, por exemplo, o presidente acompanha bem de perto os programas que envolvem os estagiários. Ele faz questão de passar para eles a visão e os valores da empresa. Na Oxiteno, por sua vez, quem abre os programas é o próprio presidente.

No entanto, não vale pensar que só porque o CEO está presente as coisas fluem bem. Há alguns obstáculos que podem atrapalhar nessa hora. Um deles refere-se à sobrecarga de trabalho de presidentes e diretores para atuarem como sponsors desses projetos e o ritmo frenético dos demais que participam desses programas. Outro ponto, destacado por César Souza, diz respeito a uma certa timidez do RH em cobrar a participação desse pessoal. E não para por aí: muitos criam uma grande expectativa se o programa é para valer ou não.

E há sempre uma pergunta que esconde outro obstáculo: vale a pena contar para um profissional que ele faz parte da turma dos futuros líderes, correndo o risco de queimar a carreira da pessoa ou de criar um certo desconforto entre os demais?

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Academia de excelência

Composto por um grupo de empresas distribuídas em cinco eixos de negócios (resíduos públicos, resíduos privados, geração de energia, saneamento e engenharia), a Solví, desde 1997, foi controlada por um grupo francês. Até que, em 2006, o comando passou de mãos quando os franceses resolveram deixar a América do Sul. Foi então que três brasileiros resolveram comprar a companhia. E aí veio a mudança: de uma multinacional estrangeira, ela passou a ser uma multinacional brasileira.

Na época, uma consultoria externa foi contratada para elaborar o planejamento estratégico que ajudaria a alavancar os cinco eixos de negócios. E foi quando se percebeu que eram necessários líderes para levar esse plano adiante, como diz Delmas Penteado, diretor de organização e pessoas. Para desatar esse nó, outra consultoria foi chamada para ajudar a criar a Academia de Excelência Solví.

“Tínhamos o planejamento, mas não tínhamos liderança preparada para assumir novos desafios. E sabíamos que só conseguiríamos crescer se tivéssemos a capacidade de formar líderes na mesma proporção de negócios”, lembra Carlos Balote, superintendente de gestão de pessoas e comunicação. A academia apresentava um ciclo de formação de liderança, preocupando-se desde o colaborador que acabava de entrar na companhia até o pessoal da alta direção. “Chamamos esse ciclo de ciclo de desenvolvimento sustentável”, comenta Balote. Assim, a academia é composta por um programa integrador (para quem chega), de estagiários, trainees, um programa gerencial, outro com enfoque para os profissionais de áreas mais técnicas, coaching e um programa de carreira.

Para cada um desses programas foram mapeadas as competências necessárias para executar a estratégia de cada empresa, num trabalho que contou com a colaboração dos principais líderes do grupo. E a partir do mapeamento dessas competências, e de seus respectivos comportamentos, é que os processos de formação foram traçados.

Balote lembra que algumas competências ainda não faziam parte do rol da Solví, como a que se referia à valorização energética. “Fomos buscar esse conhecimento tanto internamente, com um especialista, quanto trazendo alguém do mercado para tratar desse tema e em que nível a gente precisaria desenvolvê-lo, em que tempo, para poder fazer frente a essa demanda.”

Vamos ao circo
Na Solví, os jovens que começam a participar do programa de estágios são desafiados a desenvolverem projetos ligados aos negócios. Na verdade, os participantes de todos os programas têm de desenvolver um projeto. Como reforça César Souza, isso ajuda a atrelar ainda mais a formação à estratégia. O profissional se vê na obrigação de entender o negócio e colocar na prática o conhecimento em questão.
“Aqui, as pessoas são preparadas para crescer, para serem sócias no negócio. Isso as ajuda a pensar fora da caixa para buscarem mais resultados”, diz Penteado. E foi para ajudar a tirar o povo fora da caixa que, em um determinado momento, os participantes foram assistir a um espetáculo do Cirque du Soleil: a ideia era entender como a empresa canadense navegava em um oceano azul em um mercado bem complicado para os circos tradicionais. Além disso, alguns empreendedores foram convidados a dar palestras na companhia. A intenção é criar um sentimento de dono. Algo que outras empresas como a Passarelli também procuram desenvolver.

