Gestão

Saber ser flexível

de Jacqueline Sobral em 5 de março de 2013
Gustavo Morita
Elisa (à esq.) e Andrea, da Ernest & Young Terco: programas de incentivo

Elas estão em toda parte: ocupando cargos e trabalhando em áreas tradicionalmente masculinas, reivindicando seus direitos, priorizando projetos, adiando planos pessoais (ou não) para investir em suas carreiras e ocupando a maioria das cadeiras das salas de aula das universidades e dos cursos de especialização. Se no passado sua presença era “tolerada”, hoje em dia a retenção do talento feminino é uma das principais preocupações das empresas. Para atingir esse objetivo, muitas começam a perceber que a flexibilidade de horários está no topo das prioridades das mulheres. Para a gerente-geral de engenharia da Chemtech, Daniella Galo, horários flexíveis fazem toda a diferença. Responsável por uma equipe de 500 pessoas que atuam na sede da empresa no Rio de Janeiro e líder direto de oito gerentes, dos quais seis são mulheres, ela acredita que um profissional bem resolvido na vida pessoal é mais produtivo. “Se uma das gerentes me liga dizendo que a babá do filho faltou, não vejo problema de ela fazer home office. Minha equipe é cobrada por resultado, não por horas que passaram na empresa.”

Papel diferente
O sócio-fundador da Recruiters, Othamar Gama Filho, concorda. “Mesmo falando de igualdade, é inegável que a mulher tem um papel diferente na sociedade, e não dá mais para obrigá-la a ter de escolher entre o pessoal e o profissional. Ainda existe o raciocínio de que quanto mais tempo se passa na empresa mais o funcionário trabalha, mas, aos poucos, percebe-se que isso não é verdade”, afirma. “Hoje, nas entrevistas de seleção, as mulheres já começam a manifestar o desejo de equilibrar seus diversos papéis.” Após constatar que algumas funcionárias optavam por se desligar da empresa após o retorno da licença-maternidade, a Ernst & Young Terco fez uma pesquisa e descobriu que uma das razões eram as longas jornadas de trabalho. Foi a partir daí que, além da extensão da licença-maternidade para seis meses, o Comitê de Diversidade e Inclusão criou programas de incentivo voltados ao público feminino. “Para as profissionais e futuras mães, sabemos o quanto é fundamental passar seis meses com os filhos na fase inicial de suas vidas. Além disso, quando voltam da licença, elas ainda têm a possibilidade de utilizar a política de flexibilidade, optando pela jornada reduzida, home office, ou semana de trabalho comprimida”, explica a diretora de RH da organização para a América do Sul, Elisa Carra.

Sair mais cedo
A Johnson & Johnson (J&J) é outro exemplo de empresa que proporciona horários flexíveis não apenas para as mulheres, como para os homens também. Durante o verão, a organização, por exemplo, promove a Summer Friday, que permite aos funcionários saírem às 14 horas toda sexta-feira para aproveitar o tempo com a família. Especificamente no caso do sexo feminino, a empresa adotou a licença-maternidade de seis meses e, caso queira voltar antes a trabalhar, a funcionária pode sair mais cedo todos os dias, por um determinado momento, para amamentar o bebê.

Adriano Vizoni
Ester, do Walmart: razões para elas assumirem cada vez mais cargos de liderança

“Acredito que o segredo para tudo na vida é ter equilíbrio. É possível conciliar perfeitamente a carreira e vida pessoal, desde que haja disciplina na hora de fazer as atividades”, comenta a diretora de RH da companhia, Sonia Marques.  Uma ação voltada para as mulheres que a J&J promove, para apoiar o desenvolvimento e a retenção de suas líderes femininas é o Women Leadership Initiative, programa que realiza uma série de conferências, reuniões e coaching sobre temas como equilíbrio entre vida pessoal e profissional, progressão na carreira, entre outros. As mulheres atualmente são 40% do quadro total de funcionários da organização e também ocupam 40% dos cargos de liderança, incluindo gerência, diretoria e presidência. “O que percebemos é que elas, por uma característica natural, são mais aglutinadoras, integradoras, compartilhadoras”, analisa Sonia.

A líder do programa Winning Women Brasil da Ernst & Young Terco, Andrea Weichert, observa que as mulheres tendem a serem mais decididas quando o tema é investir em um novo desafio profissional. “A retenção de talentos é difícil tanto em relação aos homens quanto às mulheres, mas uma questão particularmente interessante é o fato de que somos mais ousadas quando o assunto é mudança de emprego.” Lançado este ano, o Winning Women Brasil é um programa de aprendizado e coaching voltado para mulheres empreendedoras que estejam à frente de empresas de pequeno e médio porte em todo o país, baseado em eventos e reuniões formais.

Lugar ideal
O aumento da presença das mulheres nos últimos anos, principalmente em cargos gerenciais, levou o Walmart a investir mais em programas de desenvolvimento voltados para esse público e o próprio CEO a lançar o desafio: fazer a empresa se destacar como o lugar ideal para a mulher trabalhar. Para isso, a empresa investiu em algumas iniciativas, como a criação de um Conselho de Mulheres voltado para o planejamento de ações de inclusão do público feminino, que se reúne mensalmente, e o Movimento Mulher 360, que promove o encontro de representantes de diversas empresas atualmente são cerca de 40 com foco na promoção de ações dentro de cada organização participante e de suas respectivas cadeias de suprimento, na realização de investimentos sociais privados e de campanhas que valorizem a imagem da mulher. “Nosso desafio para 2013 é transformar o movimento em uma entidade jurídica e fazer com que os projetos avancem, mas sabemos que é um processo longo, que requer tempo”, ressalta a diretora de sustentabilidade do Walmart, Camila Valverde.  

