Rodada de formação

de Fabíola Tarapanoff em 11 de agosto de 2010

Realizar sempre a mesma tarefa pode ser cansativo. Crítica à busca desenfreada pelos lucros ocasionada pela Revolução Industrial, o filme Tempos modernos, do diretor Charles Chaplin, mostra um homem ajustando parafusos em uma linha de montagem que fica cada vez mais rápida. Ele se torna tão integrado a esse processo que acaba sendo “engolido” pela engrenagem da máquina, e mesmo quando retorna para casa continua a realizar os mesmos movimentos repetitivos.

Pois o conceito de job rotation parece ter surgido da observação desse movimento repetitivo, sempre na mesma função, a mesma rotina, os mesmos afazeres que desgastam o funcionário não apenas física como também psicologicamente. Pensando em melhorar a produtividade dos colaboradores, algumas empresas passaram a implementar uma espécie de rodízio, ainda na década de 1970, para que seus funcionários atuassem em outras funções. A descoberta de novas habilidades e o contato com novos desafios são alguns dos pontos que garantem a esse processo boa parte de sua boa aceitação e sucesso no mundo corporativo.

Atualmente, o job rotation possibilita não só que a área de gestão de pessoas contribua para a motivação e retenção de funcionários, como também para identificar os funcionários mais adequados para determinada área ou função. Além disso, esse processo vem sendo utilizado, ainda, como fonte de capacitação de pessoas. É o que se pode depreender dos dados de uma pesquisa realizada no ano passado pela, então, Watson Wyatt (hoje Towers Watson), com 133 companhias brasileiras. O levantamento, divulgado no início de 2010, mostrou que 77% dessas organizações adotam ações de treinamento e desenvolvimento de seus funcionários e as práticas mais utilizadas são o coaching, utilizado por 88%, e o intercâmbio internacional, realizado por 62% das corporações. O job rotation aparece na terceira posição, sendo utilizado por 52% das empresas entrevistadas.

De acordo com Maria de Lurdes, gerente de desenvolvimento humano da Serasa Experian, a organização utiliza essa prática principalmente nos programas voltados a jovens talentos, estagiários e trainees. Ela cita como exemplo o Programa Jovem Ser Cidadão, que gera oportunidades de qualificação e formação para jovens da rede estadual de ensino. “É o primeiro emprego deles. Eles assumem atividades mais administrativas e operacionais, mas podem ser alocados em qualquer departamento da empresa. No final do primeiro ano, eles mudam de setor, para que conheçam outra área com a qual possam se identificar”, diz.

Lurdes explica que há jovens que quando começam a trabalhar na organização, nem sabem qual faculdade cursar e acabam decidindo fazer Psicologia, por exemplo, porque se identificaram com a área de recursos humanos. “Por isso a empresa deve oferecer ao jovem a oportunidade de realizar um rodízio pelas áreas para que possa conhecer outras realidades. Isso acaba sendo extremamente importante para a vida deles”, analisa.

Outro programa voltado para jovens talentos é o Estrategiários, com duração de dois anos e que proporciona job rotation de um ano em todas as áreas da companhia. Há ainda o Programa E-Estagiários, direcionado a jovens talentos na área de tecnologia, no qual durante dois anos os participantes têm um treinamento especializado e desenvolvem várias atividades com job rotation de um ano em áreas exclusivamente de tecnologia como suporte e desenvolvimento. “A prática propicia, assim, o conhecimento de novas atividades, o desenvolvimento de competências e, a partir do momento em que ele assume atividades mais complexas, desenvolve seu potencial e pode assumir maiores responsabilidades. Além disso, ele conhece outros profissionais e troca informações. Essa integração é muito importante para a carreira dele”, ressalta.

Lurdes ressalta que todos esses processos de mudança de área são coordenados por um líder, que também passa por programas de treinamentos como o Programa Serasa Experian de Coaching. Criado em 2004, é composto por quatro etapas: aliança (construção de vínculo entre o líder e o gestor); levantamento de informações, elaboração e implementação do plano de ação e avaliação de resultados.