Do início da Academia Solví até hoje, Balote estima que entre 80 e 100 pessoas que participaram dos programas já ocupam posições de liderança. Dessas, ao menos quatro lideram os maiores negócios do grupo. E vale entender negócios não apenas no sentido de áreas mais administrativas, há também líderes em áreas técnicas, como ressalta Penteado. Por ser uma empresa que atua em setores bem específicos, esse pessoal representa um grande valor para a corporação. E retê-los deve ser uma tarefa árdua. Ou não? Balote responde: “Quando o chorume entra na veia, a pessoa não sai mais da empresa. Ela acaba vivendo intensamente, pois sabe que está desenvolvendo um trabalho importante”. Só para dar uma ideia do que é lidar com resíduos: são 14 mil toneladas por dia de resíduos coletados na capital paulista, que são levados para um aterro sanitário em Caieiras, na Grande São Paulo. Imagine sem esse trabalho…

O sucesso da academia e o modelo de governança adotado em 2010 fizeram com que cada empresa do grupo passasse a conduzir seus próprios programas. No entanto, percebeu-se que alguns fatores complicavam essa operação. Como já explicou Souza, da Empreenda, a sobrecarga de trabalho acaba disputando a atenção e tomando tempo. Além disso, alguns EUNs (empresários de unidades de negócio, como são chamados os principais líderes de empresas da Solví) manifestavam mais interesse em determinados programas do ciclo sustentável de desenvolvimento, como trainees e estagiários. “Assim, no fim do ano passado, houve um consenso de que deveríamos trazer a academia para a holding, para dar um valor diferenciado”, conta Penteado.

Novo guarda-chuva
Sob esse guarda-chuva, diz Balote, é possível criar uma maior sinergia e há mais facilidade para deslanchar alguns programas. Um exemplo é o voltado para a formação de liderança gerencial, que dura aproximadamente um ano e tem um investimento significativo – e também demanda um número maior de participantes, nem sempre existente em uma unidade de negócios. “Uma empresa sozinha não consegue sustentar isso, é muito complicado, mas a holding consegue”, diz.

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Fauze Diab / Crédito: Divulgação
Diab, da Oxiteno: internacionalização e novas demandas / Crédito: Divulgação

Uma das bases do programa de formação de líderes na Solví é o Programa de Criação de Valor (PCV). Cada gestor tem metas nos aspectos ambiental, social, pessoas e segurança. Este último, aliás, é um item forte: o profissional pode ter atingido todos os outras metas, mas se taxas de frequência e gravidade não forem atingidas ele perde 25% do bônus. “Tenho dito o seguinte para o líder: o sucesso dele depende de uma equipe. Assim, o líder tem de passar a cuidar do desenvolvimento de todo mundo, independentemente do nível em que está, e criar esses talentos tanto para o crescimento dele quanto da organização. Ele só vai ter oportunidade de buscar novos caminhos e crescer na organização se tiver alguém que possa, amanhã, ocupar a posição dele. Se não criar essa cadeia sucessora, ele fica amarrado”, diz Balote.

Integração maior
“Quem faz a gestão de pessoas no dia a dia são os líderes”, afirma Fauze Diab, gerente de RH da Oxiteno. Apesar de a empresa sempre investir na formação desse pessoal, no final de 2011 alguns fatores fizeram com que se repensasse mais esse assunto. A companhia passava por um processo de internacionalização, que motivou o RH a elaborar um novo planejamento estratégico para a área, a fim de ter mais condições para sustentar os caminhos que se delineavam. E a percepção de que eram precisos novos líderes, em quantidade, ficou clara. Na hora de mandar alguém para outro país sempre aparecia a pergunta: e quem fica no lugar? “Você não pode abandonar a operação que vai bem”, diz Fauze.

Além disso, o executivo também percebeu que havia uma necessidade de liderança em termos qualitativos graças a algumas questões. “A demanda pela formação de líderes é cada vez maior por parte dos funcionários. A relação de trabalho vem mudando bastante, o país vive um período de pleno emprego e hoje as pessoas têm muito mais oportunidade e o trabalho para reter esse pessoal é mais forte. E os funcionários que entram na empresa, os mais jovens, demandam mais feedback, querem mais clareza dos objetivos, das metas”, conta. É um processo evolutivo que exige um novo líder.

Ou seja, era preciso preparar melhor a liderança, item que passou a ganhar mais destaque como fator de atração e retenção de talentos e como fator de melhoria de resultados. “Quando ele (o líder) dá mais informação ao empregado, este consegue produzir melhores resultados – entende mais o objetivo do trabalho que realiza. O RH propicia as condições, as ferramentas, as metodologias para que a liderança faça a gestão de pessoas. E vale lembrar que em boa parte das demissões voluntárias o funcionário se desliga do chefe e não da empresa.” Fauze lembra que o momento era muito propício porque os próprios gestores da empresa estavam demandando mais do RH. Muitos deles pediam, também, por conta dessa cobrança, uma especialização maior.