A flexibilização de horários também é um benefício oferecido a elas no Walmart.  “Nossa maior preocupação não é a retenção de talentos, mas o desenvolvimento de um ambiente que não só atraia as profissionais do sexo feminino, mas permita o seu crescimento”, destaca a diretora de capital humano, Ester Bomfim Martinez. “Já somos a maioria nas escolas e nas universidades, as características femininas são cada vez mais valorizadas pelas empresas, por isso estamos assumindo cada vez mais cargos de liderança.”

Edna Bedani, diretora de RH e Responsabilidade da Edenred, responsável pela Ticket, onde as mulheres já representam 53% do total de funcionários, concorda: “As mulheres andam cada vez mais preocupadas com desenvolvimento profissional. Querem conquistar espaços onde não eram vistas antes: presidentes de países, presidentes de organizações, delegadas, frentistas, taxistas, caminhoneiras, engenheiras, entre outras. Não existem mais limites, as mulheres estão realmente dispostas a quebrar barreiras.” (JS)


Abrir mão

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Prioridade e planejamento, essas são as palavras para a mulher que quer equilibrar vida profissional, pessoal e familiar. Não serei 100% em todos os papéis. Abro mão de levar e buscar meus filhos no colégio, mas não de acompanhar o estudo deles quando chego em casa. Não faço questão de ir com eles em uma visita de rotina ao médico, mas não falto às reuniões da escola. A flexibilidade que tenho na Chemtech faz toda a diferença. Consigo, por exemplo, marcar minhas reuniões para às 10 horas, assim organizo as coisas na minha casa antes de ir para o trabalho. Em contrapartida, às vezes, chego em casa, coloco os dois para dormir e sento na frente do computador para resolver alguma pendência da empresa. No ano passado, me ofereceram a oportunidade de fazer um MBA in company, e vi que não era a hora. Eu teria de me organizar para chegar em casa às 23 horas, duas vezes na semana. Não fiquei preocupada achando que a minha recusa seria mal-interpretada. Ficou tudo certo, tenho essa abertura na empresa. Às vezes, estou no meio de uma reunião, o telefone toca e é a babá. Peço desculpas, mas não deixo de atender.

Daniella Galo, gerente-geral de engenharia da Chemtech 


Flexibilidade

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Ter a minha própria empresa sempre foi o que eu quis fazer. Eu e a Vanessa trabalhávamos juntas e identificamos que havia uma demanda no mercado para o nosso negócio. Hoje, temos 20 pessoas trabalhando conosco, entre funcionários e colaboradores. O fato de ser mulher facilita na gestão de pessoas: estou sempre preocupada em ir além do trabalho, ver se a pessoa está feliz, se a gente pode fazer alguma coisa para melhorar o seu bem-estar. Claro que o preconceito também existe, principalmente nessa área de TI. Existe uma barreira a ser vencida, seja com o funcionário ou com o cliente, pois eles sempre esperam encontrar um sujeito de óculos e não uma mulher para tratar de um assunto tão técnico. Conseguir equilibrar a vida pessoal e profissional é o que me faz tocar a empresa todos os dias. Hoje, por exemplo, acordei às cinco da manhã para trabalhar um pouco, em casa. Assim que meu filho, de 3 anos, acordou, fiquei com ele umas duas horas antes de ir para a empresa. A mulher não “precisa” de flexibilidade de horários, ela “quer” ter essa flexibilidade. Não quero para mim aquela imagem que temos do profissional que mora no trabalho, que quando não está na empresa só pensa nos negócios. Quero ver meu filho crescer.

Hadeliane Iendrike, 34 anos, juntamente com a sócia Vanessa Nunes, abriu a SE7Ti, empresa de soluções empresariais em Tecnologia da Informação. A ideia surgiu enquanto as duas ministravam aulas de pós-graduação na mesma universidade.  


 Capacidade de improviso 

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Ainda na graduação, no curso de Direito, em 2007, comecei a vender umas camisas personalizadas pelo Orkut. Uma amiga estilista me ajudava a desenhar as roupas. A partir daí, passei a fazer alguns vestidos de festa – não muitos, pois são caros. Foi então que surgiu a ideia de abrir uma loja de noivas em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, que acabou se expandido. Acho que temos uma maior capacidade de improvização que os homens. Por lidar com o sonho de outra mulher, tenho de estar preparada para ajustar o vestido da forma que ela quer e não da maneira que eu acho que deveria ser. Tem noiva que prova a roupa e chora, outras são mais frias e há as que simplesmente não sabem o que querem. Cada noiva tem um roteiro diferente e, para lidar com isso, você acaba criando um personagem para cada uma delas. Vivo na loja e “ralo” muito. Este ano, pretendemos confeccionar os nossos próprios vestidos. Chego lá às oito da manhã e costumo sair às oito da noite; mas um dia saí à meia-noite, pois era preciso fazer um ajuste. Minha vida social é aos sábados, após às 15 horas, e aos domingos. Um dia quero casar e ter gêmeos, mas hoje meu foco está no trabalho.

Thaís Moraes, 24 anos, advogada e dona da Ozorno Fashion & Bridal, uma loja de roupas de festa no Rio de Janeiro, cujo faturamento em 2012 atingiu 1 milhão de reais.

 

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