Outro bom exemplo é o Líder 3D, que permite o desenvolvimento do líder em três aspectos: como gestor, educador e transformador. “Antes de ir para o curso, ele se auto avalia, é julgado pelo superior e por seus liderados. Quando inicia o curso, ele recebe os resultados desse teste e começa a desenvolver planos de ação e desenvolvimento. É um programa interessante no sentido de preparar os líderes para realizar melhor a gestão de pessoas”, explica.

A própria gerente de recursos humanos relata que nos 11 anos em que atua na companhia realizou não só os treinamentos citados, como gerenciou diferentes áreas dentro da organização, o que possibilitou ter uma visão global da companhia. “Para mim, possibilitou um enorme crescimento poder contribuir com diversos processos da diretoria. A empresa me proporcionou muitas oportunidades e agora também posso retribuir, atuando em qualquer setor da organização se for preciso, realizando projetos multidisciplinares”, acrescenta.

Diferença que soma
A gerente-geral de recursos humanos da Siemens, Sylmara Requena, explica que o job rotation já é parte da filosofia da empresa, que possui mais de 160 anos de existência. Presente em 190 países, a Siemens soma 420 mil colaboradores em todo o mundo, sendo 9 mil no Brasil, que atuam em áreas que vão de telecomunicações a equipamentos na área de saúde. “Devido à complexidade da empresa, buscamos proporcionar aos colaboradores o acesso a diferentes setores. Ou seja, o job rotation é parte do processo de desenvolvimento das pessoas na organização e permite um movimento interno importante, que contribui para aumentar a diversidade na instituição, trazendo benefícios para o negócio”, diz.

Sylmara explica que o estagiário já tem previsto um job rotation como parte do seu treinamento, denominado Programa de Desenvolvimento de Talentos. Durante o estágio, realizado no período de dois anos, ele atua por um ano em uma área diferente daquela em que entrou. “Então, desde o estágio, todos os colaboradores têm a possibilidade de atuar em áreas diferentes, seja pelo seu próprio interesse ou porque seu líder acredita que essa transferência contribuirá para o seu desenvolvimento”, comenta.

Não só jovens talentos têm essa oportunidade, mas todos os colaboradores da organização podem trabalhar em outros departamentos e unidades no país e no exterior. A executiva calcula que entre 250 e 300 profissionais, por ano, realizam esse rodízio. O processo ocorre da seguinte forma: é realizada uma avaliação, anualmente, com todos os colaboradores para determinar se os objetivos foram atingidos e quais os próximos passos em sua carreira. “Isso faz parte do plano de desenvolvimento de carreira para que possam assumir outras posições no futuro. Tudo caminha de acordo com as necessidades do negócio ou segundo as necessidades do gestor. Se for realizado um convite para o colaborador, o gestor determina se a pessoa está preparada ou não para assumir determinada função em outro país. Como é uma multinacional, unidades do exterior podem solicitar a qualquer momento colaboradores de outros países para assumir determinadas funções”, diz.

Entre os benefícios do job rotation, Sylmara destaca a possibilidade de o colaborador poder ampliar sua visão de negócios e de todos os envolvidos, o que impacta de forma positiva na organização. “As pessoas se sentem mais motivadas, pois percebem que têm espaço para crescer na companhia e isso colabora para a retenção de talentos”, acrescenta. A executiva diz que também já participou do processo de job rotation e por quase quatro anos foi responsável pelo treinamento de executivos na América Latina. Ela relata que permanecia cerca de uma semana no Brasil e passava duas semanas em unidades do exterior como México e EUA. “A vivência com culturas diferentes torna o colaborador um profissional mais completo, pois conhece outras formas de trabalhar, o que potencializa os seus
resultados”, completa.