Assim, 25 líderes seniores da Oxiteno, hoje, estão passando por um programa de desenvolvimento de liderança. São gestores que já receberam muita orientação sobre teorias e metodologias. “No estágio de carreira em que estão, já fizeram os cursos que dão esse conhecimento. Esse novo trabalho está voltado mais para o lado prático, de projetos práticos.”

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Carlos Balote e Delmas Penteado / Crédito: Adriano Vizoni
Balote e Penteado, da Solví: na empresa o estopim foi a mudança de mãos do controle da Cia / Crédito: Divulgação 

Esses líderes foram divididos em cinco grupos com a missão de construir um business case, que será apresentado este mês (dezembro) para a diretoria e para o presidente da empresa. “Um dos temas refere-se a pensar a nova geração de líderes. Como a Oxiteno deve trabalhar no desenvolvimento dessa liderança do futuro a partir de agora”, conta Fauze. Outro projeto trata sobre como agregar valor ao cliente. “Naturalmente, para levá-lo adiante, a diretora industrial foi procurada para fazer parte de uma entrevista para ajudar a identificar pontos de melhoria.”

Entender o outro
Esses projetos contribuem para aumentar a integração na empresa, que gera conhecimento, ajudando pessoas a entender mais as dificuldades do colega. “No projeto de formação de líderes do futuro, alguns vinham até mim e discutiam algumas sugestões, que eram mais desejos, e percebiam que nem tudo é simples. Uma das propostas era fazer um investimento enorme na formação dos estagiários. Mas qual o retorno disso? Não correríamos o risco de investir sem saber se o jovem vai ficar ou não na empresa?”, conta Fauze.

Outro aspecto positivo de um programa que se baseia na estratégia está na melhoria do nível de percepção das pessoas em relação às competências e aos comportamentos desejados. Na Oxiteno, o próprio grupo sentiu que deveria mudar algumas atitudes. Um exemplo é a própria integração: eles perceberam que poderiam melhorar esse comportamento.

Aliás, mudança de comportamento também é algo esperado pela Passarelli. A empresa familiar de 82 anos ainda não montou seu programa de desenvolvimento de liderança, mas já deu um grande passo nesse sentido, quando elaborou e validou, recentemente, sua estratégia para os próximos anos. Com uma forte atuação no mercado de saneamento e uma vertente na área de edificações (prédios comerciais e residenciais), a Passarelli tem como meta “equilibrar a carteira entre público e privado”, como lembra Lúcia Menezes, diretora de gestão de pessoas. Lúcia chegou à companhia neste ano e tem como missão ajudar a organização a profissionalizar sua gestão.

Para que esse projeto seguisse em frente, era necessário rever a estratégia e avaliar as competências e comportamentos desejados. O que havia como plano estratégico mais parecia um processo de orçamentação. Com a ajuda de uma consultoria externa, para mudar esse quadro e reconstruir ou dar novos rumos à Passarelli, foram realizados encontros ao longo deste ano com a diretoria para que cada integrante apontasse o que a empresa deveria ser. “Foram levantados os pontos de convergência e divergência dos relatos apresentados. E, depois, cada um desses itens foi trabalhado e o resultado final foi validado pela equipe em um workshop de dois dias”, conta Lúcia.

Ficar dentro do plano
Além de definir os rumos da companhia como, por exemplo, quais mercados mirar e que taxa de crescimento adotar, a executiva destaca que o exercício de pensamento estratégico estabelece o que a organização não quer. “Está claro que se vier uma proposta que não estiver no nosso plano, ela não será levada adiante. Esse trabalho trouxe claramente a questão das competências com as quais vamos trabalhar. Traz claramente os valores, aquilo em que temos de investir e aquilo que temos de deixar. Um dos pontos mais fortes que vamos trabalhar é o espírito de dono, incorporando na cultura senso de urgência, flexibilidade e foco no resultado.”

Resultado. Essa deve ser sempre uma meta. Também do RH. E ajudar a formar a liderança é um caminho para isso. “Já estou revendo o ciclo seguinte de estratégia da empresa para os próximos 10 anos. Terminado esse trabalho, tenho de pegar o modelo de competências e rever meus programas, ver o que é preciso em termos de competências novas e quais manter”, finaliza Fauze, da Oxiteno. Trata-se de caminho que não tem fim, apenas recomeços, pois a estratégia é viva.

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