Mudança de ares
Outras companhias também realizam a mudança de área dos colaboradores. Uma dessas organizações é a multinacional Basf, que atua em áreas como a de produtos químicos e agronegócios. Presente em quatro regiões do mundo (Ásia, Europa, América do Norte e América do Sul), a Basf possui 100 mil colaboradores, sendo 3,8 mil funcionários no Brasil. Segundo Juliana Justi, gerente de RH da Basf para a América do Sul, a empresa possui uma ferramenta chamada Diálogo com o Colaborador (DCC), que possibilita para a liderança apresentar aos seus colaboradores um feedback de como foi seu desempenho. “O líder se reúne com o colaborador e estabelece as ações de desenvolvimento que contribuirão para seu crescimento e para atingir as metas na organização. Dessa forma, o colaborador tem muita clareza sobre a sua carreira, os passos que deve tomar e sobre como buscar outras oportunidades dentro da própria área”, comenta. 

Por meio do DCC, o gestor pode identificar também a necessidade de o colaborador participar de treinamentos específicos em outros setores. Ela cita o seu próprio caso, dizendo que, apesar de trabalhar sempre na área de desenvolvimento de pessoas, atuou em diferentes negócios da companhia, como tintas e produtos químicos. “Iniciei como estagiária em 2000 e depois fui efetivada como consultora na área de RH. Atendi a diversas áreas, sempre dentro da mesma função, o que permitiu conhecer diferentes processos, proporcionando um crescimento lateral. Isso é um diferencial da Basf em relação a outras companhias”, ressalta.

Juliana destaca que outra ferramenta que possibilita essa mobilidade dentro da organização é a Central de Oportunidades Basf (COB), que divulga posições abertas aos colaboradores de unidades em todo o Brasil. “Ao proporcionar novas oportunidades, a organização tem como resultado profissionais mais satisfeitos e produtivos e dessa forma retém pessoas”, analisa. 

Na multinacional Caterpillar, que atua no segmento de tratores e máquinas agrícolas, o processo de movimentação de pessoas também ocorre de forma dinâmica. Segundo Rita Truffi, gerente de recursos humanos da Caterpillar no Brasil, pode haver a movimentação de três ou quatro pessoas ao mesmo tempo, sem necessidade de que uma substitua a função da outra. “Por exemplo, o gerente de logística vai para a área de produção, o de produção vai para o departamento de compras”, destaca. Denominado Talent Management System, o processo possibilita que o funcionário tenha uma experiência em outra área de atuação. “Isso é discutido nas reuniões de plano de sucessão de carreira. Buscamos associar as necessidades da empresa com o desejo do funcionário, considerando também o que o gestor julga importante para o seu desenvolvimento”, completa. A executiva avalia que aproximadamente 1,5 mil colaboradores realizam alguma mudança de área todos os anos, seja entre departamentos no Brasil ou no exterior.

Na opinião da gerente de RH da Caterpillar, o job rotation é o melhor treinamento que existe porque 70% você aprende na própria função, complementando depois esse conhecimento com leituras e cursos. “Se você for trabalhar em logística é melhor atuar na área do que fazer um curso. Nada melhor do que estar ali, aprendendo no dia a dia”, diz. Para Rita, uma das desvantagens desse processo é quando o profissional não dispõe de um tempo mínimo para adquirir conhecimento. Por isso, o gestor tem uma grande responsabilidade na transferência de um funcionário. “O líder precisa saber se o colaborador está pronto para a mudança e de que será positiva para ele. A pessoa leva um tempo para aprender determinada função. Se  você não possibilita isso, desperdiça tempo e dinheiro, porque, quando a equipe que treina um colaborador em uma nova área sabe que ele vai permanecer por pouco tempo, se sente desmotivada, o que gera falhas no processo. O job rotation apresenta sucesso quando o líder coloca as pessoas certas em uma nova função com o tempo adequado”, conclui.

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